As perguntas são comuns entre os iniciantes que querem empreender, começando do zero, no mercado de capitais. O que é preciso para montar uma empresa de gestão de recursos? Quais são os pilares básicos que norteiam o sucesso e o fracasso de uma firma de asset management? O objetivo deste artigo não é abordar a parte regulatória — a ser cumprida mandatoriamente na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Associação das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) para que o negócio possa nascer. A ideia é o texto se concentrar na discussão sobre o negócio em si, detalhando cinco pontos essenciais.
Primeiro pilar — identidade
Trata-se da escolha de como o empreendedor deseja “se vender” ao mercado. Quer ser uma asset especializada em um tipo de estratégia ou uma gestora multiproduto? Não há alternativa melhor ou pior, vale destacar, apenas vantagens e desvantagens espelhadas entre ambas. É bem mais fácil o processo de venda como especialista. Chegar à frente de um potencial investidor mostrando que a gestora “conta com uma equipe concentrada em um só mercado” (ações, por exemplo) facilita bastante o convencimento. Já uma gestora multiproduto convive sempre com a indagação sobre como o time consegue acompanhar todos os mercados — “qual o foco?” é uma questão recorrente. Olhando pelo outro lado da moeda, se o único fundo de ações do especialista apresentar uma performance ruim, a gestora não terá o que oferecer para o cliente, diferentemente da gestora de multiprodutos, que sempre disponibilizará uma alternativa de investimento.
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Segundo pilar – equipe
Equipe, equipe e equipe: é primordial a formação de um grupo de gestão e pesquisa adequados para o(s) produto(s). Uma asset multiproduto normalmente precisa contar com um time mais numeroso, pela cobertura de uma maior quantidade de mercados. O coração de qualquer gestora está no time de analistas — macroeconomia, ações, crédito e derivativos. Desse conjunto normalmente saem as grandes ideias a serem implementadas pelos gestores de recursos. Em estreita sinergia com a área de análise, esses profissionais irão escolher os ativos a serem alocados em cada portfólio, usualmente a partir de um sistema de comitês de investimentos (importantes veículos para que todos contribuam nas decisões).
O gestor de recursos exerce também a função de comunicação com o cotista em épocas de bonança ou de vacas magras de retorno. O que destrói a reputação de uma gestora não é a má performance, e sim a comunicação enganosa com o investidor. É fundamental, além de descrever os acertos, a gestora reconhecer os eventuais erros e se posicionar sobre o futuro de forma absolutamente transparente. Uma competente e qualificada equipe de vendas é também fundamental nesse processo, assim como os segmentos de risco e compliance — essenciais para oferecer segurança, representando os olhos de investidor dentro da gestora.
O sistema de remuneração típico de uma gestora está convergindo cada vez mais para uma combinação entre salário mensal pequeno (pró-labore) e a maior parte da remuneração no sistema variável, seja em bônus (uma fração dos resultados) ou em dividendos (para quem é sócio da empresa). Dois pontos são fundamentais no negócio. O primeiro é custo fixo baixo, que permite uma forte alavancagem de resultados quando o patrimônio sob gestão cresce; e, em segundo, a taxa de performance que, se positiva, consiste em grande diferencial e tende a impulsionar os lucros. Cabe ressaltar que as assets de bancos grandes ainda mantêm um maior equilíbrio entre remuneração fixa e variável (normalmente sem participação acionária).
Terceiro pilar – marca
A marca deve diferenciar a asset dos cerca de 800 gestores existentes no Brasil. O bom desempenho do portfólio (dentro de uma relação retorno/risco) aparece como um atributo mais lógico para a construção da reputação, mas não é tudo. Não é incomum um fundo de pior performance relativa captar mais recursos do que outro produto de igual classe. Por quê? Pela imagem que a gestora consegue transmitir dentro da lógica de que — na profissão e na vida — “tão importante quanto ser bom é parecer bom, nem que seja potencialmente”. Trata-se do chamado marketing de conteúdo. Palestras, artigos, reuniões com clientes, produção de material institucional de boa qualidade, comunicação eficiente via redes sociais, tudo isso faz parte do “show” da gestora e pode ajudar muito na captação de recursos.
Quarto pilar – distribuição
De nada adianta alguém ser o melhor gestor do mundo se não tiver cotistas em seu fundo. Há diversos segmentos a serem abordados, de acordo com as suas especificidades: pessoas físicas (desde o varejo até o private banking), distribuidores de fundos, family offices, fundos de pensão, seguradoras, RPPSs (regimes próprios de previdência de estados e municípios), empresas, investidores estrangeiros, entre outros nichos. Excluindo-se as empresas de asset management dos grandes bancos de varejo, dificilmente uma gestora conseguirá cobrir todos os tipos de potenciais clientes. É preciso, portanto, escolher as batalhas, até porque para cada público-alvo a abordagem
será diferente. Os assuntos tratados em uma apresentação de cenários e carteiras normalmente são muito técnicos e cabe ao apresentador (seja o officer da conta, o gestor ou o analista) adaptar a linguagem conforme o público que deseja atingir. Hoje, o vendedor de uma área de distribuição de gestora tem que conhecer bem o produto e as devidas explicações para o comportamento dos ativos. Já foi o tempo em que esse tipo de profissional apenas se relacionava comercialmente de forma rasa com o investidor. Vendido o fundo, uma competente área de backoffice irá liquidar as posições e prover a cota diária.
Quinto pilar — filosofia de investimento
É igualmente essencial a adoção de uma filosofia de investimento clara, dentro do mandato estabelecido para cada produto. Não se pode, no entanto, confundir filosofia com estratégia. Detalhando, várias casas de ações adotam a filosofia baseada na análise fundamentalista. A estratégia pode ser, por exemplo, comprar ações que tenham um upside de ao menos 10% pelo modelo de fluxo de caixa descontado ou que apresentem uma relação entre preço e lucro (P/L) abaixo de 15. A pior combinação pode ocorrer quando a filosofia não conversar com a estratégia. Imagine-se o caso de um fundo cuja filosofia seja análise quantitativa e estatística e que resolvesse, como estratégia, comprar ouro ou dólar por especulação (sem respeitar os modelos), fugindo completamente do mandato. Cabe lembrar que, em gestoras multiprodutos, há uma filosofia e estratégia para cada carteira.
A competição no mercado de gestão de recursos é muito acirrada, e quem entra nessa arena deve prestar atenção a cada detalhe. A tradição e a história também contam muito, apesar da recente proliferação de novatas que “já nascem grandes”, por conta de parcerias comerciais. A construção de um negócio sólido no médio e no longo prazo demanda persistência e, sobretudo, resiliência diante das adversidades que sempre aparecem ao longo do tempo.
Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”
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