As próximas complicações da JBS
Transações privilegiadas com ações e derivativos deixam companhia em maus lençóis
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Assim como fazem com os milhares de bois que abatem diariamente, Wesley e Joesley Batista, controladores do frigorífico JBS, decidiram encurralar e desferir golpes sem piedade na cabeça de vários políticos, incluindo o presidente Michel Temer. Ao gravar conversas privadas que teve com o presidente da República e entregá-las ao Ministério Público Federal (MPF) no âmbito de um processo de delação premiada, Joesley Batista busca garantir a sobrevivência do grupo JBS, alvo de várias investigações conduzidas pela Polícia Federal.

Maior doador oficial das campanhas eleitorais de 2014, o grupo teve a relação de promiscuidade com o mundo político, enfim, escancarada. O conteúdo da delação liberada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde da sexta-feira 19 de maio, baseada em depoimentos dos donos e de executivos do JBS, revelou supostos pagamentos de propina a Temer, aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a Aécio Neves e José Serra, entre outros políticos.

Os Batista esperam que o acordo de delação seja um primeiro passo para a JBS limpar a barra com as justiças brasileira e americana. Assim, poderão retomar no segundo semestre a oferta pública inicial de ações da JBS Foods International (JBSFI) na Bolsa de Nova York (Nyse), inicialmente prevista para acontecer até junho. Com cerca de 70% das operações fora do Brasil, os empresários pretendiam transferir a companhia para os Estados Unidos. Negócios com ações e derivativos feitos pela empresa antes da delação, entretanto, podem embolar esse caminho.

No fim de abril, a J&F Investimentos, controladora da JBS, alienou 31,7 milhões de ações ON do frigorífico, embolsando 328,5 milhões de reais. O intervalo em que as vendas foram feitas, entre os dias 20 e 28 de abril, chama a atenção. Segundo advogados consultados pela reportagem, a possibilidade de insider trading é grande. Os controladores venderam ações quando já sabiam do escândalo político que estavam prestes a desencadear: a gravação da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer já havia sido feita e a negociação de acordos com o Judiciário estava em andamento. “É uma negociação incomum”, avalia Tiago Reis, sócio da Suno Research. O lucro de centenas de milhões obtido com a transação abrandará a multa de 225 milhões de reais prevista no acordo de delação.

Quem paga a conta?

O cenário fica ainda pior quando a venda de ações dos controladores é confrontada com as recompras de ações feitas pela tesouraria da JBS no mesmo período. Entre os dias 24 e 27 de abril, a companhia adquiriu 19 milhões de ações ONs de sua própria emissão, desembolsando cerca de 200 milhões de reais. Ou seja, é possível que o caixa da JBS tenha sido usado para absorver as vendas do controlador ou, ao menos, para sustentar a cotação. Na primeira metade de abril, JBS ON era negociada na faixa de 9,50 reais; na recompra, a tesouraria pagou, no mínimo, 10,24 reais. “Se houvesse a intenção de gerar valor para o acionista, o negócio não seria feito pelo valor mais alto”, avalia um analista.

No dia 19, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou que abriu cinco processos administrativos para investigar a JBS e empresas ligadas à companhia — um deles justamente para apurar negociações do acionista controlador do frigorífico com ações de emissão da companhia. “A dinâmica dos negócios tem indícios de insider trading e o uso do caixa para recompra pode configurar abuso do poder de controle”, avalia um dos advogados consultados pela reportagem.

A JBS também será investigada pela CVM por causa da suspeita de que, às vésperas do escândalo, atuou nos mercados de câmbio e juros. De acordo com o Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, a JBS teria comprado entre 750 milhões e 1 bilhão de dólares em contratos de dólar no mercado futuro na noite do dia 17 de maio, data em que o escândalo veio à tona. No dia seguinte, a moeda americana disparou. Fechou em alta de 8%, cotada a 3,38 reais. A companhia é igualmente suspeita de negociar no mercado futuro de câmbio, aproveitando-se da informação supostamente dada pelo presidente Temer a Joesley Batista de que o Copom cortaria a taxa Selic em um ponto percentual — o que se confirmou dias após a conversa.

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Condições artificiais

O caso da JBS deve render uma boa discussão na CVM. A negociação de derivativos de posse de informações privilegiadas é vista como uma infração ao mercado, mas há controvérsias quanto a sua caracterização jurídica. O insider trading não se aplicaria, já que os negócios não envolvem ações emitidas por uma companhia e nem o vazamento de suas informações. Um dos advogados consultados pela reportagem acredita que, se confirmados os negócios, seria possível acusar os controladores da JBS de criação de condições artificiais de mercado. Outra aposta é na tese da prática não equitativa com os demais investidores.

A negociação de ações e derivativos pode ter sido lucrativa para a JBS mas, se comprovadas as infrações ao mercado, a companhia pode se enroscar com as autoridades americanas. A JBS também negocia um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, país onde mantém boa parte de suas operações. A premissa básica para que o pacto seja costurado é o compromisso de cessação da prática de irregularidades. “Ainda que insider e manipulação de mercado não sejam episódios de corrupção, é possível que as autoridades americanas não se sintam confortáveis em fechar um acordo com uma companhia adepta dessas práticas”, avalia um advogado.

Lista de escândalos

Com o acordo de delação, outras infrações cometidas pela JBS tendem a ser reveladas. Atualmente, o grupo é alvo das operações Greenfield (que apura irregularidades que causaram prejuízos aos maiores fundos de pensão do País), Sépsis (que investiga suposto esquema de propina para liberação de recursos do FI-FGTS), Cui Bono (que averigua possíveis fraudes na liberação de crédito pela Caixa) e Bullish (relativa a aportes concedidos irregularmente pelo BNDESPar). Em março, a companhia entrou na mira da operação Carne Fraca, que investiga pagamento de propina a fiscais sanitários do Ministério da Agricultura.

Apesar de soterrada em escândalos, a JBS tem seu mérito: tornou-se uma das poucas “campeãs nacionais” premiadas com recursos baratos do BNDES a prosperar. Outras da turma, como Laep, Oi e o frigorífico Independência, fracassaram. “A Marfrig também recebeu recursos do BNDES, mas não teve o mesmo sucesso da JBS”, observa o sócio da gestora de recursos GTI, André Gordon.

Atualmente, o grupo tem cerca de 220 unidades de produção no mundo. A família Batista deu início à empreitada de crescimento há dez anos, quando adquiriu a Swift & Company dos EUA e da Austrália. E não parou mais: em 2009, comprou a americana Pilgrim’s Pride e incorporou a brasileira Bertin; em 2013, adquiriu ativos da XL Foods nos EUA e no Canadá e comprou a Seara no Brasil; em 2014, abocanhou a australiana Primo SmallGoods e as operações brasileira e mexicana da Tyson Foods; em 2015, comprou unidades da Cargill nos EUA e a Moy Park no Reino Unido; em março deste ano, adquiriu a Plumrose USA.

 


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