Homenagem aos analistas de mercado
Bom humor ajuda a delinear "perfis" desses importantes profissionais
Ilustração de Alexandre Póvoa

*Alexandre Póvoa/ Ilustração: Julia Padula

Aproveito este espaço para prestar uma homenagem à profissão de analista de mercado — expressão que, por sinal, nunca esteve tão na moda. Na “salada nacional” dos últimos tempos, ela engloba gestores de fundos, analistas de renda variável e renda fixa (de corretoras e de empresas de asset management), de crédito (agências de rating) e estrategistas (bancos de investimento). A SEC, órgão regulador dos mercados americanos, motivada pelos problemas relacionados a conflitos de interesses entre a opinião de um analista e os objetivos de um banco em seus negócios com as empresas sob cobertura, tem se preocupado em baixar normas rígidas para regulamentar a questão. Por aqui, a CVM começa a seguir o mesmo caminho, mas de forma ainda tímida.

A tendência “patriacentrista” ou “corporacêntrica” — ou seja, de se colocar o Brasil ou uma determinada empresa no centro do universo —desconsidera a realidade óbvia de que existem milhares de outros países e companhias no mundo para se investir. É preciso deixar claro que os analistas são seres humanos e profissionais como outros quaisquer, sujeitos a erros e acertos, fazendo uma análise relativa e sempre considerando diversas opções existentes.

Profissionais bons e ruins existem em qualquer área, mas na nossa experiência de gestão de recursos temos a oportunidade de identificar algumas características divertidas em alguns analistas, descritas a seguir, como uma homenagem.

Analista “fã-clube”: não esconde a simpatia explícita por determinada empresa, normalmente de um setor sob sua cobertura, e conduz sua análise baseado em conceitos preconcebidos; síndrome comum em analistas de bancos.

Analista “empresa-padrão”: preocupa-se mais com a qualidade gerencial da empresa (os famosos fundamentos) do que com seu preço em bolsa. Apresenta dificuldade crônica em traduzir a qualidade da companhia em uma valuation competente. Ignora o fato de que, de acordo com a política de investimentos, às vezes é preferível indicar uma empresa de média qualidade que vem sendo negociada a um preço descontado do que uma companhia extraordinária cujo preço já reflita esse diferencial.

Analista “remuneração garantida”: um dos mais perigosos, felizmente parte de uma pequena minoria; produz relatórios enviesados sobre companhias com as quais ele (por meio de investimentos pessoais) ou o banco (comercialmente) tem alguma relação. Nos EUA, alguns bancos têm problemas na Justiça exatamente por questionamentos quanto à sinceridade de recomendações de alguns analistas.

Analista “IPO”: seguindo a orientação e a estratégia do banco de para o qual trabalha, confecciona relatórios que enaltecem os lados positivos da empresa que está abrindo capital, minimizando os aspectos negativos. No fluxo de caixa descontado, as margens e o giro são otimizados, enquanto fatores de risco são esquecidos. É o analista mais preocupado com o sucesso de sua instituição financeira do que com o respeito à sua reputação e profissão.


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Analista “é melhor prevenir do que remediar”: muito comum na área de crédito, sobretudo em agências de rating. Quando ele (ou a empresa) errou em alguma indicação no passado, passa a ser artificialmente mais rigoroso em sua opinião, para reduzir seu próprio risco profissional. Quanto mais importante o país ou a empresa, mais um fator de rigor a ser introduzido. No outro extremo, em épocas de bonança, esse fator extra de rigor é completamente esquecido.

Analista “utilidade máxima”: após escrever páginas e páginas de boa análise, recomenda a posição “manter” o ativo em carteira (nem vender nem comprar). Mas o que quer dizer “manter”? Que tipo de conselho é esse, dado que a finalidade básica de definir a atratividade do investimento definitivamente não foi atingida?

Analista “opinião clara”: parente do “utilidade máxima”, tem uma doença que contamina normalmente alguns dos chamados estrategistas, por meio de opiniões não comprometedoras do tipo “compre Ibovespa a 50 mil e venda a 100 mil pontos, de acordo com o cenário político”. Certamente, essa “dica” não ajudará muito se, pelo menos, probabilidades (que não sejam meio a meio) não forem atribuídas aos diversos cenários.

Analista “múltiplo-rei”: infelizmente, a cada dia mais comum: reduz o mundo a múltiplos comparativos, posicionando a ação da empresa em médias de mercado, preços em vales e picos históricos, entre outros argumentos simplistas para justificar recomendações de compra e venda. Afinal, “fluxos de caixa, taxas de desconto e crescimento, todas estas variáveis são muito difíceis de projetar e explicar ao investidor”. O nivelamento por baixo da discussão certamente compromete o resultado da indicação.

Analista “mágico”: a síndrome atinge com frequência os poucos analistas que “se arriscam” a desenvolver e apresentar o fluxo de caixa descontado como principal instrumento de análise; no valor final da perpetuidade, assume-se que haverá um crescimento real da empresa expressivamente maior do que o da economia (o que é inconsistente, senão a empresa a longo prazo “engolirá” a economia toda) e/ou a simplória hipótese de investimento líquido (investimento menos depreciação igual a zero). A mágica está em descobrir como a empresa vai conseguir crescer sem investir ou incrementar produtividade (por definição, constante a longo prazo).

Analista “missão impossível”: normalmente, também ligado à figura do estrategista; recomenda a compra de uma carteira de ações com no máximo cinco papéis, incluindo representantes de segunda e terceira linhas, que nada têm a ver com a composição do Ibovespa ou do IBX. A indicação pouco colabora com o gestor na formação de carteiras tradicionais que visam a superar estes benchmarks.  Além disso, a falta de liquidez de parte dos papéis sugeridos inviabiliza a sua implementação, pelo menos em portfólios maiores.

Analista “diretor frustrado de empresa”: há analistas que se projetam nas posições de diretores financeiros das empresas sob análise, usando, para a valuation que definirá recomendações de compra e venda, premissas de otimização futura em todos os segmentos. Cabe lembrar que não necessariamente a estratégia feita pela teoria financeira será seguida pela administração atual. Isso acaba gerando uma superestimação do valor real da companhia, só sendo justificável na existência de possibilidade concreta de mudança de controle.

Caricaturas à parte, o papel de analistas competentes será sempre fundamental à boa gestão de recursos. No Brasil, qualidade média desses profissionais é alta — em geral eles seguem os mais finos conceitos de precificação, mesmo em um ambiente tão volátil. Mas há muito espaço para a evolução da relação com gestores e clientes, além da melhora do comprometimento com a opinião emitida. Aos meus amigos analistas, um grande abraço.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) presidente da Canepa Asset Brasil e autor do livro Valuation, Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”


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