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Brincando com variações cambiais
Maxidesvalorização do real em 2020 complica a vida das empresas
Reflexões sobre contabilidade com Eliseu Martins

Colunista Eliseu Martins | Ilustração: Julia Padula

Os professores Natan Szuster, Ricardo Lopes Cardoso e eu recentemente postamos um texto nblog pensamentocontabil.com.br discutindo o gravíssimo problema das variações cambiais neste ano de 2020.  

Vou aqui resumi-lo, com a vênia dos dois.  

Na verdade, convivemos em 2020 com uma maxidesvalorização, seguida, pelo menos até este mês de junho, de uma recuperação parcial. Mas isso tem ocorrido ao longo de muitos anos. Vejamos o efeito no caso de quem tem dívida em moeda estrangeira de longo prazo: ao se atualizar o valor da dívida, e aplicar-se o conceito à dívida total, cria-se uma despesa de variação cambial monstruosa, que faz com que o resultado do trimestre, ou do exercício, coma enorme parte dos lucros ou até produza senhores prejuízos.  

Mas isso não afeta, absolutamente, o caixa  nem agora, nem no curto prazo, a não ser pelos pagamentos das partes relativas aos juros em moeda estrangeira. O grosso do problema, a variação cambial da dívida, só terá efeito à medida dos efetivos pagamentos no longo prazo. Ou seja, um descasamento brutal entre caixa e lucro. Verdadeiro divórcio, aliás.  

Só que também é comum haver, depois dessa maxidesvalorização, uma redução do valor da moeda estrangeira, em trimestres seguintes, às vezes até em exercício seguinte, com a reversão, mesmo que não integral. A redução desse passivo de longo prazo em reais então cria, nesses períodos posteriores, grandes receitas de variação monetária (ou despesas positivas, se quisermos). E novamente com nenhuma ou muito pouca influência no caixa. Já houve vários casos na história brasileira de recuperação praticamente integral.   

O tesoureiro nunca tomou conhecimento do problema, mas o contador se viu arrancando seus últimos fios de cabelo tamanha a volatilidade que tem que apresentar no resultado da empresa. Fios de cabelo que não só ele arranca: também os gestores (inclusive se isso afetar seus bônus), os sócios (dividendos que voam e depois retornam), credores e outros. Durma-se com um barulho desses.  

Alguns países asiáticos já propuseram ao Iasb¹ uma solução intermediária: quando houver variação cambial, não se contabiliza a variação diretamente no resultado; joga-se numa conta redutora do patrimônio líquido (assim o passivo continua totalmente atualizado, mesmo que com mutações enormes), mas não se introduz no resultado essa volatilidade desastrosaNessa conta redutora do patrimônio líquido se joga o efeito de reduções do valor da moeda estrangeira, e esse saldo vai sendo amortizado ao longo do tempo, até o vencimento da dívida.  

Não que se resolva plenamente o binômio lucro/caixa, mas essa amortização pelo menos já conhecemos há muito tempo, como no caso das depreciações, amortizações propriamente ditas etc. Com isso reduz-se quase todo o efeito instantâneo dessas volatilidades.  

Mas o Iasb sempre rechaçou, às vezes fortemente, essa ideia. Parece que adora a enorme volatilidade derivada dessa origem. Como essas oscilações entre os países de economia forte e relativamente estabilizada são pequenas, mas muito pequenas mesmo comparativamente às tupiniquins, de forma alguma sentem como sério problema e se contentam com o status quo (nós, no primeiro trimestre deste ano, tivemos variação cambial de aproximadamente 30%; no Reino Unido, foi de 5%).  

Mas nada impede que a empresa, para fins internos, administrativos, tenha esse outro balanço e resultado para, inclusive, se gerenciar talvez melhor.  

Aliás, esse ajuste da variação cambial em conta de patrimônio líquido é exigida pelo Iasb para o caso específico de variação cambial de investimento societário no exterior, até que se baixe o dito cujo ou que haja perda considerada irrecuperável. E isso exatamente para não se misturar a equivalência sobre o desempenho da investida com o efeito do câmbio sobre esse investimento.  

Enquanto uma solução dessas comentadas lá em cima não ocorre — e muito provavelmente nunca vai acontecer —, pelo menos que se tenha, nas notas explicativas, a total clareza dessas variações cambiais enormes (despesas e receitas) devidamente evidenciadas, mostrando inclusive quanto se referem ao ano em curso, quais têm efeito no caixa dentro do próprio período, quanto nos próximos períodos e quanto a longuíssimo prazo.  

O bom é que já vimos em alguns informes trimestrais, os ITRs, deste ano esse procedimento de disclosure bem feito. Mas ainda não é a maioria. 


*Eliseu Martins ([email protected]) é professor emérito da FEA-USP e da FEA/RP-USP, consultor e parecerista na área contábil. Para mais detalhes técnicos, consulte o blog: pensamentocontabil.com.br. 


Notas

¹International Accounting Standards Board 


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