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A expansão do mercado de distressed assets
Entenda a história, o desenvolvimento e o papel social dessa indústria
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Imagem: freepik

Se a década passada foi marcada por um período de forte expansão do mercado de ativos distressed no Brasil, com destaque para os chamados NPLs (non-perfoming loans, ou créditos inadimplidos), a atual já aponta para consolidação e crescimento ainda maior — consequências não apenas da demanda dos investidores por essa classe de ativos, mas também da combinação única entre o ambiente macroeconômico brasileiro dos últimos anos e a pandemia. 


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Segundo o Banco Central, o volume de NPLs em 2020 no País para créditos inadimplidos entre 90 e 180 dias atingiu a marca de 84,4 bilhões de reais, dos quais 62,7 bilhões de reais para o mercado consumidor e 21,7 bilhões de reais para o corporativo. Parte desses empréstimos voltará a ser paga em dia e outra será renegociada pelos próprios bancos. Mas uma parcela será vendida a investidores profissionais que alocam capital, expertise e capacidade operacional para recuperá-los. Essa fatia é composta pelos chamados distressed assets. Nos últimos anos, esses investimentos alcançaram rentabilidade, em muitos casos, em torno de 20%, o que certamente contribui para atrair novos recursos e participantes.   

Um mercado efetivo de distressed assets funciona como um amortecedor do sistema financeiro e da economia durante as crises. Ao comprar ativos problemáticos, o investidor distressed fornece liquidez ao sistema num momento de grande incerteza e trabalha incansavelmente na renegociação das dívidas atrasadas, facilitando a reabilitação de pessoas físicas e a recuperação de empresas endividadas. 

Para entender como esse mercado evolui e se torna cada vez mais relevante, é importante relembrar sua história e sua profissionalização, muitas vezes entrelaçada às grandes crises econômicas globais. 

Crise Savings & Loans 

A origem do mercado distressed remete à crise que se tornou conhecida como Savings & Loans (S&L), nos anos 1980 e 1990, nos Estados Unidos. Na ocasião, um terço das cerca de 3 mil associações de S&L do país quebrou. Essas entidades  semelhantes às associações de mutuários no Brasil  recebiam investimentos das pessoas das comunidades, e que eram usados principalmente para financiar a compra de imóveis hipotecados.  

Na época ainda era corrente no país uma gíria que se tornou famosa a partir dos anos 1950: a “regra 363”, segundo a qual os bancos supostamente pagavam 3% aos depositantes, emprestavam com juros de 6% e, dada a facilidade e altos ganhos da transação, os gerentes saiam às 3 da tarde para jogar golfe. O cenário começou a mudar drasticamente quando o Federal Reserve (banco central americano), no fim dos anos 1970, aumentou a taxa de desconto dos bancos de 9,5% para 12%, num esforço para conter a inflação.  

Paralelamente, as S&Ls emitiam empréstimos de longo prazo com taxas fixas de juros, mais baixas que aquelas que poderiam tomar emprestado. Resultado: insolvência. Apenas entre 1986 e 1989, a Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC) fechou ou interveio em 296 instituições, quando a recém-criada Resolution Trust Corporation (RTC) passou a assumir essas responsabilidades. 

A RTC criou então uma estrutura para vender e gerir esses ativos problemáticos para investidores privados, com capacidade operacional para fazer a cobrança. Criou-se, assim, uma classe de investimentos para quem tinha apetite por risco e visão de longo prazo. 

Grandes crises globais 

Desde então, o que passou a ser notado é que os investidores em distressed assets voltavam ao mercado nos momentos de crise, com grandes volumes de inadimplência ofertados. Foi assim com o chamado “efeito tequila, a crise mexicana de 1994, causada pela escassez de reservas e desvalorização do peso; na crise econômica da Rússia, em 1998, com a desvalorização do rublo e a moratória; na crise da desvalorização do real, no início de 1999, que marcou a transição das bandas cambiais para o câmbio flutuante; e com bolha da internet, que explodiu no início de 2000 e levou ao desaparecimento de muitas das chamadas empresas “pontocom”  após a grande queda das ações na Nasdaq. 

movimento seguinte viria em 2008, com a crise global que teve origem no grande volume de empréstimos concedidos nos Estados Unidos para muitas pessoas que não tinham como pagar, mas que podiam oferecer a própria casa como garantia. Era o chamado mercado de créditos subprime, no qual o volume de financiamentos era imenso. Muitos bancos, na ocasião, passaram a misturar dívidas de alto e baixo riscos, o que resultou na criação das CDOs (obrigações de dívidas com garantia).   

O mercado europeu foi um dos principais compradores, levado pelas análises positivas de algumas das principais agências de classificação de risco. Quando muitos passaram a não pagar suas dívidas com bancos ou fundos de investimento de todo o mundo, houve imediatamente um efeito dominó no mercado, acentuado a partir da falência do Lehman Brothers, um dos bancos de investimentos mais tradicionais dos Estados Unidos. Bolsas despencaram globalmente e outros bancos anunciaram a perda de bilhões de dólares. Na Europa, vieram na sequência as crises econômicas de países como Grécia, Chipre, Irlanda, Itália e Espanha, quando praticamente todo o continente passou a viver sob forte recessão. 

Ao mesmo tempo em que as crises econômicas globais aumentaram o volume de inadimplência nos mercados, também cresceu o número de investidores preparados para comprar esses ativos, levando a sua expertise para os locais mais afetados.  

