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“É preciso repensar o Estado”
Arminio Fraga
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Ilustração: Eric Peleias

“Não é impossível imaginar dois mandatos da presidente Dilma [Rousseff] sem crescimento per capita. É incrível isso, num país como o Brasil. Não poderia acontecer”, indigna-se o sócio-fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. Ele sonhava ter nas mãos o leme da política econômica, para que isso não acontecesse. Em 2014, mergulhou na campanha do candidato Aécio Neves à presidência da República com o plano de assumir o Ministério da Fazenda. Não deu certo.

No programa que pouco conseguiu expor em meio ao “ambiente populista maluco das eleições”, Fraga trazia medidas macro e microeconômicas. Idade mínima de 65 anos para aposentadoria, limite à dívida bruta e adoção de um orçamento de base zero, livre de qualquer vinculação eram algumas delas — além de mudanças nas regras trabalhistas, separação dos pisos do salário mínimo e da previdência e adoção da meritocracia no setor público, entre outras providências. “É preciso repensar o Estado”, defende.

Agora, diante do tamanho do rombo nas contas públicas, a maioria dos amigos de Arminio tenta convencê-lo de que “escapou de uma boa”. Ele mesmo, contudo, não pensa assim. “Acho que teríamos repetido o que aconteceu em 1999, quando se implementou um ajuste fiscal enorme e assim mesmo a economia cresceu.” Em entrevista à Folha de S.Paulo, disse que faria praticamente tudo diferente do que tentou fazer Joaquim Levy no posto de ministro da Fazenda. “Não exatamente diferente do que ele gostaria de ter feito”, esclarece. “Não tenho dúvidas de que o trabalho seria difícil, mas o sangue novo ajudaria. Seria possível dar respostas menos inibidas à crise, menos constrangidas pela autoria dos problemas”, afirma. “Mas paciência”, resigna-se. “Ela ganhou, legitimamente, nas urnas, apesar de todas as mentiras da campanha.”

Sobre a hipótese de impeachment da presidente, o economista responde com cuidado. “Não é uma questão de querer [o impeachment] ou não. Ninguém tem que querer nada, o sistema é que deve processar esse problema. Agora, se acontecer com base em investigações, dentro da normalidade institucional, pode ser um caminho.” Em teoria, observa, o ideal seria que regimes populistas fossem interrompidos nas urnas. “Mas o fato é que eles são difíceis de serem interrompidos e, no geral, ganham as eleições até quebrar. Basicamente, foi isso o que aconteceu [com o governo do PT]. Eles quebraram.”

Fraga descreve a economia brasileira como terra arrasada. Em sua opinião, são crescentes os riscos de termos outro ano de recessão em 2016 e, depois, uma “crise ainda mais profunda de confiança”, por causa de um sentimento de medo da população. “Cresce não apenas o desemprego como também a percepção de que o emprego está precário. Isso cria angústia. As pessoas se tornam defensivas. O consumo cai”, argumenta. Além do mais, continua, muita gente tomou dinheiro emprestado, e com a alta da taxa de juros, agora está com a corda no pescoço. Para piorar, a deterioração é acompanhada de um caos setorial, microeconômico.

A revolta explica por que o economista decidiu aumentar a exposição de suas opiniões. Além de conceder algumas entrevistas para jornais, e esta para a capital aberto, escreveu pelo menos quatro artigos em 2015 — três deles em parceria. “Me sinto obrigado a falar.” Em um dos textos, assinado com os acadêmicos Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello, alveja os empréstimos subsidiados do BNDES. “É preciso mensurar o retorno social [desses recursos].” Noutro, em coautoria com o advogado e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marcelo Trindade, defende um sistema de governança mais profissional para as empresas estatais, cujas premissas constam de projeto de lei apresentado pelo senador Aécio Neves no começo de junho. O documento propõe essencialmente que os governos contratem programas ou serviços dessas companhias quando quiserem, mas paguem por eles com recursos previstos no orçamento. “O País tem de ter um orçamento só. Não é possível existir um espaço secreto onde as pessoas pegam o dinheiro. Porque, no fim, o dinheiro vem de algum lugar, não cai do espaço sideral.”

