Juros de mora descolados da realidade tornam as obrigações impagáveis
Taxa de 1% ao mês é 500% superior à Selic, o que não faz sentido no cenário atual
Ilustração do articulista Alberto Mattos de Souza

*Alberto Mattos de Souza é sócio do PMMF Advogados, LLM de Direito societário pelo Insper | Ilustração: Julia Padula

Qual seria o fundamento econômico para a cobrança de juros de mora de 1% ao mês em tempos de inflação controlada e juros básicos da economia nas taxas mais baixas da história? A análise vai além do ponto de vista jurídico, já que existem divergências tanto na doutrina quanto na jurisprudência e não se vislumbram indicações de um consenso próximo.

Por alguns entendida como o percentual de 1% ao mês, nos termos do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), para outros correspondendo à taxa Selic, conforme previsão dos artigos 84, I, da Lei 8.981/95 e 13 da Lei 9.065/95, os juros de mora visam compensar o credor de uma obrigação pelo fato de ver-se privado da disponibilização dos seus ativos.

Considerando o contexto específico do mercado imobiliário, os juros (o “aluguel do dinheiro”) correspondem ao valor que o devedor (inquilino) deve pagar ao credor (locador) pela utilização do seu ativo (imóvel) por determinado período, devendo, ao final, restituir o bem nas mesmas condições.

Na relação locatícia, por exemplo, é livre entre as partes a estipulação da contraprestação pela utilização do bem, e esse valor flutua de acordo com o mercado. Essa dinâmica viabiliza o equilíbrio da relação econômica entre o ativo disponibilizado e a contraprestação paga por sua utilização. Inconcebíveis, portanto, o tabelamento do valor da prestação e a impossibilidade de sua adequação ao momento específico.


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Descolamento de juros de mora e realidade

Entendidas como razoáveis essas premissas, cabe um questionamento ao fato de no Brasil as partes estipularem em todas as suas relações empresariais uma taxa de juros de mora 500% superior à taxa básica de juros da economia (Selic). Vale observar que o descolamento entre as bases contratuais e a realidade econômica, a longo prazo, compromete a completa execução do contrato pelas partes. Condições alheias ao seu tempo distorcem as relações, prejudicando não só o devedor da prestação — sentenciando-o a uma espécie de pena capital —, mas também comprometendo o credor, que, iludido por uma expectativa irreal, vê-se igualmente condenado a amargar a frustração do negócio.

Há alguns anos, no entanto, o desequilíbrio pendia para o outro lado. Não faz muito tempo que a Selic ou estacionava na casa dos dois dígitos ou chegava a bater nas duas dezenas. Quando a taxa básica de juros correspondia ao dobro da taxa dos juros de mora, o inadimplemento de obrigações era encarado pelos mais despidos de ética como um bom negócio — afinal, era muito mais barato não pagar a dívida.

Necessidade de taxa flutuante

No atual cenário, portanto, faz-se necessária a adoção de uma taxa flutuante, buscando-se a preservação dos princípios econômico e social do instituto. Discussão semelhante ocorreu quando o então Novo Código Civil entrou em vigor, no início de 20031.

Na ocasião, amparado pelo controle da inflação propiciado pelo Plano Real, determinou o art. 1.336, §1º, que o condômino em atraso no pagamento da taxa condominial estaria sujeito à multa moratória de até 2%. Até então, a multa costumava ser de até 20%. Ora, não fazia mais sentido uma punição tão descolada da realidade econômica da época. Importante ressaltar que na exposição de motivos da lei que estabeleceu o Novo Código Civil consta expressamente a necessidade de se levar em consideração a “revalorização da moeda em dívidas de valor”2.

Pelo mesmo motivo, os juros de mora estipulados no mesmo parágrafo ficaram em 1% ao mês. Fazendo-se a necessária contextualização socioeconômica da época: a taxa Selic era de 19% ao ano na data da promulgação da lei e de 25% anuais quando entrou em vigor.

Como exposto no início deste artigo, doutrina e jurisprudência ainda divergem com relação ao tema, o que indica que a adequação da questão não sairá dos tribunais. Todos figuramos ora como credores, ora como devedores de obrigações. Cabe a nós, sociedade civil, dentro da liberdade de contratar e como aqueles que mais conhecem as nuances das suas atividades econômicas, buscar o equilíbrio contratual.

Os juros de mora não podem prestar-se a beneficiar desproporcionalmente uma parte em detrimento da outra. Essa condição gera distorções e prejuízos ao sistema. O papel dos juros de mora é claro e sua adequação à realidade das partes gera equilíbrio e segurança aos contratos.


*Alberto Mattos de Souza ([email protected]) é sócio do PMMF Advogados, LLM de Direito societário pelo Insper


Notas

¹A lei foi publicada em 10/1/02, mas só entrou em vigor um ano depois

²Item 22, “s”, da exposição de motivos do supervisor da comissão revisora e elaboradora do Código Civil


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