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Como tributar dados
A compilação desses ativos já suscita discussões sobre impostos
tributação de dados, Como tributar dados, Capital Aberto

Lisa Worcman */ Ilustração: Julia Padula

Em edição de maio do ano passado, a revista britânica The Economist batizou de “novo petróleo” a economia de dados, diante da evidente relevância do compartilhamento de informações pessoais em relação à atividade econômica no mundo. A compilação de dados tem se tornado um ativo com crescimento exponencial e, por isso, já suscita discussões relacionadas à questão da tributação. No Brasil, os legisladores ainda estão longe de acompanhar o ritmo desse debate.

As pessoas são alertadas de que voluntariamente estão fornecendo dados pessoais em uma série de situações, muitas vezes prosaicas: oferece-se informações em troca de conexão à internet por meio de acessos compartilhados em aeroportos ou outros locais públicos, na entrada de edifícios, no processo de aquisição de certos produtos, entre outras. No entanto, são raros os casos em que se está atento ao que se compartilha. Outras situações ocultas — mas não menos relevantes — ocorrem com a expansão da internet das coisas, tecnologia que permite que os equipamentos de uso pessoal transmitam dados dos usuários constantemente, mesmo sem que eles tenham conhecimento disso. E mesmo quando as pessoas compartilham dados de maneira consensual, podem não ter clareza sobre como serão efetivamente utilizados.

No Brasil, o Marco Civil da Internet assegura o não fornecimento a terceiros de dados pessoais, “salvo mediante consentimento livre, expresso e informado”. Ocorre que a utilização dos dados de fornecimento consentido trouxe à tona uma nova discussão, sobre o tratamento desses dados. A Europa está um passo adiante nesse sentido, com a implementação do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Por aqui, a discussão se concentra na recém sancionada Lei 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essa nova legislação é, sem dúvida, um avanço importante e inaugura no Brasil o regramento das operações de coleta, produção, armazenamento, utilização, transferência e eliminação de informações de indivíduos.

 

Objetos de tributação

Considerando a movimentação dos reguladores, fica claro que dados hoje compõem uma classe de ativos — e, como tal, o que a eles se relaciona poderia ser objeto de tributação. Com foco na nova economia digital e no ativo comercial, o projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trata do conceito de residência fiscal para fins de tributação da renda. Recente relatório da OCDE esclarece que, mesmo sem ainda existir um consenso sobre a questão, alguns países entendem que a interação digital entre usuários e empresas digitais deve ser tributada pelo imposto de renda, apesar de reconhecerem que por não envolverem compensação financeira (i.e. pagamento), atualmente essas operações raramente são tributadas1.

Assim, globalmente o debate já foi iniciado no âmbito do imposto de renda e está à margem de uma definição de critérios para tributação de operações de transferência de dados entre usuários e empresas para impostos indiretos. A União Europeia propõe a criação de imposto sobre valor agregado (IVA) temporário para tributação de atividades que atualmente não estão sujeitas a recolhimento, como as receitas decorrentes da venda de dados de usuários2. Não há, até o momento, a previsão de tributação no compartilhamento dos dados pelos próprios usuários.

 

Moeda de troca

O Brasil tem um mercado digital em constante expansão, totalizando 42,1 milhões de lares conectados no ano passado, o correspondente a 61% das residências2. Com mais da metade dos lares conectados, portanto, o País é majoritariamente exposto à coleta de dados. E, como se tem visto, informações captadas transformam-se em ativo comercial. Quando se usa um ativo comercial para aquisição de um bem ou um serviço, configura-se claramente uma operação mercantil onerosa. Ou seja, as pessoas efetivamente estão utilizando seus próprios dados como moeda de troca.

Não existe na legislação brasileira qualquer previsão de tributação das operações de compartilhamento de dados por usuários e nem do recebimento desses dados pelas empresas. Ao aceitar compartilhar informações para ter acesso a determinados serviços ou softwares, o usuário nada mais está fazendo do que pagar por ele por meio de uma dação (de dados) em pagamento3. A prestação recebida poderá ser tanto um bem quanto uma prestação de serviço.

Ainda não há regras que determinem se as empresas receptoras desses dados sujeitarão as operações a uma tributação.

Com relação aos usuários: a entrega de dados pessoais poderia eventualmente vir a ser caracterizada como ativo digital ou mesmo um serviço. Mas, por enquanto, os dados compartilhados não são considerados ativos digitais no contexto legislativo, visto que o Convênio 106 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) só considera mercadoria digital aquela padronizada4. No entanto, o fornecimento de dados está previsto na Lei Complementar 116/035. Nesse sentido, dados compartilhados por usuários poderiam estar sujeitos ao recolhimento de ISS.

Como escolher a métrica?

A dificuldade de se tributar essas operações esbarra na escolha da métrica a ser adotada na determinação do valor das operações entre empresas e usuários finais que compartilham dados. Possibilidades seriam estimar o valor dessas informações para a empresa (seu efetivo valor agregado) ou calcular quanto poderia ser cobrado pelo serviço ou software disponibilizado caso os dados não fossem compartilhados pelos usuários.

A discussão sobre a tributação ou não dessas operações, apesar de incipiente, já foi iniciada no exterior, com opiniões divergentes. Já no Brasil, diante de tantas questões carentes de solução, para que a legislação tributária, engessada em regras constitucionais detalhadas, se adapte à nova era digital, a tributação (ou não) de operações de o compartilhamento de dados parece ainda estar muito longe do radar — pelo menos dos legisladores.

 

 


*Lisa Worcman ([email protected]) é consultora na área de direito tributário e novas tecnologias

1pg. 59, item 159.

2TIC Domicílios 2017. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). 

3Código Civil, art. 356: “O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida”.

4As operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados observarão as disposições contidas neste convênio.

517.01, lista de serviços. “Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não contida em outros itens desta lista; análise, exame, pesquisa, coleta, compilação e fornecimento de dados e informações de qualquer natureza, inclusive cadastro e similares.”


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