“A nossa leitura é negativa para os próximos quatro, doze, vinte meses. Há muita incerteza”

Sem a cadeira de ministro, Fraga dedica-se a outras agendas “micro”, tanto na Gávea, gestora de recursos que fundou em 2003, quanto nos projetos sem fins lucrativos com os quais contribui — entre eles, o Grupo Cultural AfroReggae, voltado a afastar jovens da periferia da influência do tráfico de drogas. Em agosto, quase cinco anos após ter vendido o controle da Gávea para a asset management do J.P. Morgan, Fraga e seus sócios decidiram recomprá-la. Deixaram os fundos de ações e imobiliários com os americanos e recuperaram para si os negócios de private equity e de fundos multimercado (os contratos ainda estão sendo assinados). As duas primeiras áreas foram desenvolvidas na parceria com o J.P. Morgan, mas não cresceram como previsto. “Existe crise no mercado imobiliário e na bolsa. Não é hora de crescer nesses setores. Mas as sementes estão plantadas. Quando as coisas virarem, eles [os americanos] vão colher os resultados.”

Enquanto isso, no segmento de private equity, a Gávea pilota sem pressa o caminhão de R$ 1,1 bilhão captado no fim do ano passado para o seu quinto fundo da modalidade. “Alocamos somente 10% [do capital comprometido] até agora, em dois investimentos pequenos.” Um deles foi a aquisição de uma fatia da Cia. Hering; o outro, a compra de uma parcela minoritária da bauruense Paschoalotto Serviços Financeiros, especializada em cobrança bancária. Por razões diversas, conta o gestor, o cenário impõe cautela aos investimentos de private equity. “A nossa leitura é negativa para os próximos quatro, doze, vinte meses. Há muita incerteza.”

O economista lamenta os impactos da crise sobre as gestoras de recursos. Com R$ 17,6 bilhões sob gestão, a Gávea tem escala para superar o mau tempo, mas o baixo desempenho dos investimentos impacta as taxas de performance e o segmento como um todo. “Esse é um negócio maravilhoso, interessantíssimo, rentável, mas os ciclos são longos e cheios de imprevisibilidade. É preciso muita disciplina e boas noções de valor”, costuma dizer aos gestores de recursos mais jovens. Apesar do tamanho, a Gávea viu a crise atingir seu quadro de talentos. Em menos de um ano, foram seis baixas no time de private equity — entre elas os prestigiados Christopher Meyn, Piero Minardi e Carlos Barros — Meyn saiu por razões pessoais, Minardi foi contratado para encabeçar a gestora de private equity do Warburg Pincus e Barros tornou-se presidente da rede de laboratórios Dasa. No mercado, circulou o comentário de que os executivos teriam se desiludido com as perspectivas de remuneração, mas Fraga prefere ser menos específico. “Eles provavelmente avaliaram que essa é uma fase ruim para o setor e resolveram aproveitar para fazer outra coisa.” Na nova equipe de private equity, destaca Amaury Bier (sócio da gestora desde 2004, assumiu a área em agosto), Marcelo Albuquerque (ex-Santander) e Fabio Barbosa (ex-presidente do Santander e da Abril). “Três profissionais de mão cheia”, orgulha-se.

Sobre a vontade de voltar a trabalhar no governo, Fraga afirma não pensar nisso por ora. Em sua trajetória, considera ter sido servidor público em três oportunidades — como diretor do Banco Central no início dos anos 1990, depois como presidente do órgão no governo de Fernando Henrique e em 2014, ao trabalhar na campanha do amigo Aécio Neves. “Eu estava tão engajado que entendo essa como a minha terceira etapa”, conta. Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. “Hoje dedico horas a fio à Gávea e mais um pouquinho de tempo para temas acadêmicos e projetos sem fins lucrativos. Está de bom tamanho.” Aos 58 anos, o economista alega existir muita gente boa, mais nova do que ele, capacitada para assumir o desafio. “Por mais que eu me considere preparado, e tenha esse lado meio doido de querer trabalhar no governo, não vejo sentido nisso agora. Acho que não sou mais tão doido assim.”


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