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D. João II deslanchou as navegações portuguesas enfrentando a nobreza, que preferia permanecer na zona de conforto, deixando as coisas como estavam. Ele abriu caminho para as grandes descobertas, entre elas o Brasil, onde há muitos espaços a ocupar (não necessariamente na Amazônia ou no Pantanal).
Tempos depois, Portugal controlava o comércio das especiarias orientais e monopolizava a produção de açúcar, o ouro branco da época. Não gerou muitos empregos porque a nova potência, infelizmente, praticava a escravidão nas suas colônias.
No início do ano, levantamento da consultoria Deloitte indicava que a maior parte das ações estratégicas das companhias brasileiras em 2020 estava direcionada à aquisição de outras companhias (41%), aquisição de produtos e marcas (38%), licitações e privatizações (31%) e concessões (18%).
Não pretendiam, portanto, em grande parte, ocupar espaços, mas adquirir o que já existe. Ao contrário, as fintechs e as cervejarias (atualmente existem mais de 400 no Brasil) abriram espaços em setores que pareciam completamente ocupados.
Nos anos 60–70, a concentração bancária foi estimulada, movimento que ganhou fôlego renovado nos anos 90, quando também chegou a onda das fusões e aquisições, no que passou a ser chamado de consolidação. São transações milionárias, que podem gerar lucros, benefícios fiscais e bônus elevados (830 em 2017, 967 em 2018 e 1.231 em 2019), alimentando a fábrica de desemprego aqui instalada.
Em 2018, o então presidente da Infraero falava no plano de “reduções sistêmicas de pessoal”. Com 14 mil empregados, deveria reduzir a 4 mil, para ir ao mercado ou ser privatizada. Da mesma forma, quando uma empresa adquire a concorrente, ocorrem demissões em massa. Assim, a máquina de triturar empregos é ligada nas duas pontas: da venda (antes) e da compra (depois).
A manipulação pela palavra é antiga. Na esquisita terminologia que assola o País, o vendedor de mate nas praias, de corujas nas rodovias ou de bandeiras nos estádios seria um empreendedor. Sem demérito ao trabalho dessas pessoas, que é duro e pouco compensador, elas não são empreendedoras: são ambulantes sobrevivendo.
Empreendedores foram, por exemplo, Leon e Max Feffer, José Alencar, Samuel Klein e Nevaldo Rocha que, do nada, criaram grandes companhias. No setor público, Vargas e Juscelino. Quantos empregos (e cidadãos) surgiram por conta dessa meia-dúzia de empresários e governantes?
Muitos trabalhadores foram colocados na informalidade pelas consolidações. Chamá-los de empreendedores é apenas uma esperteza retórica. A informalidade cresceu 4% em 2019, chegando a 41,5% (31 milhões de pessoas) da força de trabalho. Além disso, segundo estudo da consultoria IDados, quase a metade dos empregos no País é de baixa qualidade — considerando salário, rotatividade, seguridade, jornada.
A economia não cresce sem consumidores com trabalho formal e renda estável (que é tributada, contribui para a previdência e permite planejar a longo prazo). A reforma trabalhista de 2017 prometia milhões de empregos, mas isso não se concretizou. Por outro lado, os lucros provenientes do desemprego destroem politicamente as sociedades.
Se o momento não é propício a grandes navegações, não seria exagero pensar que a retomada vai trazer oportunidades. Aproveitá-las requer atitude, como a de D. João II no século 15. Sem escravidão, claro.
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira é advogado.
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