Era uma vez um investidor japonês que, em janeiro de 1990, resolveu aplicar em ações de empresas de seu país um determinado valor, com a intenção de garantir sua aposentadoria. Conversou com o gerente do banco, que logo entoou um famoso mantra do mercado financeiro: “Bolsa é investimento de longo prazo. O mercado acionário vai subir, vai cair, não se impressione com movimentos em um horizonte curto, não mexa no seu dinheiro”. Também recebeu um outro conselho, de um consultor de investimentos: “Esqueça a escolha de bons gestores. Na grande maioria dos casos, fundos passivos batem fundos ativos no longo prazo”. Confiante, o investidor decidiu colocar seus recursos em um fundo passivo indexado ao índice Nikkei, da Bolsa de Tóquio.
Durante 31 anos e nove meses — mesmo diante de crises intensas e momentos de euforia — o investidor manteve uma disciplina monástica: não tocou no investimento. Qual não foi sua surpresa ao constatar, em setembro de 2021, que havia perdido 22% do principal, sem considerar os ganhos com dividendos e as despesas com taxas de administração.
Corta para o Brasil. Do início do Plano Real (melhor começar desse ponto, para contornar as distorções da hiperinflação de 1990 a 1994) até setembro de 2021, um investidor brasileiro que tenha investido num fundo indexado ao Ibovespa alcançou um retorno médio ajustado pela inflação de 4,7% ao ano. Mas o juro real (CDI descontado o IPCA de 8,3% ao ano) no mesmo intervalo foi 80% superior, com um risco largamente menor. Os exemplos japonês e brasileiro evidenciam que ações podem ser um péssimo investimento relativo sob a ótica do longo prazo.
Ativo de qualidade
Qualquer investimento, em qualquer lugar do mundo, só será bom no longo prazo se o ativo em questão tiver qualidade, com o retorno (combinação de margem e crescimento) que compense o risco assumido (retorno exigido). Simples assim. O investidor japonês ficou investido num país que, em média, cresceu pífios 0,9% ao ano entre 1990 e 2021, com perda de dinamismo econômico e luta permanente contra deflação. Já o brasileiro conviveu com um país que cresceu 2% anuais em média, com crises políticas, problemas fiscais e juro real médio próximo a 9% ao ano. Não há argumento de longo prazo que salve os dois casos.
Portanto, desconfie se alguém quiser vender a compra ou a manutenção de sua posição de ações com o argumento de que “bolsa é um investimento de longo prazo”. Normalmente, isso ocorre quando você está perdendo um caminhão de dinheiro no curto prazo e essa crença vira uma desculpa para aliviar a sua tensão — ou encobrir erro de uma recomendação. Questione sempre a qualidade do ativo.
O valor da gestão ativa
A dicotomia levantada na recomendação do consultor de investimentos japonês do exemplo (“gestão passiva versus gestão ativa”) também é falsa. Pessoas com dor de dente buscam um dentista imediatamente. Um indivíduo que tenha um problema com a Justiça recorre a um advogado sem hesitar. Paradoxalmente, há uma enorme relutância em relação ao reconhecimento do importante papel do gestor de recursos ativo no cuidado com os investimentos — desde a alocação dos recursos do cliente entre as diversas classes, a decisão mais importante, até a escolha dos ativos em si.
É possível listar centenas de ações que alcançaram desempenho excepcional nas últimas três décadas, tanto no Japão quanto no Brasil. E quem indicaria essas ações? Os fundos passivos? Não, os gestores de recursos ativos, profissionais que devem ser escolhidos pelos investidores com a mesma exigência aplicada a outras áreas de prestação de serviços. Cuidado com modismos ou preconceitos. Consistência é o nome do jogo em gestão de recursos.
Qual é o papel do gestor de recursos no curto prazo? Apesar de acreditar que os maiores ganhos de qualquer portfólio virão de posições baseadas em fundamentos (com o preço de mercado convergindo para o chamado valor justo, o que às vezes demanda tempo), é injustificada a existência de preconceito em relação à filosofia de market timing. Não acredito que o fato de o gestor ter como linha-mestra a filosofia de valor (domínio do valor intrínseco), por exemplo, o desobrigue de entender as oportunidades de curto prazo (aproveitar e/ou se defender de momentos de overshooting-undershooting). A intensificação da complexidade dos mercados com a globalização é um fato, e essa realidade merece uma resposta inevitável: investimento em equipe. A fase do gestor “super-homem” ficou definitivamente para trás.
Fundamentalismo ideológico
Em épocas de turbulência econômica, gestores e analistas não deveriam confundir a boa análise fundamentalista — do patrono Ben Graham e de discípulos como Warren Buffett — com excesso de “fundamentalismo ideológico”, no sentido de o gestor “se recusar” a olhar para o que está acontecendo no curto prazo. Ativos em geral, por melhor qualidade individual que apresentem, estão inseridos no contexto da macroeconomia local e internacional. Por exemplo: recentemente, alguns preços de ações de ótimas empresas brasileiras caíram bastante e começam a chamar a atenção para compra, sobretudo as mais afetadas pela elevação da curva de juros, como nos setores de consumo, imobiliário e de tecnologia. Por outro lado, se o risco fiscal brasileiro continuar se exacerbando até as eleições e o clima de instabilidade institucional se mantiver, impactando as taxas longas de juros para cima e as expectativas de crescimento para baixo, a má notícia é que o que parece barato pode ficar mais barato ainda.
Em um teste de estresse, experimente precificar uma ação brasileira usando uma NTN-B longa a 6% ao ano ou uma estimativa de PIB potencial mais reduzida na perpetuidade. Pode fazer uma enorme diferença comprar agora ou mais à frente. Da mesma forma, em ocasiões de euforia, ativos podem ficar aparentemente sobrevalorizados por anos, como foi no caso da bolha da internet no final do século 20.
A luta diária do gestor de recursos, como em qualquer guerra, envolve estratégia e tática. Cabe a ele construir as grandes posições estratégicas com um olhar de longo prazo, buscando a convergência entre preço e valor — mas sem jamais subestimar o contexto de curto prazo capaz de levar a importantes decisões táticas que contribuirão sobremaneira para proteger ou maximizar o retorno do investidor. Essa é a obrigação fiduciária do gestor de recursos, seja no curto, médio ou longo prazos.
Alexandre Póvoa ([email protected]) é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”
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