O famoso teto de gastos, oficialmente chamado de novo regime fiscal, criado por emenda constitucional em dezembro de 2016, foi um dos mais importantes marcos na política macro/fiscal do País nas últimas décadas. A emenda foi encaminhada pelo governo Temer, com Henrique Meirelles no posto de ministro da Fazenda e o grande idealizador da regra, Mansueto Almeida, como secretário. O objetivo era conter o crescimento desenfreado dos gastos públicos, e o teto rapidamente se tornou a âncora fiscal mais importante, substituindo a meta de resultado primário que foi atingida de morte pelas pedaladas.
Uma das principais heranças positivas na gestão fiscal deixadas pelo governo FHC foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que colocou na governança anual do orçamento o estabelecimento e o acompanhamento de metas fiscais. Em particular, o superávit primário (receitas menos despesas, excetuando-se juros e amortização da dívida pública) passou a valer como métrica oficial de bom comportamento fiscal.
A meta de resultado primário teve algum sucesso no controle da dívida pública, em especial na primeira década de sua existência, beneficiada principalmente pelo crescimento da arrecadação no período — em média de 7,5% ao ano acima da inflação. A meta, contudo, perdeu credibilidade depois de 2010. Após as pedaladas e a adoção da contabilidade criativa, a regra passou a ser insuficiente para oferecer previsibilidade para as contas públicas e garantir a sustentabilidade da dívida.
Meta ambiciosa
Em meio à depressão econômica de 2016, o novo governo pós-impeachment propôs um novo arcabouço fiscal. A regra era simples: um limite de crescimento das despesas de acordo com a inflação acumulada no ano anterior. Era uma meta ambiciosa. Havia alguns defeitos técnicos nos gatilhos de contenção em caso de rompimento, mas a ideia teve um grande mérito em recuperar a discussão sobre a distribuição das despesas entre as várias rubricas no orçamento anual.
O teto de gastos foi um dos responsáveis pela melhora de algumas variáveis econômicas importantes do País. As despesas do governo central, que em termos reais cresciam entre 2000 e 2016 numa média de 8,7% ao ano, passaram a subir em média 1,8% ao ano nos três anos seguintes. Houve também ganhos estruturais para a economia brasileira. A taxa de juros de curto prazo, a conhecida Selic, que em 2015 era de 14,25% anuais, despencou, em 2019, para 6,25% ao ano. As previsões de evolução da dívida pública, que indicavam um cenário de insolvência, voltaram para patamares apenas muito elevados, na casa de 90% do PIB.
Teste da pandemia
O cumprimento da regra exige controle de despesas que aumentam muito acima da inflação, como as de previdência e os gastos com pessoal. As primeiras foram temporariamente contidas pela reforma da previdência aprovada em 2019; as segundas precisam ser endereçadas por uma reforma administrativa e pelo controle dos supersalários (acima do teto do funcionalismo). Os gastos que acabaram sendo cortados são os chamados discricionários, parcela ínfima do orçamento que o governo controla, como investimentos. Eles passaram de 2,4% do PIB em média no período de 2010 a 2016 para representar, em média 1,4% do PIB nos três anos subsequentes.
O primeiro grande teste do novo regime foi a pandemia de covid-19. Com a clara necessidade de se furar o teto para fazer frente a despesas com saúde pública, o caminho encontrado foi assaz elegante: fazer um orçamento paralelo, dito de guerra, e manter o usual com suas regras rígidas. O teto, entretanto, não sobreviveu à pressão eleitoral de 2022. Com a economia desacelerando, juros subindo e a popularidade do incumbente diminuindo, o governo decidiu antecipar uma regra de ajuste prevista para 2026 e mudar a forma de cálculo do teto, subindo o limite de despesas em 93 bilhões de reais, o equivalente a 1,9% do orçamento federal de 2022. Ferida de morte, a regra deverá ser substituída, ou profundamente alterada, no próximo governo em quase todos os cenários eleitorais.
Regras sobre despesas
Pesquisas mostram que as regras sobre despesas têm melhor “custo-benefício”. De acordo com o FMI[1], as regras fiscais devem ser simples, resilientes (permitindo certa flexibilidade) e de fácil monitoramento. Não parece haver muitas alternativas a um controle desse tipo. O novo teto deveria corrigir os problemas de controle automático das despesas, os chamados gatilhos. Especialistas dizem que nem a redação original, nem a atual dada pela PEC emergencial são claras o suficiente para entrarem em vigor quando necessário.
Será inevitável alguma flexibilidade em relação ao regime atual. Os economistas do BNDES Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco[2] propõem que o teto seja corrigido acima da inflação, começando com um acréscimo de 1% — que poderia chegar a 2% em 2031 — e com alguma margem para o crescimento dos investimentos públicos. Três consultores legislativos da Câmara dos Deputados argumentam[3] que a despesa previdenciária que deveria ser considerada no limite de gastos é o déficit da previdência e não a despesa total. Isso abriria um espaço próximo a 3% do PIB em 2035.
O teto de gastos não deve ser uma prioridade do debate eleitoral. Além da polarização política, existem outros problemas macroeconômicos mais agudos, como a inflação. Apesar disso, ele deverá ser alterado no próximo governo, principalmente por causa das pressões das despesas obrigatórias que crescem acima da inflação. A elevada dívida pública e a demanda histórica por crescimento de gastos exigem uma regra que limite seu crescimento. O caminho é uma mudança cuidadosa que melhore a redação dos gatilhos automáticos e permita algum crescimento real dos gastos, garantindo o controle do endividamento.
Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos. O colunista agradece a colaboração do João Leal, economista da Rio Bravo.
Notas
¹ How to Select Fiscal Rules: A Primer (imf.org)
² https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/18620/1/PRFol_Teto%20do%20gasto%20publico_BD.pdf
³ https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/estudo-tecnico_35_conof_cd_previdencia-e-teto-gastos-final
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