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Fronteiras intrigantes
A visão de Gustavo Franco sobre o futuro dos bancos e das moedas
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

Presidente do Banco Central por duas vezes nos anos 1990, o economista Gustavo Franco ironiza a peça pregada pela tecnologia na história monetária do Brasil: “A moeda está deixando de ser de papel e a gente ainda nem sabe bem como tratar essa criatura”. O desvio de rota determinado pelas moedas digitais — como aquelas das redes sociais, dos programas de milhagem ou mesmo os bitcoins — é apenas uma das intrigantes fronteiras abertas pela inovação que fascinam o economista. Recentemente, ele aceitou o convite dos empreendedores da fintech de cartões de crédito Nubank para ser uma espécie de conselheiro estratégico do negócio — uma oportunidade de estreitar laços com “essa garotada doida para empreender num país tão complicado”. Tudo o que vai acontecer no ambiente financeiro daqui em diante, diz Franco, “parece muito interessante”.

Os telefones celulares são um dos mais importantes propulsores dessa transformação. Ao derrubar as barreiras de entrada no setor financeiro, a tecnologia móvel faz emergir fora dos bancos uma variada oferta de serviços como os de crédito, cartões, gestão de recursos e de fortunas, ameaçando a posição das grandes instituições. Já os bancos, continua Franco, correm o risco de, num futuro não muito distante, ficarem mais parecidos com as companhias de eletricidade — altamente concentradores do mercado e ofertantes de um serviço-commodity (no caso deles, o depósito em conta corrente, incapaz de remunerá-los com as margens de lucro atuais). “Isso é o que assusta os bancos”, adverte. O fenômeno, chamado de “unbundling” pela turma da nova economia, remete às oportunidades de capturar, por meio da tecnologia, segmentos de mercado até então ocupados pelas instituições antigas e de oferecer os mesmos serviços com preço e escala inimagináveis até então.

Muito mais disruptivo que a fragmentação dos serviços bancários, entretanto, seria o uso do dinheiro sem nenhum intermediário, alerta o economista. Isso caso a tecnologia venha a permitir ao Banco Central ter um relacionamento direto com cada um de nós, por meio de moedas carregadas em nossos smartphones. “Os bancos não precisariam mais existir”, ele resume. Ao apontar para esse futuro aparentemente improvável, Franco rememora as contundentes críticas aos riscos que a quebra de uma instituição bancária representa para a sociedade, ressuscitadas a cada novo colapso financeiro. Movimentos que clamam pela separação da atividade de depósitos à vista dos demais serviços ofertados — como o narrow banking — agora convivem com a erupção de competitivos serviços financeiros na tela dos smartphones.

Para quem gosta de estudar a história, como Franco, é comum o sentimento de assombrar-se com a sua atualidade. Um economista famoso que se torna curiosamente atual na narrativa de Franco é o americano Irving Fischer. Pensador do Programa para Reforma Monetária, concebido para consertar o sistema bancário dos Estados Unidos logo após a Grande Depressão, ele foi um dos primeiros a propor o que se chamou na época de ‘one hundred percent reserve banking’. Abalados com a crise de 1929, os americanos implicavam com a ideia de os bancos tomarem recursos dos depositantes de um lado e usarem esse mesmo dinheiro para emprestar a outros — prática que se convencionou chamar de reserva fracionária. Essa autonomia dos bancos para multiplicar o dinheiro em circulação na economia e meter eles mesmos — e a sociedade — em encrenca foi alvejada por Fischer. Sua proposta na época foi a substituição por um sistema em que a autoridade monetária assumisse integralmente a gestão das reservas, garantindo aos depositantes que seu dinheiro estaria lá quando precisassem dele. O projeto nunca virou lei, mas personagens como Fischer ganham ar de visionários nos novos tempos, por terem previsto o estreitamento da atuação dos bancos, diz Franco.

Quando pensa no papel-moeda e em sua possível substituição pelas reservas virtuais de valor, ele assinala que os bitcoins eram ignorados no passado recente e que agora são objeto de estudo em vários bancos centrais — “inclusive o nosso” —, que formulam as possibilidades de uma moeda digital. O dinheiro que carregamos no bolso, observa, é tão somente um passivo do Banco Central. Poderia estar escriturado lá e, por meio de um impulso magnético, concomitantemente registrado no armário de guardados virtual dos nossos computadores pessoais.

