A educação deficiente costuma ser apontada como causa da (alegada) indisciplina social dos brasileiros, agora acentuada pela pandemia, quando muitos não usam máscaras nem observam o distanciamento. Pode ser, mas não foi o que vimos no (imprevidente) apagão de 2001, quando a população atendeu a orientação para economizar energia. Parafraseando Machado, mudou a gerência ou mudamos nós?
O problema educacional tende a aumentar com a disseminação do ensino a distância, que ganhou um aliado inesperado na chegada do vírus. O EAD funciona no ensino técnico (são antigos os cursos por correspondência) ou com adultos. No entanto, para as crianças, a socialização começava na família e seguia na escola, formando um tripé com as ruas como espaços de lazer, há muito inviabilizados pelo trânsito e pela insegurança.
O tripé se desfez, mas a educação não carrega o fardo sozinha. Tempos atrás, uma editora anunciou coleção de filmes clássicos e um deles, especialmente, me interessava. A encomenda chegou desfalcada exatamente daquele filme. Reclamei, ouvi desculpas e a promessa de que enviariam um brinde surpresa, a título de compensação. Dias depois, recebi dois filmes pornô.
As atendentes virtuais, sempre muito faceiras, não adoecem, não recebem salários e também não entendem o que falamos. As atendentes humanas e os vendedores de lojas físicas dependem das confirmações do sistema, ao qual se referem como “ele”. Já desisti de falar ou larguei mercadoria para trás, porque “ele” é vagaroso como um jabuti.
Alimentos e remédios têm prazo de validade, mas os eletrodomésticos e automóveis não têm prazo de duração. Acho que deviam ter, para estimular a concorrência.
O telefone toca sem pudor, em sucessão insistente, usando truques primários para vender algo. A oferta é agressiva. No início, essa violação da privacidade não fazia sentido, infernizando a vida dos consumidores. Não demorei para saber que o Brasil é recordista mundial nessa modalidade.
Nos transportes públicos, as pessoas se deslocam em condições piores do que as cargas bem acondicionadas. Paga-se caro pela energia elétrica, pela internet, pela telefonia, nos pedágios, estacionamentos dos shoppings e nos serviços de concessionárias, mas o PIB (pré–pandemia) não saiu do lugar.
A prestação de (bons) serviços, públicos ou privados, contribui para a disciplina coletiva. O setor privado exige reformas no setor público. Que tal uma faxina nos próprios negócios?
Segundo Shoshana Zuboff, da Universidade Harvard, o modelo neoliberal de Friedman e Hayek corrói o tecido social e afasta o capitalismo da sociedade. Segundo John Elkington, criador do conceito ESG, Friedman foi mal interpretado1. Nas duas hipóteses, o resultado é o mesmo: muito fermento e pouco trigo.
A população alemã é disciplinada, mas, no pós-guerra, o país foi dividido, como se sabe, em zonas (americana, inglesa, francesa e russa). Na verdade, aconteceram duas divisões: a do país (RFA e RDA) e a de Berlim (o Muro). Na escassez generalizada, enfrentando invernos rigorosos sem eletricidade nem carvão, os alemães trocavam insultos e empurrões nas filas, falsificavam documentos, burlavam as leis e aplicavam golpes.
É contraditório esperar comportamentos adequados de pessoas tratadas com descaso ou como meras unidades geradoras de receitas. O modelo é mal-educado. Reformar é preciso.
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira é advogado
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