As engrenagens do governo americano
Uma passagem de bastão atabalhoada e seus efeitos sobre o funcionamento da máquina pública
, As engrenagens do governo americano, Capital Aberto

Imagem: Divulgação

Como partidário da transparência radical, devo me declarar um ávido leitor da profícua obra de Michael Lewis, desde os tempos de Liar’s Poker (o primeiro de seus 11 livros). Quando soube da publicação de The Fifth Risk, sequer pesquisei seu tema: mergulhei de cabeça na leitura, apenas para rapidamente perceber que a obra não orbita ao redor de economia e finanças, campos tradicionais de Lewis. Trata-se de uma reflexão sobre o funcionamento da infraestrutura do governo americano no melhor estilo do autor — com base em fatos, pesquisa e depoimentos em primeira pessoa de personagens relevantes.

Tudo começa meses antes da eleição de Donald Trump, quando ele vocifera que parte dos recursos para o financiamento da campanha estava sendo direcionado para o comitê de transição, segundo o autor. Apesar de esse direcionamento ser obrigatório por lei, o único argumento capaz de tranquilizar o futuro presidente foi a alta probabilidade de que a imprensa tomaria seu desdém pelo processo como admissão de que perderia a disputa. A partir daí, não surpreendem a postura ideológica e a escolha pela ignorância como método.

A mesma história se repetiu em vários organismos fundamentais para o funcionamento do governo, como os departamentos de energia e de agricultura. Após a eleição, os novos líderes escolhidos pela administração Trump apareciam pouco nas repartições, tinham pouca familiaridade com o trabalho que faziam e até ignoravam os manuais de transição preparados para eles.

A narrativa instigante de Lewis nos guia pelos corredores do governo e por decisões como a nutrição nas escolas públicas, o orçamento para o censo 2020, a manutenção das linhas de transmissão no país e até a gestão do material radioativo. Embora não fique óbvio de cara, um padrão emerge de forma natural: a inclinação ideológica pela diminuição do Estado se sobrepõe aos interesses de longo prazo para o bem-estar da nação. Como exemplos, o livro documenta a blitz no departamento de energia para supressão da discussão em torno do aquecimento global e um relaxamento de regras para permitir refrigerante e pizza na merenda das crianças, entre vários outros.

A despeito dos cortes de orçamento e da escolha pela ignorância da nova administração, a máquina do governo segue sua marcha, em grande parte por causa de heróis anônimos: servidores públicos munidos de propósito, dedicação e conhecimento. Ao perguntar sobre o que lhes tira o sono, o autor conclui que a lista é surpreendentemente homogênea. No topo, acidentes com armas nucleares e mudança climática; a seguir, a ameaça da Coreia do Norte e a fragilidade da rede de transmissão de energia. E, por fim, o quinto risco do título: gestão de projetos. O corte de orçamento em muitos organismos do governo para atender a promessas de campanha tem ameaçado vários programas fundamentais — dos quais a população não tem conhecimento até que desencadeiem tragédias.

Uma definição amplamente aceita de sustentabilidade é que ela significa o atendimento das necessidades da geração atual sem que se comprometa as necessidades das gerações futuras. Quando um governo se engaja em cortinas de fumaça para focar no curto prazo, a primeira vítima é a argumentação técnica e sem viés. Não é necessário jogar areia nas engrenagens: basta convencer a sociedade de que a lubrificação do motor é dispensável.

Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente 


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