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“Brasil vive hoje no pior dos mundos”, diz Antônio Corrêa de Lacerda
Na avaliação do economista, falta diretriz de governo e estratégia no comércio exterior
Antônio Corrêa de Lacerda/ Ilustração: Julia Padula

Antônio Corrêa de Lacerda/ Ilustração: Julia Padula

O número é contundente. Na década entre 2007 e 2017, segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China, os investimentos feitos por chineses no Brasil somaram 55 bilhões de dólares, um sinal inequívoco do andamento de um processo de transferência de empresas nacionais para grupos vindos da China. “A investida dos chineses é um fenômeno internacional. O que chama a atenção aqui é ausência de uma estratégia para se lidar com ela”, lamenta o diretor da Faculdade de Economia, Administração, Ciências Contábeis e Atuariais da PUC-SP, professor Antônio Corrêa de Lacerda. Ele pode falar de comércio exterior com a autoridade de quem, entre outros cargos, presidiu a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).

A desnacionalização das empresas brasileiras não é nova — ela se acelerou a partir dos anos 1990, quando foi criada a Sobeet, um oportuno centro de estudos, análises e debates sobre a inserção internacional de diferentes economias. É notória a intenção da China de garantir sua autonomia em alimentos, água e energia, o que a leva a adquirir terras na África, por exemplo. “Os chineses não chegam a comprar terras no Brasil porque há uma restrição legal à venda para estrangeiros. Mas especialmente no Centro-Oeste, onde predominam a produção e o comércio de grãos, há uma presença maciça de empresas chinesas: adquiriram as trading companies locais”, destaca. Encontraram, assim, uma maneira de acessar e controlar o mercado local de alimentos.

Por si só, o capital produtivo estrangeiro não é um problema — ainda mais considerando que a indústria nacional sempre se desenvolveu ancorada nos investimentos de fora, como no caso da indústria automobilística. A questão, observa Lacerda, é que quando uma empresa é desnacionalizada o País perde seu controle estratégico. Há ainda um outro ponto: o capital externo tem que ser remunerado em moeda estrangeira — e se a empresa desnacionalizada não gera dólares (leia-se, receitas com exportação), o Brasil precisa criar divisas de alguma outra forma para remunerar esse capital. O problema é que, principalmente a partir de 2010, os chineses vêm priorizando setores que não produzem divisas — como geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, segundo boletim do Conselho Brasil-China.

Um outro aspecto preocupa Lacerda. “Estamos nos tornando mais dependentes da demanda chinesa, predominantemente por produtos primários. Isso gera a reprimarização da nossa economia”, assinala o economista, ressaltando que os preços das commodities agrícolas, energéticas e minerais têm baixo valor agregado. “Tudo isso revela uma gritante falta de estratégia do Brasil para lidar com a desnacionalização de empresas, com a inserção internacional do Brasil e, particularmente, com os interesses dos chineses, que sabem muito bem o que querem”, sublinha.

A China, por exemplo, não quer perder seu status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), como o governo do presidente Jair Bolsonaro já se prontificou a fazer em troca de uma promessa de apoio dos Estados Unidos para ingressar na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “O Brasil não precisa abrir mão do status que tem na OMC [que garante tratamento diferenciado em algumas situações]. A Coreia do Sul, a Turquia e o México são membros da OCDE sem terem deixado de lado os privilégios de países não totalmente desenvolvidos”, afirma Lacerda.

Para ele, no que se refere a Estados Unidos e China o ideal é o Brasil permanecer com boas relações com ambos. Mas com uma tática em relação à desnacionalização, como fazem vários países. Lacerda cita o caso da Alemanha, que coloca restrições à venda de suas empresas de setores considerados estratégicos a estrangeiros. “No Brasil não há esse debate, muito menos dentro da visão liberal ou neoliberal da equipe econômica atual. Mas é um problema que a sociedade precisa discutir: como ficam os empregos, a tecnologia, a política de investimentos”, avalia.

A “despreocupação” do governo com a questão chinesa, observa, integra um cenário mais amplo, de falta de estratégias claras com relação a tudo: da inserção internacional do Brasil à função do Estado e ao papel das empresas. Ele também alerta para uma fé exagerada no mercado e uma descrença na regulação. “Mas sabemos que nem as experiências internacionais nem a teoria econômica, mesmo a mais ortodoxa, suportam essa tese”, diz.“Especialmente na crise e particularmente no Brasil, o Estado tem papel preponderante em investimentos em infraestrutura, por meio dos bancos públicos”, ressalta.

“A demanda cada vez maior da China está gerando a reprimarização da nossa economia”

Na avaliação de Lacerda, o Brasil vive hoje no pior dos mundos: sem estratégia, sem diretriz de governo e com uma gestão econômica encastelada num superministério, estrutura que considera pouco funcional. Para piorar, afirma, a pasta sob o comando de Paulo Guedes se mantém apegada a “um samba de uma nota só pessimamente colocada” — a reforma da previdência. Para o professor, a proposta, nos termos em que está, dificilmente se viabilizará politicamente.

No caso das relações exteriores, ele identifica uma ideologização das questões que envolvem os interesses comerciais do País. “Tradicionalmente, o Brasil se relaciona comercial e economicamente com grande parte do globo. No momento em que se mistura ideologia nesse meio, a tendência é de prejuízos”, salienta.

De acordo com ele, os investidores internacionais olham com restrição as ações desencontradas do governo Bolsonaro nesses primeiros meses, mas ainda veem o Brasil como um mercado de grande potencial. “Não existem hoje, no mundo, tantas oportunidades de investimento quanto as que o Brasil oferece”, afirma o professor.

Mas as indefinições de estratégias de governo e a agenda externa restrita tendem, sim, a afetar a capacidade de crescimento do País, acredita Lacerda. Ele cita áreas travadas, como a de crédito. Apesar do menor nível histórico da Selic, a taxa de juros ao tomador final continua alta, e não há sinais de ação do governo nesse sentido, observa. Os bancos públicos, que na visão do professor poderiam cobrir um pouco essa deficiência, estão inoperantes ou muito limitados. Diante da baixa atividade da economia, esse problema não fica evidente, mas pode se tornar mais claro quando a retomada dos investimentos chegar, antevê Lacerda. “O quadro é esse, de baixo crescimento, com um ambiente social muito grave, especialmente por causa do desemprego, da queda da renda e do poder de compra.” E não só dos mais pobres, mas também das classes médias. Um horizonte nada otimista. A recuperação econômica brasileira, ao que parece, será postergada.


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