A Resolução 59 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), editada em dezembro passado depois de uma consulta pública, oferece inovações substanciais para o regime informacional de emissores de valores mobiliários. Substituindo as instruções 480 e 481, a nova norma simplifica e reestrutura alguns processos, com o objetivo de tornar mais claras as informações prestadas aos investidores. Entre os pontos de destaque está a ampliação da apresentação de dados sobre aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) das atividades dos emissores.
De acordo com a Resolução 59, que entra em vigor em 2 de janeiro de 2023, serão exigidos, nos formulários de referência:
— explicação sobre a não adoção, se aplicável, das melhores práticas de desempenho ESG (modelo “pratique ou explique”)
— divulgação sobre controle ou não do inventário de emissões de gases de efeito estufa
— informação a respeito dos riscos sociais, ambientais e climáticos do negócio
— relação da quantidade de funcionários por grupo de identidade de gênero, raça ou cor e idade de todos os níveis hierárquicos, inclusive do conselho de administração (diversidade)
— referência a oportunidades inseridas no plano de negócios relacionadas a questões ESG
Cenário europeu
Clara é a intenção de inserir na regulamentação brasileira a tendência mundial da preocupação com o recorte ESG. Nesse sentido, importante traçar um paralelo com o cenário europeu. A União Europeia tem feito grandes esforços para colocar o ESG na linha de frente dos investimentos. Prova mais recente — e concreta — foi dada pela Comissão Europeia com a adoção do Regulamento Delegado (EU) 2021/1253, de 21 de abril de 2021, que altera o Regulamento Delegado (EU) 2017/565 no que diz respeito à integração dos fatores, dos riscos e das preferências de sustentabilidade em determinados requisitos em matéria de organização e nas condições de exercício da atividade das empresas de investimento, com aplicação a partir de 2 de agosto de 2022.
Esse conjunto de regras a serem aplicadas à atividade das empresas de investimento está em linha com a estratégia escolhida pela Europa para fomentar o compromisso de neutralidade climática e aumentar a transparência na identificação de oportunidades de investimento sustentável, que permitam propiciar uma vida saudável aos cidadãos e a proteção do capital natural e da biodiversidade. Não obstante o fator climático ser o de maior relevância, o regulamento é muito mais amplo e visa, igualmente, incentivar investimentos nas empresas que estejam em linha com fatores sociais e de governança.
Padronização para ativos
No cenário europeu, a falta de padronização e a ausência dos critérios comuns que devem ser seguidos pelos fundos de investimento para que possam receber o selo verde representam a “ponta solta” que atualmente está sendo enfrentada pelos reguladores. Por isso, a União Europeia está trabalhando em uma regulamentação que determine o que pode e o que não pode ser comercializado como um ativo sustentável ou ESG, organizando o mercado de capitais. Espera-se um alinhamento central, benéfico ao mercado, já que a falta de regulação da própria União Europeia tem feito com que autoridades de cada país acrescentem interpretações e requisitos adicionais que não encontram, necessariamente, respaldo nas normativas comunitárias.
Percebe-se, assim, que não só o Brasil, mas também grandes potências estão taratando apenas agora da legislação e da adequação sobre o tema ESG, apesar de a discussão em torno dessa matéria já durar alguns anos. É um ponto positivo para o País, que tem, nos últimos anos, trabalhado muito —principalmente no âmbito regulatório da CVM — na adequação da legislação para fomentar o mercado e torná-lo atrativo e seguro.
Espera-se que não só as grandes corporações passem a adotar um rigoroso método alinhado aos preceitos de ESG, por exigência da CVM, mas que essas práticas se estendam a pequenas e médias empresas e startups. Isso melhoraria o posicionamento desses negócios nos mercados interno e externo, gerando valor e atraindo talentos.
Mudança estrutural
Iniciativas como a Resolução 59 não buscam apenas criar conceitos ou legislações: pretendem mudar o mercado como um todo. Em cada era da indústria e dos investimentos percebeu-se um enfoque específico, fomentado pela regulamentação jurídica — aumento da produção, industrialização em massa, determinação de padrões de consumo, criação de tecnologias, entre outras frentes. Agora, tenta-se atrelar todos esses fatores a questões sociais, unindo companhias e investidores em prol da cultura da diversidade, da preocupação ética e do tão urgente tema ambiental.
É certo afirmar que as políticas, práticas e dados ESG nas corporações e em decisões de investimento poderão não só diminuir a exposição a risco e maximizar retornos financeiros, mas permitir ao investidor decidir qual impacto seu capital terá na sociedade e no meio ambiente. Ao incluir preceitos de disclousure de informações em âmbito ESG, a CVM busca adequar as companhias, mas também visando que o investidor tenha consciência da alocação do seu capital, vertendo seus esforços para as companhias que prezem pelas práticas sustentáveis.
Cássia Rangel Monteiro ([email protected]) e Nathália Fernandes Gonçalves ([email protected]) são advogadas do escritório L.O. Baptista em São Paulo. Angela Theodoro ([email protected]) e Carlos Rebolo ([email protected]) são advogados do escritório TR – Theodoro Rebolo & Associados, em Lisboa
Leia também
Os perigos do esvaziamento da CVM
Decisão da CVM sobre fundo imobiliário gera apreensão no mercado
Novo marco legal do câmbio oferece segurança jurídica ao mercado
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui