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CVM às claras
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

Em 29 de agosto, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fez sua primeira reunião sob a presidência de Marcelo Barbosa, que assumira o posto dias antes. Desde então, a maior parte das decisões do grupo é divulgada com a exposição de um único voto — o do relator. Isso significa abrir mão dos chamados votos em separado, em que um ou mais diretores deixam registradas suas visões discordantes. A uniformidade das decisões é uma marca que Barbosa espera cunhar em seu mandato, com duração prevista até 2022. Sua proposta é discutir exaustivamente as opiniões de cada diretor durante as reuniões para alcançar, sempre que possível, uma mensagem única. “Não será uma tarefa fácil com cinco advogados no colegiado”, reconhece. “Mas as primeiras tentativas foram muito frutíferas.”

A simplificação, como princípio basilar, é uma meta de Barbosa. O enfoque alinha-se às prioridades estabelecidas pelo Ministério da Fazenda e manifestadas por Henrique Meirelles no discurso da cerimônia de posse do advogado — a primeira a contar com a presença de um ministro desde 2004. O incentivo aos termos de compromisso — acordos em que o acusado não confessa a culpa e nem é inocentado, mas oferece uma indenização à CVM para encerrar o assunto — será uma vertente dessa política. “Quando temos casos repetitivos, em que um novo julgado não ensina nada ao mercado, por que não fechar um termo?”, analisa. “Esse tipo de acordo desocupa a administração da CVM e permite resolver a questão em pouco tempo.”

Barbosa frisa que o intuito não é afrouxar a presença do regulador, mas sim eliminar ônus desnecessários. “Reduzir os custos de observância”, explica. O conceito se estende aos casos que exigem interpretação da Lei das S.As. e que costumam opor acionistas controladores e minoritários em discursos ideologizados. A função da CVM, argumenta, é aplicar a lei — e a lei é “aquela que está escrita, não a que eu ou você gostaríamos que fosse”. Assim, ele prefere encontrar uma razão para as coisas serem como são dentro dos próprios diplomas. “Quando alguém diz que um artigo precisa ser reformado para prever mais detalhes, minha reação instintiva é ser contra. Eu sempre leio uma lei como se ela fizesse sentido.” E nas situações em que a aplicação técnica da lei deixa no ar o sentimento de injustiça? “Se essa sensação for legítima — com ênfase no ‘legítima’ —, sim, a CVM tem a obrigação de discutir o conteúdo da norma”, ressalta Barbosa.

A reunião de 29 de agosto do colegiado era um fórum convidativo a esse tipo de posicionamento. Na pauta estava a análise de um pedido da BNDESPar, acionista com 21,3% do capital da JBS, relativo a uma assembleia que aconteceria três dias depois. No encontro, seria debatida a possibilidade de a própria JBS processar os donos da companhia, Joesley e Wesley Batista, por prejuízos decorrentes dos atos de corrupção revelados ao Ministério Público, além da adoção de contratos de indenidade para salvaguardar administradores e conselheiros após o escândalo. A BNDESPar queria se assegurar de que os irmãos Batista, detentores de 42,5% da JBS, estariam impedidos de votar no encontro, já que eram o alvo dos processos que os investidores pretendiam instaurar.

Foi uma pena que a BNDESPar, em seu pedido à CVM, não tenha escolhido a melhor estratégia para suscitar a manifestação do colegiado: em vez de requerer diretamente a análise do veto à participação dos Batista, por causa do conflito de interesses, solicitou à autarquia a interrupção do curso da convocação da assembleia para que, nesse intervalo, a CVM pudesse avaliar a legitimidade do voto. Analisando o caso, a área técnica e o colegiado não viram razão objetiva para suspender o prazo de convocação. A área técnica, porém, adiantou-se ao tema do impedimento e manifestou-se contra o voto dos controladores na deliberação. Já o colegiado entendeu que não dispunha de tempo suficiente para tomar a decisão com profundidade. “Conflito de interesses é uma questão que já deu muito o que falar. Não nos sentimos confortáveis em escrever um entendimento em prazo tão curto”, explica Barbosa.

