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Precisamos reagir
Danos causados pelos controladores da JBS ao mercado de capitais não podem ficar impunes
Henrique Vergara*

Henrique Vergara*

A delação premiada dos acionistas controladores e administradores da JBS deixou o País em estado de perplexidade. As recentes revelações formam um triste quadro da promiscuidade existente entre agentes públicos e privados, que produziu uma elite formada por “ricos delinquentes”, para usar as palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

Causou ainda maior espanto a notícia de que a FB Participações S.A., holding do grupo JBS, teria negociado quantidades expressivas de ações da JBS pouco antes de a delação premiada de Joesley Batista e companhia vir a público. A própria JBS teria igualmente obtido ganhos expressivos no mercado futuro de dólar, que teve suas cotações diretamente afetadas pelo teor da delação.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já anunciou a instauração de processos para investigação dos fatos — expediu, inclusive, comunicação ao Ministério Público Federal (MPF), que poderá instaurar processo criminal para apuração do crime de insider trading. Como em qualquer processo administrativo ou judicial, os envolvidos terão direito de se defender perante a CVM e em juízo criminal caso o processo-crime seja instaurado. No entanto, nunca se esteve diante de um conjunto de indícios tão veemente da prática desse ilícito.

Independentemente do resultado dos processos instaurados pela CVM, a negociação com ações da JBS e com contratos futuros de dólar às vésperas da divulgação da bombástica delação premiada revela uma absoluta indiferença de seus autores em relação ao mercado de capitais brasileiro, além de um completo desdém pelas normas que regem o seu funcionamento.

Qualquer pessoa munida de um mínimo de cuidado e bom senso teria evitado fazer esses negócios — por mais que acreditasse em sua licitude. Esse, porém, não foi o comportamento dos controladores da JBS. A imagem de Joesley embarcando com sua família para os EUA sugere que estamos diante de uma pessoa que jamais teve qualquer compromisso com o País de onde extraiu sua fortuna. Como a princesa Carlota Joaquina, o dono da JBS deixa o Brasil sem querer levar consigo sequer a poeira dos sapatos, deixando para trás um rastro de malfeitos e de práticas criminosas. Já em seu caminho para o exílio, Joesley atinge uma vez mais a credibilidade de nosso combalido mercado de capitais, em busca do que talvez seja o último lucro fácil, obtido às custas dos desavisados que investiam suas economias nas ações da JBS.

Novo golpe

Quando não se acreditava que algo pior ainda estaria por vir, surge a notícia de que a JBS exercia uma nefasta influência sobre conselheiros ditos independentes, eleitos por fundos de pensão, para ocupar cargos no conselho de administração de sua principal concorrente, a BRF S.A. Essa confissão de Joesley, se confirmada, será mais uma dolorida punhalada em todos os participantes do mercado: investidores, intermediários e, principalmente, nas demais companhias que ainda acreditam no mercado de capitais como fonte de financiamento.

Os conselheiros da BRF que estariam, como alegado, sob o controle da JBS chegaram a esse posto em decorrência de uma alteração na Lei das S.As. feita em 2001 com a finalidade de fortalecer os direitos dos investidores. A CVM, então comandada por José Luiz Osório, e o Banco Central, sob a batuta de Arminio Fraga, e diversas instituições privadas se uniram na ocasião em torno de uma agenda para fortalecer o mercado de capitais.

Uma das grandes conquistas da reforma da Lei das S.As. foi o mecanismo de eleição de conselheiros por um processo de votação em separado, do qual participariam apenas acionistas minoritários, inclusive os titulares de ações sem direito de voto. Houve grande resistência, à época, de parte dos acionistas controladores das companhias abertas. Tanto que esse mecanismo só passou a vigorar em sua plenitude nas assembleias a partir de 2006. Até então, os conselheiros seriam escolhidos em uma lista tríplice elaborada pelo acionista controlador, o que levou alguns a chamarem essa disposição transitória de “Lei do Ventre Livre” do direito societário.

Os opositores da reforma, entretanto, manifestavam seus temores de que o conselheiro eleito pelos acionistas minoritários poderia utilizar indevidamente as informações a que tivesse acesso para favorecer empresas concorrentes. Um exemplo muito citado nas discussões que se travaram em torno desse tema era a faculdade de certos fundos de pensão para elegerem conselheiros para a Sadia e, concomitantemente, fazerem o mesmo na sua ferrenha competidora, a Perdigão. Por ironia do destino, Sadia e Perdigão se uniriam anos mais tarde para formar a BRF — que agora é justamente a possível vítima do mau uso dessa faculdade.

Para contornar a preocupação externada por diversos interlocutores, foi proibida a eleição para o conselho de administração de pessoa que ocupasse cargos “em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, de administração ou fiscal” (art. 147, inciso I, da Lei das S.As.). Contudo, uma pessoa nessa condição pode ser conduzida ao cargo de conselheiro se os acionistas, reunidos em assembleia geral, expressamente autorizarem sua eleição.

A orientação dada pelo legislador se baseou na premissa de que os conselheiros têm deveres de lealdade e de diligência para com a companhia, independentemente de quem os tenha eleito. Dada a responsabilidade pessoal do conselheiro, qualquer restrição imposta na lei deveria recair sobre a pessoa do conselheiro, e não sobre quem os elegeu.

Mas o que se observa é que não há como se conceber um mecanismo legal com a aptidão de impedir que pessoas mal-intencionadas se utilizem de prerrogativas legítimas, adotadas com o propósito de aprimorar a governança das empresas brasileiras, com a finalidade de obter vantagens indevidas, gerando imensos prejuízos para as companhias em que conseguem penetrar.

Enfim, o estado de “estupefação” com a delação da JBS que tomou de assalto a administração da BRF — conforme comunicado ao mercado sobre a suposta influência da JBS sobre seus ex-conselheiros — é muito provavelmente compartilhado por todos que contribuíram ao longo dos anos para a construção de um mercado de capitais eficiente e sadio.

A estupefação com a delação da JBS é compartilhada por todos que contribuíram para a construção de um mercado de capitais sadio

Os atos de corrupção praticados pelos donos da JBS estão sendo tratados em esfera própria, concorde-se ou não com os termos do acordo celebrado com o MPF. O que não pode ficar sem reparação são os danos causados ao mercado de capitais pelo gangsterismo dos acionistas controladores e administradores da JBS.

A nódoa que essas notícias lançam sobre a credibilidade do mercado de capitais brasileiro já se qualifica como um dano de dificílima reparação, que só pode ser minorado com uma rápida e eficaz punição dos responsáveis, inclusive mediante o pagamento das devidas indenizações. Cabe à CVM, ao MPF e às associações atuantes no mercado — partes legitimadas a propor a ação civil pública —avaliar a propositura dessa ação com amparo na Lei 7.913/89 (que trata da ação civil pública no âmbito do mercado de valores mobiliários) para obter o mais que devido ressarcimento pelos danos causados pela JBS, seus acionistas controladores e administradores.

Faça-se coro, portanto, com pronunciamento da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) que, em tom de desabafo, clama por uma punição exemplar de todos os envolvidos nesse triste episódio, inclusive daqueles que permitiram esses crimes por inépcia ou inobservância de seus deveres fiduciários.


*Henrique Vergara (mailto:[email protected]) é sócio sênior de Motta Fernandes – Advogados


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