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Proposta inusitada põe em xeque SPEs no mercado imobiliário
Alberto Mattos de Souza*

Alberto Mattos de Souza*

O modus operandi do mercado imobiliário no Brasil foi colocado à prova no último trimestre. A recuperação judicial da incorporadora e construtora Viver, empresa de capital aberto, gerou dúvidas quanto à eficácia e à segurança jurídica dos dois principais modelos de estruturação dos negócios no setor: a sociedade de propósito específico (SPE) e o patrimônio de afetação.

A Viver requereu, em seu processo de recuperação judicial, a chamada “consolidação substancial” — propôs a elaboração de um único plano para concentrar todos os projetos de suas subsidiárias, incluindo os desenvolvidos sob SPEs e os submetidos ao patrimônio de afetação. Na prática, isso significa que, caso a tese seja acolhida em definitivo pelo Poder Judiciário, a independência financeira e jurídica entre os projetos simplesmente deixará de existir.

Para contextualizar essa situação ímpar, é importante relembrar alguns fatos determinantes para a construção do atual modelo de gestão e operação do mercado imobiliário nacional. O ponto mais emblemático está no ano de 1999, marcado pela falência de Encol (uma das maiores incorporadoras do País naquele momento), que prejudicou dezenas de milhares de consumidores e funcionários. A experiência do caso levou o mercado a procurar alternativas para que o trágico enredo não se repetisse ou pelo menos fosse mitigado em outras oportunidades.

Foi a partir daí que as incorporadoras passaram a desenvolver seus projetos por meio de SPEs. Trata-se de sociedades empresárias, sob a forma de S.A. ou limitada, que têm por objeto o desenvolvimento de um determinado empreendimento, com a segregação de suas contas em relação aos outros projetos realizados simultaneamente pela incorporadora. A estrutura confere segurança patrimonial àquele específico negócio, de modo a evitar que os passivos de uma empreitada malsucedida os contaminem — e a todos os demais. O modelo também se mostrou uma forma eficiente de regulação das participações de duas ou mais incorporadoras em projetos desenvolvidos em parceria.

Um pouco mais tarde, foi editada a Medida Provisória 2.221/01, posteriormente revogada pela Lei 10.931/04, que introduziu o patrimônio de afetação. Com esse instrumento, o incorporador — mediante requerimento ao oficial de registro de imóveis competente — segrega determinado empreendimento dentro da estrutura da própria holding incorporadora ou de uma subsidiária.

A segregação dos resultados e dos riscos dos empreendimentos, seja por meio da SPE ou do patrimônio de afetação (ou dos dois combinados), foi fator determinante para o fomento do mercado em operações de crédito destinadas tanto à produção quanto ao cliente final. Isso porque o banco financiador concentra a sua análise de risco, basicamente, sobre o projeto específico, e não sobre a empresa como um todo.

Pois o pleito da Viver vai justamente na contramão do que foi idealizado e adotado pelo mercado, e pretende ver reconhecida uma forma ultrapassada de atuação, expurgada pelas empresas e pela própria lei.

Amparado pelo parecer do administrador judicial, o juízo determinou a exclusão dos projetos que adotam o patrimônio de afetação do plano de recuperação. Mas, ao contrário da expectativa de boa parte do setor, determinou a consolidação substancial de todas as demais SPEs dentro da recuperação judicial.

Até que tenhamos o julgamento final pelo Judiciário, a questão, como se percebe, deixa profundas marcas no setor imobiliário, à medida que relega à figura das SPEs apenas a função de segregação das contas, afastando por completo a sua função protetiva patrimonial.

Centenas de projetos foram financiados amparados pela agora abalada SPE. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), são cerca de 5 mil incorporações que não contam com o patrimônio de afetação.

O desenrolar desse tema é de grande relevância para o mercado imobiliário, para os bancos e todo o mercado de capitais — que, talvez, terão novamente de se reinventar. Enquanto isso, faz-se necessário mitigar os riscos dos negócios em curso, e registrar o patrimônio de afetação para aqueles projetos que não contam com esse instrumento se mostra medida bastante prudente.


*Alberto Mattos de Souza ([email protected]) é advogado especializado em direito imobiliário e sócio de PMMF Advogados


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