A pandemia de covid-19 apresenta diversos desafios à saúde pública de vários países, e no Brasil não tem sido diferente. A disseminação do novo coronavírus já sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS) e algumas áreas do setor médico privado nacional. Para além dos efeitos imediatos sobre a política pública de saúde, as medidas para contenção do contágio, como o isolamento social, também já desencadeiam problemas nos setores econômico, de educação e de assistência social.
Todos esses desafios trazem à tona uma sobrecarga para as finanças públicas, com as autoridades em busca do atendimento às necessidades da população. Nesse contexto, torna-se fundamental a união de diferentes setores em busca de soluções, aliando a estrutura pública ao conhecimento da sociedade civil e aos recursos do setor privado.
Nas últimas semanas, diversas empresas vieram a público anunciar doações de bens e recursos financeiros, destinadas às mais diversas finalidades, para combater os efeitos diretos e indiretos da pandemia. Além da destinação ao poder público, as doações às organizações da sociedade civil (OSCs) têm sido um dos grandes pilares de suporte na luta contra a covid-19 — esses recursos ajudam a aparelhar hospitais e seus profissionais, mitigar os efeitos adversos na renda da população, na qualidade da sua alimentação, no índice de empregabilidade, entre outros pontos.
Pois agora o investimento social privado, que tem experiência e conhecimento acumulados há anos na atração de recursos para causas de interesse público, tem o papel fundamental de ser o articulador de medidas inovadoras e propositivas, de alto impacto, para mitigar os efeitos danosos dessa difícil situação. Os desafios têm magnitude ímpar e demandam ações e planos muito bem estruturados, para que os prejuízos causados não sejam extremos.
Fortalecer uma aliança no setor privado com e sem fins lucrativos pode ser uma poderosa ferramenta de complementação dos esforços do poder público no enfrentamento dos efeitos imediatos e mediatos da pandemia. O momento exige expertise prévia, e com arrojo. Reunir diferentes atores, coordenar atitudes, decidir prioridades e definir ações estratégicas a partir de soluções inovadoras não são tarefas fáceis, embora elas sejam primordiais para o enfrentamento da crise decorrente da covid-19.
O investimento social privado tem a possibilidade de ser esse agente coordenador. Para isso, também precisa se desafiar e explorar caminhos desconhecidos, já que a situação é nova e gera incertezas, inclusive jurídicas, para todos. Pensar em novas modelagens, dialogar com novos atores, engajar novos parceiros, propor novas ações podem ser elementos importantes dessa nova etapa de desenvolvimento do investimento social privado.
Além disso, pode-se aproveitar a oportunidade para galgar novas conquistas no campo normativo. Algumas doações já podem se beneficiar de incentivos já existentes, mas o pleito pela ampliação de incentivos fiscais para pessoas físicas e jurídicas permanece — é ferramenta também para o desenvolvimento de uma cultura de doação no País. Têm sido publicadas algumas alterações normativas e regras específicas para fomentar doações ao poder público, bem como flexibilizar procedimentos correlatos, mas há também oportunidade de novas conquistas.
É uma chance única: podemos deixar um legado para a sociedade brasileira pós-covid19, em que as diferentes expertises e bagagens estarão direcionadas para o mesmo fim — a satisfação do interesse público. Afinal, se tem um aprendizado que essa crise já deixou foi o de que o interesse público é responsabilidade de todos.
*Flavia Regina de Souza Oliveira ([email protected]) é sócia da área de organizações da sociedade civil, negócios sociais e direitos humanos do escritório Mattos Filho. Co-autoria de Juliana Furini de Vasconcellos Puntel ([email protected]), sócia; e Adriana Moura Mattos da Silva ([email protected]), advogada; ambas da mesma área do escritório.
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