Num mundo em que a tecnologia transforma — e amplifica — os canais de distribuição, Franco enxerga boas oportunidades para as gestoras de recursos. Especialmente para aquelas dispostas a garfar um naco do contingente de milhares de poupadores que têm entre 100 e 150 mil reais aplicados na poupança e estão loucos para sair dela. É em nichos como esse que a tecnologia cai como uma luva, permitindo que se prescinda de call centers ou da presença física para atingir taxas de administração compatíveis com o bolso do cliente. Já da evolução dos algoritmos e de seu avanço sobre tarefas que hoje cabem aos gestores, Franco é menos entusiasta. “Os robôs podem economizar recursos humanos, mas isso tem pouco impacto, não é revolucionário”, afirma. Até mesmo as negociações de alta velocidade, segundo ele, não tiveram todo o efeito que se esperava. “O impacto maior parece ser mesmo no campo da distribuição, não no dos produtos. A última onda de inovação em produto foi a do derivativo, e nada veio a partir disso.”

Depois de deixar o Banco Central em 1999, em meio a uma grave crise cambial, Franco tirou um ano sabático de estudos e em seguida fundou a Rio Bravo Investimentos, ao lado de Paulo Bilyk e Mario Fleck. Atualmente com pelo menos 11 bilhões de reais em recursos de terceiros, a gestora está sob controle do chinês Fosun Group, que no ano passado adquiriu parcela majoritária no capital. A transação suavizou a rotina de Franco à frente do negócio, liberando tempo para trabalhos como o do Nubank, as aulas na PUC e a preparação de um livro de 850 páginas que ele espera lançar em breve. Intitulada A moeda e a lei, a obra “bilíngue” — escrita nas línguas da economia e do direito, brinca o autor — origina-se de um curso ministrado por Franco. A missão, que ele mesmo reconhece como ambiciosa, é contar a história monetária do Brasil de 1933, quando oficialmente o País deixou o padrão-ouro para trás e adotou uma moeda de papel, até 2013, antes de a recessão econômica começar.

A obra explora os problemas de um país que durante décadas teve uma autoridade monetária controlada por governos que preferiam “fabricar dinheiro para fechar o buraco nas contas públicas a atender ao interesse do cidadão, que é ter uma moeda que preste” —, distorção que só deixaria de existir com a reforma monetária e institucional promovida pelo Plano Real, do qual Franco foi um dos artífices. Sua participação no bem-sucedido plano econômico inspirou o personagem protagonista do recente Real – o plano por trás da história, do diretor Rodrigo Bittencourt. Baseado na obra 3000 dias no bunker, de Guilherme Fiuza, o filme se afastou não apenas do livro como “da realidade das coisas”, sintetiza Franco, deixando no ar um certo descontentamento com o longa metragem. “Espero que, a partir do filme, as pessoas cheguem ao livro, onde está a verdade.”

Filiado ao PSDB, Franco critica enfaticamente a conduta atual do partido. Em carta endereçada ao presidente da sigla, o senador Tasso Jereissati, ele e os economistas Elena Landau, Edmar Bacha e Luiz Roberto Cunha fizeram um apelo para que o PSDB desembarque do governo Temer e afaste Aécio Neves. “Foi uma decepção”, diz, referindo-se ao senador. O economista lembra que o PSDB saiu de dentro do PMDB justamente por não concordar com suas práticas e agora está se transformando na própria sigla que refutou. Entretanto, para uma reinvenção efetiva do partido, ele advoga, é preciso ir além dos clichês. “Está na hora de repensar essa ideia de social-democracia que o PSDB abraçou. Não existe mais esse negócio. Todos somos a favor da economia de mercado e de menos desigualdade e proteção para as camadas economicamente vulneráveis. O ponto agora é que tipo de capitalismo queremos ver no Brasil: se o de quadrilha ou aquele competitivo de verdade.”

Sobre as eleições de 2018, Franco afirma estar mais preocupado com as ideias dos que estarão no comando do que com as pessoas em si. E conserva um certo otimismo: “Não sei o que vai ‘macronizar’ o Brasil”, ele brinca (em referência a Emmanuel Macron, banqueiro francês que se tornou-se presidente do país europeu em maio). “Mas alguma coisa nova vai ter de acontecer.”


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