Pesquisar
Close this search box.
“Eleições não vão bastar no Brasil”
Francisco Petros
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

Ao conversar com Francisco Petros, nem tente descobrir de que lado ele está, seja qual for o assunto. O economista e advogado, que hoje ocupa assentos nos conselhos de administração da Petrobras e da BRF, não demonstra em sua fala qualquer apreço pelos polos sedimentados de ideias. Prefere a liberdade de separá-las criteriosamente, para então recompô-las a seu modo. Um exemplo de distinção traiçoeira que ele critica logo no início da entrevista é a que normalmente se faz entre macro e microeconomia. “Tratavam as questões de governança da Petrobras como microeconomia. Só que elas se tornaram o problema macro do Brasil!”

O ex-analista de investimentos, que já presidiu a associação nacional da categoria, transformou a governança da Petrobras em motivo de obstinação pessoal. Petros ingressou no conselho da petroleira em 2015, quando o board era comandado por Murilo Ferreira, e ocupou inicialmente a cadeira de suplente de Walter Mendes, indicado pelos acionistas minoritários. Depois encabeçou o comitê de remuneração e sucessão, responsável pela escolha dos executivos. No ano passado, já com a diretoria sob o comando de Pedro Parente e o board pilotado por Nelson Carvalho, foi eleito conselheiro efetivo, indicado pela União.

À frente do comitê de pessoas, Petros começou o trabalho do zero. “O grupo não funcionava de verdade fazia anos, o que explica como a Petrobras chegou a esse cenário calamitoso”, observa. Algumas peculiaridades foram logo identificadas. Entre elas, o significado prático do cargo de gerente executivo — que, para além do nome, posicionava o funcionário como um diretor assistente. Estava elucidado o fato de Pedro Barusco, um mero “gerente-executivo”, ter sido pego pela Operação Lava Jato com R$ 300 milhões roubados dos cofres públicos.

A primeira medida do comitê sob a liderança de Petros foi a organização de um programa de avaliação dos cargos e das carreiras. A iniciativa gerou mudanças importantes. Segundo o conselheiro, os níveis gerenciais caíram de 9 para 6. Cerca de 4 mil postos de gerente foram extintos. As 27 áreas de compras viraram apenas uma. Ao final, no filtro do comitê restaram aprovados 44 gerentes executivos e 7 diretores, todos agora carimbados pelo processo de checagem de competências e entrevistas. Na assembleia ordinária realizada em 27 de abril, os critérios de nomeação passaram a integrar o estatuto social. “E eles são muito superiores aos da Lei das Estatais”, orgulha-se Petros. O conselho de administração, ele resume, fez um “take over” da Petrobras.

Na origem do escândalo envolvendo a companhia, Petros reconhece um Estado que não sabe ser acionista. E não só isso. “O Estado brasileiro perdeu a capacidade de planejar políticas públicas e fazê-las prosperar”, afirma, lembrando que essa habilidade já existiu e foi proveitosa em meados do século passado, em governos como o de Juscelino Kubitschek — ou mesmo nas ditaduras Vargas e militar. Se alguém ainda duvida dessa degradação, afirma Petros, basta lembrar da transposição do Rio São Francisco, inconclusa após cinco anos de atraso, ou do imbróglio ambiental em que se fundaram as hidrelétricas do Rio Madeira, na Amazônia. Ao lado do Estado incompetente, ele prossegue, reside um Congresso Nacional despreparado para promover grandes debates. E, na alta cúpula das estatais, profissionais precariamente qualificados e suscetíveis aos interesses privados. Uma infeliz conjugação de elementos semelhante às que derrubam aviões e descarrilham trens. “Nossa República democrática acabou”, sentencia.

Os caminhos da reconstrução, avalia Petros, tampouco se encaixam nos campos situados à direita ou à esquerda do espectro político. “O País precisa de um novo pacto social.” Em outras palavras, ele prossegue, o Brasil necessita de uma assembleia constituinte para redação de uma nova carta magna, composta por representantes diversos da sociedade — intelectuais, juristas, banqueiros, acadêmicos, empresários — e sem a participação de políticos. De nada adiantarão as eleições, ele argumenta, se as bases da política continuarem podres. “Não há alternativa a não ser rediscutir institucionalmente o Brasil”, afirma.

