Em novembro de 2020, em importante precedente para o mercado de capitais, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deferiu recurso da decisão da área técnica, revertendo o entendimento de que os acionistas fundadores da Linx estariam impedidos de votar na deliberação assemblear relativa à proposta de incorporação de ações formulada pela Stone, em razão dos valores a que fariam jus por efeito dos contratos de não concorrência (e de prestação de serviços, no caso de um deles) que haviam se comprometido a firmar com a adquirente.
A despeito de sua repercussão, o desfecho do caso não chegou a ser surpreendente, uma vez que coerente com a atuação mais recente da autarquia sobre o tema. No entanto, a decisão revela que o conflito de interesses constitui tema ainda controverso, suscitando opiniões jurídicas diversas no colegiado da autarquia, de modo que ainda não se tem segurança sobre os casos em que se configura.
Benefício particular, precedente da Oi S.A.
Quanto ao benefício particular, as perspectivas de estabilização da jurisprudência da CVM mostram-se mais animadoras. Mantendo a orientação firmada no último precedente sobre a matéria (caso da capitalização da Oi S.A., de 2014), o colegiado, por ampla maioria, reiterou que só constitui benefício particular a vantagem obtida na qualidade de sócio por efeito direto da deliberação social — que, a despeito de ser lícita, rompe a igualdade com os demais acionistas da companhia.
Desse modo, não configura aludido benefício a vantagem indireta ou aquela obtida por razões alheias à condição de sócio — como, no caso julgado, a remuneração devida em contrapartida às restrições contratualmente estabelecidas ao exercício de sua atividade profissional.
Conflito de interesses
Com relação ao conflito de interesses, cumpre observar que a área técnica sequer entendeu que tal hipótese de impedimento de voto estivesse presente no caso e, na mesma direção, o colegiado, por maioria, confirmou inexistir conflito. Em termos práticos, essa conclusão mostra-se consistente com a atuação da autarquia, que tende a restringir o conflito de interesses aos casos em que o acionista se encontra no lado contraposto do negócio bilateral apreciado em assembleia ou figura como beneficiário direto do ato unilateral a ser deliberado — como, por exemplo, a renúncia a determinado direito que detenha contra o acionista.
No entanto, a leitura dos votos proferidos no colegiado mostra que, a despeito de o resultado da decisão representar a continuidade do estado atual da supervisão das companhias abertas, houve três posições divergentes sobre os contornos jurídicos do conflito de interesses, a revelar as incertezas que ainda cercam o tema dentro da autarquia. O assunto, assim, permanece em aberto e o mercado deverá aguardar a nova composição do colegiado em 2021 e o surgimento de um novo caso para ter maior previsibilidade sobre a posição do regulador.
Pablo Renteria ([email protected]) é sócio-fundador do Renteria Advogados e professor de direito civil da PUC-Rio. Foi diretor e superintendente da CVM.
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