A BNDESPar acabou conseguindo liminar para impedir o voto dos Batista, mas os empresários também foram vitoriosos no Judiciário e obtiveram o cancelamento da assembleia. A briga foi levada para decisão arbitral e nenhum novo pedido de análise do tema havia sido encaminhado ao colegiado da CVM até a última conversa com Barbosa para esta seção. O entendimento dos diretores da autarquia sobre o controverso tema do impedimento de voto do acionista controlador apareceu, enfim, em decisão tomada na última semana de outubro, análoga à situação de conflito dos donos da JBS. O colegiado entendeu que dois acionistas da fabricante de armas Forjas Taurus, ocupantes de posições no conselho de administração, não poderiam ter votado em assembleia que deliberaria sobre a abertura de uma ação de responsabilidade civil contra eles mesmos. Barbosa, entretanto, para infortúnio dos estudiosos que ansiavam conhecer sua abordagem do tema, absteve-se de votar por se considerar impedido.

Graduado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o novo presidente da CVM começou sua carreira em meio às privatizações dos anos 1990. Jovens e fluentes em inglês, Barbosa, Paulo Vieira e Fábio Rezende criaram um escritório para atender estrangeiros interessados em adquirir ativos no Brasil. O momento era virtuoso. Como havia mais transações do que escritórios de advocacia, as grandes bancas recusavam trabalhos para evitar conflitos com outros clientes e transferiam os casos para escritórios pequenos como o de Vieira, Rezende e Barbosa. As privatizações abriram espaço para uma série de novas aquisições e também para numerosas brigas entre os novos sócios privados dessas companhias, convidando Barbosa a mergulhar nas questões societárias e do mercado de capitais. Uma das operações mais importantes em que atuou foi a incorporação da Tele Centro Oeste Celular pela Telesp Celular, em 2003. Graças ao trabalho de Barbosa, a transação, que expropriava o valor das ações dos minoritários, foi suspensa pela CVM.

“Sempre quis ter a flexibilidade de atuar onde o desafio intelectual era maior”

O caso acabou associando o nome do advogado à defesa das minorias — o que ele refuta enfaticamente. “Sempre quis ter a flexibilidade de atuar onde o desafio intelectual era maior”, destaca. Questionado sobre se o papel da CVM é “proteger quem investe no futuro do Brasil” (durante vários anos a autarquia adotou esse slogan), ele responde sem titubear: “Quem investe no futuro do Brasil não são apenas os minoritários”.

Combate à corrupção é outro tema da agenda de Barbosa. Ele espera ver crescer ainda mais a cooperação entre a CVM, o Ministério Público e a Polícia Federal para troca de informações. O resultado mais impactante dessa ação conjunta apareceu apenas duas semanas após o seu início na CVM, com o mandado de prisão de Wesley e Joesley Batista por uso de informação privilegiada. Os dois irmãos aproveitaram o ensejo das delações estrondosas que fariam contra o presidente da República, Michel Temer, para negociar ativos em condição privilegiada.

Os 11 processos e 5 inquéritos abertos pela autarquia para investigação de Petrobras desenvolvem-se em bom ritmo, conta Barbosa. “Alguns já estão praticamente maduros e deverão ir a julgamento em breve.” Em relação à JBS, a CVM conduz um total de 13 processos, entre ações sancionadoras, inquéritos e inspeções. Além do insider trading e da conduta fraudulenta dos acionistas controladores, a autarquia se debruça sobre temas como a influência no board da concorrente BRF, a veracidade dos nomes dos beneficiários finais de uma das holdings do grupo, e os procedimentos de auditoria aplicados por KPMG e BDO nas demonstrações financeiras do grupo.

Frente à relevância das investigações em andamento, Barbosa quer dar mais visibilidade a elas. Para tanto, planeja lançar um relatório trimestral da atividade de fiscalização, espelhado na prática da americana Securities and Exchange Commission (SEC). Outra informação que o novo presidente pretende deixar clara para o mercado é como será feita a dosimetria das penas aplicadas. O tema foi acalentado pelo projeto de lei aprovado em 18 de outubro pela Câmara dos Deputados, em substituição à MP 784, que amplia o teto de um dos parâmetros de multa aplicados pela CVM de 500 mil reais para 50 milhões de reais. “É preciso estar claro para o mercado, e mesmo dentro do colegiado, que tipo de infração nos faz chegar perto do teto.” As regras, afirma, serão endereçadas por meio de normativo e submetidas a uma audiência pública. “Tão logo tenhamos a nova lei, trataremos o tema como prioridade”, assegura.

Barbosa ambiciona deixar ao menos três legados com sua gestão: funcionários mais satisfeitos com as condições de trabalho; prazos ainda menores de análise dos processos; e mais previsibilidade sobre como pensa e atua a CVM. O último deles, em especial, é demanda frequente do mercado. Se der certo, muita gente vai comemorar.


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