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Tragédia da Samarco expõe limitações da gestão convencional
Jacques Demajorovic* (Ilustração: Rodrigo Auada)

Jacques Demajorovic* (Ilustração: Rodrigo Auada)

O rompimento da barragem da Samarco em Mariana, Minas Gerais, o maior desastre ambiental causado por vazamento de resíduos de mineração da história, completou seis meses sem que se tenha esclarecido suas circunstâncias e sem definição sobre uma compensação financeira das comunidades atingidas. A extensão dos danos caracteriza o acidente como um evento típico da sociedade de risco, conforme discutido por Ulrich Beck em obra clássica de 1992. Para ele, a multiplicação das ameaças socioambientais levou à substituição da antiga sociedade industrial pela sociedade de risco — a primeira marcada por conflitos em relação a produção e distribuição de riqueza; a segunda baseada no conflito em torno de produção e distribuição dos riscos. O desenvolvimento técnico-científico, subordinado à lógica de contínua elevação de competividade, aumenta riscos e cria formas de contaminação nunca antes observadas — casos de Bhopal (1984), Chernobyl (1986) e Exxon-Valdez (1989).

Beck diz que esses acidentes já não podem ser entendidos como fatalidades, mas sim como algo que expõe a incapacidade do conhecimento construído no século 20 para controlar seus efeitos deletérios, como mostram os casos recentes do vazamento de óleo da British Petroleum no Golfo do México (2010), a liberação de material radioativo em Fukushima (2011) e o incêndio no terminal de combustível da Ultracargo no Porto de Santos (2015).

A mineração sempre foi associada a grandes impactos socioambientais e, por isso, convive com a pressão de distintos stakeholders. O maior rigor da legislação ambiental e os conflitos com as comunidades locais exigem das empresas transição da estratégia que prioriza aspectos econômicos para uma nova forma de fazer negócios que gere valor para esses stakeholders. As empresas não podem mais se restringir a atender os requisitos legais obrigatórios: precisam também de uma licença social para operar. Trata-se da construção da legitimação das operações com base em transparência, que potencialize os impactos positivos da mineração — geração de renda e desenvolvimento local.

O caso da Samarco é emblemático. Primeiro pelas características singulares da catástrofe. Os 62 milhões de m³ de lama que vazaram equivalem a duas vezes e meia o volume do segundo pior acidente do gênero, em agosto de 2014 no Canadá. O mar de resíduos destruiu duas cidades, causou 19 mortes, fez 500 vítimas e provocou a falência de ecossistemas da bacia do Rio Doce até o litoral do Espírito Santo. Além disso, a magnitude do acidente expõe um paradoxo pouco comentado. O relatório de sustentabilidade da Samarco ressalta vários elementos da licença social como pilares de seu modelo de gestão.

A empresa também tinha elevada reputação, como mostram os reconhecimentos obtidos pelos seus programas de responsabilidade social e relacionamento com stakeholders. O relatório de sustentabilidade de 2013 mostra que, de 1,7 mil pessoas entrevistadas em 2012 em comunidades do entorno dos projetos em Minas Gerais e no Espírito Santo, 72% tinham uma imagem muito favorável da empresa.

Nesse cenário emerge uma questão fundamental: como foi possível que uma empresa com essa reputação pudesse estar no centro de uma tragédia dessa magnitude? Afinal, além do impacto socioambiental, o desastre afetou as controladoras da Samarco, Vale e BHP Biliton, que tiveram fortes perdas de valor de mercado (a situação levou a BHP a reavaliar sua política de investimento em projetos em que não tem controle majoritário).

Episódios como esse expõem as limitações dos modelos convencionais de gestão, nas esferas pública e privada, e fazem emergir a fragilidade do processo de licenciamento ambiental e a fiscalização — além disso, fica evidente a vulnerabilidade das comunidades locais. A reputação da empresa parece construída sobre bases muito pouco sólidas.

A aprovação da PEC 65/2012 pela comissão de Justiça do Senado, que desfigura o licenciamento ambiental, parece só agravar o quadro. A fragilização do processo licitatório não é boa para a sociedade, nem para as próprias empresas, nem para os investidores — tendo em vista que potencializa a possibilidade de conflitos sociais capazes de impactar significativamente os negócios com paradas na operação. Portanto, cabe ao governo e à sociedade o papel de árbitro das atividades empresariais. Isso requer modelos de governança transparentes, abertos ao diálogo e que considerem as expectativas não apenas dos públicos de interesse tradicionais, como acionistas, mas também um conjunto de stakeholders afetados pelo empreendimento, destacando-se as comunidades do entorno.


*Jacques Demajorovic ([email protected]) é professor do programa de pós-graduação em Administração/Centro Universitário da FEI. Colaboraram Ana Lucia Frezzatti, sócia-diretora da Equilíbrio Socioambiental, e Juliana Lopes, diretora do CDP para América Latina.


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