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Poderes independentes prescindem de Poder Moderador
Recriar essa figura, incompatível com a República, para legitimar intervenção militar significaria atentado à Constituição
Nelson Eizirik
Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio ‎| Ilustração: Julia Padula

Os atos recentes do presidente da República, dirigidos contra a Constituição e o Supremo Tribunal Federal (STF), dominam as discussões, impossível ignorá-los. Vivemos sob uma espécie de golpe permanente, numa situação em que um presidente eleito democraticamente atenta contra o sistema mediante o qual se elegeu. Em nome da “liberdade” incentiva seus apoiadores (em número cada vez menor) a solapar os princípios constitucionais, dizendo jogar, em tosca imagem futebolística, “dentro das quatro linhas da Constituição”. 

Uma atitude manifestamente contrária à Constituição é a ameaça de empregar as Forças Armadas como “Poder Moderador”, em caso de disputa entre os poderes da República. A prevalecer tal equivocado entendimento, caso ocorresse um conflito entre o STF e o presidente, este poderia chamar as Forças para resolver a questão, com base no artigo 142 da Constituição, que assim dispõe: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. 

Ora, o Poder Moderador, na Constituição de 1824, era atribuído ao imperador, como poder pessoal de chamar quem desejasse para organizar ministérios, ignorando o sistema representativo. Já na época, na ácida crítica de Frei Caneca, constituía a chave-mestra da opressão da nação brasileira. Abolido o Império, enterrou-se a esdrúxula figura, incompatível com um sistema republicano baseado na separação dos três poderes. 

No sistema jurídico vigente não há qualquer hipótese de se recriar o Poder Moderador, atribuindo-o às Forças Armadas, para legitimar uma intervenção militar, o que significaria evidente atentado à Constituição. 



Defesa do Estado 

O artigo 142 não delega às Forças Armadas esse poder moderador. Está contido no Título V da Constituição, que trata justamente “da defesa do Estado e das instituições democráticas”. Assim, incumbe às Forças a defesa do regime democrático, incompatível, por definição, com qualquer forma de intervenção autoritária. 

Compete ao Supremo, precipuamente, não a qualquer outro poder, a guarda da Constituição (art. 102 da Constituição). E o STF, por meio de seu presidente, em ação movida pelo PDT no ano passado, concedeu liminar declarando que as Forças Armadas não exercem poder moderador em eventual conflito entre Executivo, Legislativo e Judiciário. 

A chefia das Forças, competência do presidente da República, constitui um poder limitado, não podendo ele intervir no Legislativo ou Judiciário, o que configuraria crime de responsabilidade, a justificar seu impeachment. 

Numa federação, nenhum poder prevalece sobre os demais, sob pena de se infringir a Constituição, pois entre eles não existe relação de hierarquia. Os três poderes são independentes e harmônicos entre si (artigo 2 da Constituição). Na interpretação da Constituição, a última palavra será sempre do Supremo. O Poder Moderador foi sepultado com a proclamação da República, não fazendo qualquer sentido incitar sua ressurreição para aumentar ainda mais nossa instabilidade institucional.  


Nelson Eizirik é advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e professor da FGV Direito Rio

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