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Profissionais liberais sobreviverão aos robôs?
Extinção provocada pela tecnologia não deve atingir os sempre necessários “cérebros pensantes”
Eliseu Martins em ilustração

Eliseu Martins*/ Ilustração: Julia Padula

São incontáveis os conteúdos, escritos e falados, que tratam de profissões em extinção; às vezes solenes e, não raro, jocosos. Os diagnósticos do Watson já estariam substituindo muitos médicos. As petições judiciais feitas por robôs seriam mais eficazes e precisas do que as que saem das mãos de advogados — aliás, diz-se que nos Estados Unidos os jovens advogados já estariam quase sem emprego. Os contadores simplesmente cederiam o lugar, em menos de cinco anos, a aplicativos calculadores de tributos (com muito menos erros) e a programas elaboradores das demonstrações; a lembrança da função ficaria apenas em alguns trechos das notas explicativas. Isso sem falar em outras profissões, como as de taxista e motorista de ônibus e caminhões, entre muitas outras.

Quanto dessas previsões vai se concretizar só saberemos depois, mas talvez essa confirmação nem demore tanto assim.

É bom lembrar, no entanto, que muitos dos vaticínios desse tipo já se mostraram totalmente furados. No tempo de Luca Pacioli e Leonardo da Vinci (muito amigos, por sinal — um do outro, não de mim…), lá pelo ano 1500, já se falava que, com a invenção da imprensa (ocorrida 50 anos antes), o primeiro (Pacioli) logo perderia uma de suas funções — estaria em extinção, com o livro impresso, a figura do professor (haja resiliência!). Quando se inventou a instrução programada, a mesma coisa; agora, com o ensino a distância, idem ibidem. Talvez um dia essa profecia se torne realidade, mas por enquanto os esforços destrutivos não têm tido assim tanto sucesso e cá estamos nós, professores.

Diverti-me no ano de 2017 quando, em 16 de julho, o Financial Times publicou que o CEO da Daimler (Mercedes) Benz previa que todas as montadoras desapareceriam: só sobrariam, dizia ele, a Tesla, o Google, a Apple e a Amazon no mundo automobilístico. Mas, em 11 de outubro daquele ano, texto da Folha de S.Paulo dava conta de que o presidente do banco Mercedes Benz previa recorde de financiamentos de veículos da multinacional. E pensar que em 2018 a coitada da Tesla demitiu pessoas e sofreu com perda de valor de mercado…

Voltemos ao caso dos profissionais liberais. Nunca me esqueço de que, nos idos dos anos 1970, em visita ao escritório Pinheiro Neto, me espantei com o número de advogados trabalhando — muitos dedicados à pesquisa em diários oficiais do País todo atrás de decisões, de jurisprudência e das próprias legislações. Quantos se encarregam hoje desse tipo de tarefa quase mecânica? Por outro lado, quantos estavam na “cabeça” do escritório naquela época, e quantos estão agora?

Uma característica visível da jornada das profissões liberais é exatamente essa: a inversão da pirâmide. A base era larga, e o cume estreito. Hoje, em muitas delas a base vai se apequenando, com todas as tarefas transferidas para a inteligência artificial. Ao mesmo tempo, o topo vai se alargando com a necessidade de mais e mais cérebros pensantes, que representam genuínas análises inteligentes, criação de teses. É um conhecimento especializado, mas que também abarca cada vez mais áreas.

Na mesma Folha, em sua edição de 4 de fevereiro de 2019, uma entrevista interessante reproduzia essa dinâmica: os contadores estariam sendo substituídos pela inteligência artificial na burocrática tarefa de efetuar todas as classificações e escriturações fiscais e contábeis; por outro lado, ganhariam relevância os profissionais de alto nível como consultores da alta gestão. Aliás, a situação retoma um cenário a que se renunciou quando nós, contadores, nos vendemos ao serviço puramente fiscal. Alguém se lembra do Antonio Ermírio de Moraes comentando “que saudade de meus antigos contadores”? Só não vou dizer por que ele mencionava isso.

Quem sou eu para entrar nessa história (apesar de que Eliseu era um profeta) de pretender decifrar os mistérios das bolas de cristal. Mas estou convicto de que as profissões liberais não estão em extinção, e sim em revolução, e de que sobrará cada vez uma quantidade maior desses profissionais — no topo, no cume, na parte exclusivamente cerebral (e comportamental). Desaparecerão aqueles que, no fundo, não são liberais, mas sim peças autômatas das engrenagens da vida.

Ou não?


*Eliseu Martins ([email protected]) é professor emérito da FEA-USP e da FEA/RP-USP, consultor e parecerista na área contábil


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