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Pandemia evidencia imprevisibilidade e onerosidade excessiva em derivativos
Crise impõe desafios à interpretação da natureza do risco assumido pelas partes nesses contratos
Pandemia evidencia imprevisibilidade e onerosidade excessiva em derivativos

*Ricardo Botós da Silva Neves | Ilustração: Julia Padula

A pandemia dcovid-19 tem criado muitas situações inéditas, como um surreal evento ocorrido em 20 de abril. Naquele dia, o contrato futuro de petróleo WTI (referência nos EUA) com vencimento em 21 de abril foi vendido no final do pregão na Bolsa de Chicago a menos 37,63 dólares. Na prática, isso significa que os investidores preferiram pagar para não ficarem com a obrigação de receber o petróleo ao fim do contrato. 

Uma queda de quase 300% em um só dia era algo que até os analistas e operadores mais experientes não podiam prever e, muito provavelmente, foi decorrente da sensação de que por causa da disseminação do vírus o consumo mundial deve permanecer baixo por algum tempo. Somam-se a isso a permanência dos níveis de produção e o fato de a capacidade de estocagem americana estar quase em seu limite máximo. 

Abstraindo-se que o preço negativo foi registrado nos Estados Unidos da América, a situação parece ser um bom ponto de partida para uma análise quanto à possibilidade da aplicação da imprevisibilidade ou da onerosidade excessiva em uma operação de futuro. 

Importante esclarecer que o caso fortuito e a força maior são institutos completamente diferentes da imprevisibilidade e da onerosidade excessiva. 

Seguem muito breves sínteses desses conceitos. São considerados de força maior os eventos naturais que podem ser até previstos, mas não evitados, como raios e tempestades. Na categoria de caso fortuito entram eventos humanos imprevisíveis ou inevitáveis, como greves e guerrasA imprevisão é calcada na possibilidade de se discutir uma relação contratual em razão de acontecimentos supervenientes, imprevisíveis e não imputáveis aos contratantesJá a onerosidade excessiva é a possibilidade de extinção do contrato sem seu cumprimento por acontecimentos supervenientes extraordinários e imprevisíveis, que tenham tornado o cumprimento da obrigação muito oneroso para uma das partes. 

O contrato de derivativos, como o próprio nome define, é aquele proveniente de um ativo subjacente, uma taxa de referência ou índice, podendo ser físico, financeiro ou materialista. Os derivativos são negociados no mercado à vista ou não. Nesse contrato se estabelece um valor econômico derivado do seu valor temporal e que tem por base um ativo de referência e com risco, sendo as principais operações classificadas em mercado a termo, mercado futuro, opções e swaps. 

Os derivativos de petróleo são dos mais comumente negociados — trata-se de commodity a futuro. Basicamente, funciona assim: “A, para evitar o risco das variações de preços, contrata previamente com “B” (normalmente um especulador) a venda de X barris de petróleo para entrega no futuro, com preço predefinido. No momento do vencimento da operação, “A” recebe de “B” o preço combinado, não importando o valor do mercado naquele dia. 

Nas operações de derivativos, não se pode esquecer de que há uma avença e de que no momento da negociação as partes alocaram riscos. Isso representa a possibilidade de ocorrência de um evento futuro presumível, que tenha impacto sobre as expectativas do contratante. Então, se no cumprimento do contrato os riscos alocados forem os mesmos da formalização não há que se falar em imprevisão ou onerosidade — a avença deve ser cumprida. 

No contrato, o risco não pode ser descolado da probabilidade de acontecimentos futuros e incertos não causados pelas partes e que possam prejudicar o cumprimento das obrigações. Com isso, quando da formalização do ajuste, as partes devem mapear os principais riscos a que estarão expostas ao longo da execução do contrato, para, destarte, definir quais serão suportados por cada contratante (alocação do risco). 

Portanto, os riscos definidos são aqueles relacionados a acontecimentos previsíveis, mesmo que pouco prováveis, que possam impactar de modo negativo o cumprimento do objeto do contrato ou das obrigações das partes. 

De forma açodada, considerando que a álea (o risco) nos contratos de derivativos é alta, a resposta mais óbvia envolveria a inaplicabilidade da imprevisibilidade e onerosidade excessiva nessas avenças. Cabe citar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já entendeu que a onerosidade excessiva não seria causa de revisão dos contratos de derivativos, pois o risco faria parte desse tipo de negócio. Todavia, a história está mostrando que, independentemente do tipo de negócio, sempre existem riscos imponderáveis e que estão na álea extracontratual. 

Dessa forma, mesmo para os contratos de derivativos, quando ocorre um fato alheio à possibilidade de previsão no momento da formulação e que altere a base contratual, abre-se a chance do descumprimento (vencimento antecipado involuntário) ou da revisão, pois é sempre importante serem considerados e analisados os riscos alocados. 

Finalmente, há que se destacar a excepcionalidade das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, visto que a regra é que os contratos devem ser cumpridos conforme foram pactuados, não podendo a segurança jurídica ser abalada por qualquer fato corriqueiro, sob pena de macular os institutos aqui comentados. 


*Ricardo Botós da Silva Neves ([email protected]) é sócio responsável pela área de Direito societário de Monteiro & Neves Advogados 


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