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Novo marco legal do câmbio oferece segurança jurídica ao mercado
Transferência de competências do CMN para o BC consolida movimento de décadas de liberalização
Caio Henrique Yoshikawa é mestre em Direito Comercial pela USP e advogado do PGLaw.
Caio Henrique Yoshikawa é mestre em Direito Comercial pela USP e advogado do PGLaw. — Ilustração: Julia Padula

Após décadas de regulação cambial dispersa entre dispositivos promulgados nas várias décadas e regimes governamentais do Brasil, desde 1930 até os anos 2000, finalmente a Lei 14.286, de 29 de dezembro de 2021, vem para consolidar, simplificar e racionalizar as normas gerais aplicáveis ao mercado de câmbio no Brasil. O objetivo desse artigo não é descrever todas as mudanças previstas pela lei, mas apresentar o contexto evolutivo de sua criação e destacar alguns pontos que exigirão atenção por parte de participantes do mercado e advogados ao longo dos próximos meses.  

O curso forçado da moeda foi introduzido em 1933 e estabeleceu que metais preciosos ou moeda estrangeira não poderiam ser admitidos como moeda de conta ou moeda de pagamento. A regra precisou ser mitigada ao longo dos anos por imperativos de comércio internacional, destacando-se o Decreto-Lei nº 857/1969, vigente até a edição do novo marco legal do câmbio.  Ao longo do período iniciado em 1933, houve maior ou menor controle de capitais no País.

Nesse contexto, o modelo de substituição de importações, a conturbada relação do Brasil com a sua balança de pagamentos, a taxa de câmbio, os movimentos especulativos e o receio de que operações com o exterior facilitassem a ocorrência de crimes deram a tônica ao modelo de controles cambiais. Com uma ou outra mudança no âmbito infralegal, ele passou a ser regulado por uma colcha de retalhos normativa, composta de decretos, leis, decretos-leis, resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e circulares do Banco Central (BC), com disposições por vezes repetitivas e outras tacitamente revogadas.

Além dos benefícios econômicos, a exposição de motivos do projeto de lei que originou o novo marco legal do câmbio destaca o desejo do País de alinhar seu arcabouço legal às melhores práticas internacionais e recomendações de organismos multilaterais. A lei passa então a ser fator importante de avaliação da candidatura do Brasil à participação na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Mais poder para o BC

O novo marco legal do câmbio transfere competências do CMN para o BC no que diz à regulação das operações do mercado de câmbio. Com o intuito declarado de ampliar o uso do real em transações internacionais, o BC poderá regulamentar ordens de pagamento em reais recebidas do exterior ou enviadas para fora do País por bancos autorizados a operar no mercado de câmbio.

Com a liberalização desse mercado, os controles cambiais previstos na regulação deixam de ser ferramentas de controle de contas externas do Brasil ou de combate a crimes. Essa função foi progressivamente transferida para outras ferramentas de política monetária, fiscal (como o IOF) ou de regulação prudencial como políticas, procedimentos e gerenciamento de riscos dentro das instituições financeiras, o que inclui prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo.

Em relação às contas em reais de titularidade de não residentes, a lei prevê que elas contarão com o mesmo tratamento dado às contas em reais de residentes. Ao mesmo tempo em que a lei visa desburocratizar a utilização dessas contas, assume que o histórico da sua utilização para fins ilícitos pode exigir uma regulação mais restritiva por parte do BC de acordo com a conjuntura.

Também merece destaque a regulamentação das contas em moeda estrangeira — tema que causa apreensão de dolarização da economia em alguns e esperança de liberalização em outros —, assim como as hipóteses de pagamentos expressos em ou vinculados em ouro ou moeda estrangeira. A compensação de créditos internacionais, antes vedada e herança da era dos controles cambiais, será regulada pelo BC, que disciplinará eventuais prestações de informações nesses casos.

O BC regulamentará ainda as hipóteses em que, considerada a natureza das operações, capitais de residentes mantidos no território nacional em favor de não residentes serão equiparados a capitais brasileiros no exterior, e as situações em que capitais de não residentes mantidos no exterior em favor de residentes serão equiparados a capitais estrangeiros no País. Além disso, a autoridade monetária poderá estabelecer requisitos regulatórios e prudenciais para as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC alocarem, investirem e destinarem recursos captados em território nacional e fora dele para operações de crédito e de financiamento realizadas no Brasil e no exterior.

Outra mudança promovida pelo novo marco legal foi a revogação de normas legais que previam a existência de registros relativos a capital em moeda nacional, investimento estrangeiro direto e operações financeiras ou investimento não sujeito a outro tipo de registro, nos termos da Lei 11.371/2006. Embora a leitura da lei nesse sentido dê a entender que os registros declaratórios eletrônicos, como o RDE-IED e o RDE-ROF tenham sido extintos, ela dá ao BC o poder de regulamentar e monitorar os capitais brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no País quanto a seus fluxos e estoques; as formas, os prazos e os critérios para a prestação de informações relativos a esses capitais, bem como as situações de dispensa. Por isso é válido aguardar a regulação para saber em que medida o BC fará uso dessas atribuições.

O marco legal do câmbio é um passo extremamente importante para dar segurança jurídica ao mercado. A transferência de competências do CMN para o BC consolida um movimento de décadas de liberalização e de transição do caráter político para o técnico da regulação cambial. Este ano certamente será de atenção à agenda regulatória do BC, imprescindível para delimitar os contornos e impactos da nova legislação.


Caio Henrique Yoshikawa ([email protected]) é mestre em Direito Comercial pela USP e advogado do PGLaw.

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