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É bom se proteger
Cláusulas de arbitragem podem mitigar o risco de litígios nos EUA
Fernando Q. Merino

Fernando Q. Merino*

Notícias recentes sinalizam a reabertura do mercado de capitais dos EUA às emissões de ações por empresas brasileiras, como exemplificam as operações de Netshoes e Azul. Ao mesmo tempo, o risco de exposição a litígios naquele país tornou-se mais evidente, como demonstram as class actions contra a Petrobras e a Vale — decorrentes, respectivamente, da Operação Lava Jato e do acidente de Mariana. Tem sido amplamente ressaltado na imprensa o fato de que esses litígios podem envolver cifras milionárias, gerando passivos relevantes para as empresas.

Parece útil, neste momento, refletir sobre estratégias para se mitigar a exposição aos riscos de litígio. Para isso, uma decisão proferida pelo juízo responsável pelo caso da Petrobras nos EUA indica um caminho que merece ser avaliado com mais atenção, além de gerar importantes efeitos práticos para emissores e agentes financeiros brasileiros.

Por causa da alta liquidez, emissores de todo o mundo buscam acessar o mercado de capitais dos EUA. As captações podem ser feitas por meio de ofertas públicas ou privadas. As ofertas públicas contam, usualmente, com a figura do ADR (american depositary receipt), recibo que representa ações de empresas de outros países. No caso de companhias brasileiras, no entanto, a maior parte das colocações envolve ofertas privadas sem a emissão de ADRs. Nesses casos, a aquisição de ações por investidores internacionais se dá diretamente na B3.

Mas qual a relação entre esses dois tipos de oferta e a decisão no caso da Petrobras?

A class action em questão é de autoria de investidores que compraram ADRs, mas também de investidores que adquiriram ações da Petrobras diretamente na bolsa brasileira. Os investidores solicitaram ao juízo que reconhecesse a jurisdição dos EUA para arbitrar sobre os prejuízos que detentores de ADRs alegam ter sofrido (entre outros motivos, pela violação das regras de disclosure dos EUA) e também os decorrentes de aquisições de ações na bolsa brasileira (pela violação, por exemplo, de regras da CVM). Em sua defesa, a Petrobras argumentou que a existência de cláusula compromissória vincularia todos os investidores, inclusive os detentores de ADRs, a processo de arbitragem no Brasil.

O juízo, mantendo uma linha técnica há muito sedimentada naquele país, confirmou que os ADRs são valores mobiliários distintos dos ativos subjacentes — e, sendo negociados nos mercados públicos dos EUA, estão sujeitos às regras de disclosure do país. Afirmou também que os detentores de ADRs somente estariam vinculados a arbitragem se tivessem dado consentimento expresso para isso. O juiz americano decidiu, portanto, que no tocante aos detentores de ADRs, cabe a ele determinar se há violação das normas dos EUA e estabelecer as sanções aplicáveis. Por outro lado, ele concluiu que as compras na B3 envolveram somente os papéis propriamente ditos, e por haver cláusula compromissória vinculante no estatuto, as discussões devem se dar no âmbito de arbitragem no Brasil.

Vale notar que essa foi uma decisão processual sobre a competência do juízo; a avaliação do mérito do caso ainda está pendente.

Nesses termos, empresas que emitiram ADRs estão sujeitas à jurisdição dos EUA, entre outros temas, naqueles relativos a disclosure. Esse risco pode ser mitigado por empresas que façam ofertas privadas com liquidação na bolsa brasileira, contanto que de seus estatutos conste a previsão de arbitragem. E parece razoável concluir que empresas que fizeram ofertas no mercado americano sem a inclusão de cláusula de arbitragem aumentam a possibilidade de um juiz dos EUA se declarar competente para julgar um eventual caso de litígio. A prevenção de risco não é absoluta, porque a análise quanto à existência de jurisdição sempre levará em consideração vários fatores, como a existência de esforços de venda nos EUA.

Os efeitos práticos da situação podem, a princípio, não parecer óbvios. Entretanto, caso se considere que, conforme estimativas de mercado, aproximadamente 60% das colocações de ações por empresas brasileiras envolvem ofertas privadas sem uso de ADRs e que 50% do volume total de ações na B3 é de propriedade de investidores estrangeiros, o tema cresce em relevância.

Trata-se de decisão recente em assunto complexo, que naturalmente necessita de tempo para amadurecimento e consolidação. A realização de uma oferta pública (com ou sem ADRs) envolve a análise de vários fatores — liquidez, dispersão da base acionária, visibilidade. É um excelente caminho para muitos emissores. Só não se pode esquecer que a história recente demonstra ser aconselhável incluir a avaliação sobre o potencial de litígio nos EUA. Nesse sentido, a inclusão de cláusulas de arbitragem nos respectivos estatutos dos emissores pode ser um bom caminho para mitigação desse risco.


*Fernando Q. Merino ([email protected]) é advogado e professor do Insper-SP


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