Distressed assets no Brasil 

O Brasil passou por várias crises nas últimas décadas, mas nem por isso, pelo menos até 2005, o País tinha um mercado de distressed assets relevante. A primeira grande oportunidade para a criação de um mercado brasileiro no segmento surgiu em meados da década de 1990. Grandes bancos passaram a enfrentar sérios problemas financeiros. O caso mais rumoroso da época foi o do Banco Nacional, cuja origem teve início com um rombo equivalente a cerca de 600 milhões de dólares em suas contas. Para encobrir o prejuízo, os administradores do banco acabaram forjando empréstimos fictícios para equilibrar o balanço.  

Para socorrer os bancos, o governo criou, em novembro de 1995, o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, o Proer, com recursos de 20 bilhões de reais. Foi, na ocasião, um movimento semelhante ao modelo americano dos anos 1980 quando da criação da Resolution Trust Corporation. Ou seja, o que poderia ter sido o nascimento de um amplo mercado de NPLs no Brasil acabou limitado à esfera estatal.  

O cenário começa a mudar em 2005, quando investidores internacionais liderados pela Goldman Sachs começaram a olhar para o Brasil com maior interesse. Foi o caso do Lehman Brothers, que comprou uma carteira de créditos vencidos do ABN, que tinham origem em bancos como o Real, o América do Sul, o Sudameris, o Bandepe e vários outros menores. Por conta da crise de 2008 e do câmbio, os investidores internacionais acabaram saindo do País ou reduziram muito seus investimentos. E foi justamente nessa segunda metade da década de 2000 que começaram a aparecer as primeiras empresas brasileiras na área.  

mercado de NPL ganha corpo 

A partir de 2010, o mercado brasileiro começa a ganhar investidores locais mais capitalizados, focados principalmente nos créditos de consumo. São operações com pessoas físicas, como dívidas de cartões de crédito, leasing de veículos, cheque especial, cartões white label de grandes varejistas, entre outros, com ou sem garantia, em grandes volumes, cujas cobranças eram feitas via call center e mala direta.  

O período de 2010 a 2015 pode ser chamado de segunda fase desse mercado, uma vez que já oferecia excelentes retornos, mas com transações relativamente pequenas. Grandes vendedores não estavam ambientados com as operações e os bancos privados ainda não ofertavam suas carteiras de créditos inadimplidos.   

Também no começo da década começa a emergir o mercado de créditos corporativos, que passa a ganhar musculatura com o passar dos anos até a virada de 2015, no início de uma nova fase marcada pela crise política e econômica no Brasil, que duraria aproximadamente dois anos. Foi o período do auge da Operação Lava Jato, com a desestabilização, por problemas de corrupção, de importantes setores da economia, como energia (com a Petrobras no centro da crise) e construção civil.  

Ao mesmo tempo, o mercado de créditos de consumo passava por dificuldades com o aumento da inadimplência. Foi quando ocorreram algumas aquisições muito representativas, com grandes bancos — como Itaú, Bradesco e Santander  comprando algumas empresas da área. O ano de 2015 também marcou a entrada da Caixa Econômica Federal no mercado de dívidas de pessoas físicas, mas um ano depois o Tribunal de Contas da União suspendeu as operações por entender que o repasse ao mercado, em torno de 24 bilhões de reais em créditos inadimplidos, causava prejuízo ao erário. 

Entre 2015 e 2018, principalmente, o mercado corporativo passa então a realizar negócios de grandes volumes, com médias e grandes empresas, contando com a participação de grandes bancos que já enxergavam a venda desses ativos como solução para carteiras de inadimplência. Ainda na esteira da crise econômica, foi um período de grande amadurecimento, principalmente no segmento corporativo. Os bons retornos dos anos anteriores atraíram novos investidores e o mercado passou a ter foco na captação de recursos de terceiros por gestores profissionais especializados nessa categoria de ativos. 

Papel social dos distressed assets 

Em razão da melhora do ambiente econômico a partir de 2018, os investimentos na área vão além de NPLs, legal claims (ativos relacionados a disputas judiciais) e precatórios, e passam a ser também direcionados para ativos imobiliários, como terrenos, obras inacabadas e grandes estoques de incorporadoras em dificuldades. Empresas de porte desse setor, no período, foram salvas graças a quem estava disposto a investir diretamente nas dívidas das companhias, numa aposta clara em sua recuperação. O mesmo processo bem-sucedido ocorreu também com empresas de outras áreas. 

O grande movimento global seguinte, o atual, veio no fim da década, com a pandemia. Os estrangeiros, que chegaram a aumentar o interesse entre 2018 e o começo de 2020, deslocaram seus investimentos em busca de boas oportunidades em outras partes do mundo, como Estados Unidos e Europa. O mercado brasileiro, então, se voltou novamente para os investidores locais, que acabaram tendo um papel social fundamental na recuperação de pessoas físicas e jurídicas, provendo liquidez mesmo com um alto grau de incertezas causado pela crise.  

Em valor de face, estima-se que a inadimplência nos bancos brasileiros nos últimos 20 anos seja superior a 1 trilhão de reais. Com empresas profissionais, gestão eficiente e boa rentabilidade, é possível acreditar que esta década será marcada por volumes crescentes de créditos inadimplidos ofertados ao mercado, no varejo e no segmento corporativo. 

Só não é possível prever quando será a próxima crise, mesmo porque a atual nem acabou. Mas as oportunidades do mercado para antigos e novos investidores em distressed assets são perenes e as suas responsabilidades como provedores de liquidez na próxima crise serão ainda maiores. 


Guilherme Ferreira ([email protected]) é sócio e managing partner da Jive Investments 

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