Entre as expressões desse esfacelamento, Petros assinala a proposta de emenda constitucional 95 (conhecida como “PEC 95”), que restringe por 20 anos os gastos públicos. “A PEC calou a autoridade do Congresso Nacional para dispor sobre nada menos que o orçamento, justamente a tarefa que explica a origem dos parlamentos.” Ao caldeirão de impropriedades da Constituição brasileira ele adiciona as regras previdenciárias e os parâmetros de vinculação de receitas, entre outras. “A Constituição não é mais representativa da República atual.”

Na base dos tortos pilares que explicam o desmoronamento do “pacto pós-democrático”, Petros identifica dois problemas principais: a ausência de educação da população — “grande parte dos eleitores não tem consciência política para entender a relação entre o público e o privado, o que resulta em baixa fiscalização” — e a falta de gosto das elites brasileiras pelo próprio País — “elas parecem acreditar que é possível se dar bem a despeito de o Brasil se dar mal”. Agora, porém, as elites estão perdendo a prerrogativa de se omitir. A crise institucional profunda embute o risco — real, a seu ver — de uma desestabilização social. “Se eu fosse um banqueiro, certamente não estaria conseguindo dormir nos tempos atuais.”

Nesse contexto, novamente, Petros detém-se em separar com cuidado os elementos da história. A Operação Lava Jato, adverte, não é a solução das mazelas do País; ela decorre da crise institucional, mas está longe de vir a ser a saída. “O Mensalão por acaso mudou o Brasil?”, provoca. “Não é por existir um juiz ativo como o Sergio Moro que o País vai mudar.” Por dentro das instituições, o ambiente é desolador. “Recentemente, com os vídeos [das delações da Odebrecht], aprendemos com o ‘jurista’ Marcelo Odebrecht como são feitas as leis no Brasil”, ironiza. “E alguns ainda acreditam que as instituições por aqui funcionam. Isso é abstração!”

A inabilidade da classe política e das elites de gerar um ciclo de progresso para o País é tema central da coletânea de ensaios publicada por Petros no fim do ano passado. Intitulado De Lula a Temer: o capitalismo inacabado (Editora Migalhas), o livro estampa na capa duas escolhas propositadas do autor: a imagem do senador romano Brutus, um dos assassinos do imperador Júlio César, e, no título, a ausência da presidente Dilma Rousseff. Alvo do processo de impeachment no ano passado, Dilma é apresentada na obra como “infanta” — uma figura despreparada pessoal e politicamente para exercer o cargo, a ser ainda destrinchada pela história, diz Petros. A presidente foi derrubada pelo parlamento por seu “analfabetismo econômico” — motivo que, todavia, não está previsto na Constituição como base para a destituição de um mandatário. “[O impeachment] é um fato trágico do ponto de vista político para o Brasil”, conclui.

A repórter pergunta se Petros se considera um pensador alinhado à esquerda ou à direita, e ele permanece firme no desinteresse pelos polos: “Sou um radical de centro!”, desconversa. Os valores liberais, argumenta, se universalizaram, o que resulta na inexistência da esquerda sem uma parcela do capitalismo. No lugar dessa dicotomia, o advogado prefere o embate entre o moderno e o arcaico. A proposta de um capitalismo que conjuga aspectos sociais e ambientais, por exemplo, lhe parece muito mais interessante. “Eu sou pró-empresas, mas é preciso considerar que o interesse público deve estar sempre acima das empresas”, arremata. O bom governante, acredita, é aquele que tem inteligência para arbitrar os incentivos conforme as necessidades do momento, de modo a criar ambientes isonômicos e a privilegiar os interesses da sociedade. Um líder capaz de exercer o capitalismo democrático, por fim. Algo que o mercado de capitais, ele constata, pode ajudar a construir.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.