CVM analisa sugestões para regulação de recompra de debêntures
Lacuna deixada pela reforma de 2011 da Lei das S.As. engessa gestão da estrutura de capital das empresas emissoras
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*Gustavo Secaf Rebello | Ilustração: Julia Padula

Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciou uma audiência pública em torno da minuta de instrução para regulação do resgate e da aquisição (em conjunto, recompra) de debêntures pelas próprias companhias emissoras1.  A iniciativa busca preencher uma lacuna regulatória que adveio da reforma legislativa da Lei das S.As., feita em 2011, em relação ao resgate parcial de debêntures cotadas a preço inferior ao seu valor nominal unitário2 e à aquisição facultativa por valor superior ao nominal3.

Com a reforma de oito anos atrás, a Lei das S.As. passou a estabelecer que o resgate de debêntures por preço inferior ao seu valor nominal unitário ou a aquisição facultativa de debêntures por preço superior ao seu valor nominal unitário só poderia ocorrer de acordo com regras estabelecidas pela CVM — normas ainda hoje não editadas, hiato que a autarquia agora quer eliminar.

Em decorrência das limitações impostas por esses dispositivos legais, hoje a recompra de debêntures pelas próprias emissoras normalmente se dá por um de três mecanismos: resgate antecipado das debêntures, desde que o preço no caso de resgate parcial seja superior ao valor nominal unitário; amortização extraordinária das debêntures; aquisição facultativa de debêntures por valor igual ou inferior ao valor nominal unitário.

Esses mecanismos, no entanto, embora amplamente utilizados pelo mercado de capitais brasileiro, têm suas restrições legais. No caso de resgate parcial de debêntures, as emissoras são obrigadas a fazer sorteio, o que pode acarretar em tratamento não equitativo aos debenturistas. Já na amortização extraordinária, que incide exclusivamente sobre o valor nominal, as emissoras acabam impossibilitadas de adquirir a totalidade das debêntures e, portanto, não podem cancelar os papéis se assim desejarem — como eles não serão integralmente pagos, continuarão em circulação no mercado.

Na situação de aquisição facultativa de debêntures por valor igual ou inferior ao seu valor nominal unitário, além de se tratar de uma hipótese que pode ou não ser aceita pelos debenturistas, a reforma legislativa acabou não esclarecendo se poderiam ser acrescidos a esse valor nominal unitário os juros remuneratórios e/ou a atualização do valor nominal unitário das debêntures, o que também acabou gerando discussões em torno de sua abrangência legal e dificultando sua aplicabilidade.


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Nenhum desses mecanismos é perfeito, e as restrições existentes — somadas à ausência de regulamentação da CVM — acabaram limitando os mecanismos para recompra, pelas emissoras, de debêntures de sua emissão. A consequência é o engessamento das possibilidades que as emissoras têm para fazer a gestão cotidiana de suas estruturas de capital durante a vida das debêntures.

Diante desse contexto, a audiência pública foi muito bem recebida pelo mercado, tendo gerado expectativas relacionadas a possíveis novas estruturações de emissões de debêntures e ao fomento e aumento da liquidez do mercado secundário. A CVM se mostra disposta a dar (algum) tratamento às restrições impostas pela atual legislação e regulamentação aplicáveis ao resgate ou à aquisição de debêntures pelas próprias emissoras e a permitir que essas empresas adquiram debêntures por valor superior ao seu valor nominal unitário, o que gera atratividade para alienação, pelos debenturistas, desses valores mobiliários no mercado secundário.

Importante ressalvar que a nova minuta de instrução, se e quando editada, deverá ser obrigatoriamente observada nas aquisições feitas por preço superior ao valor nominal unitário ajustado (conforme definição que pretende ser estipulada pela nova instrução, fortalecendo o entendimento do mercado sobre a incidência da remuneração e demais ajustes monetários nas aquisições de debêntures por preço igual ou inferior ao valor nominal unitário), e nos resgates parciais, nos casos em que o preço de resgate for inferior ao valor nominal unitário ajustado, sem alterações para os demais mecanismos usados pelo mercado.

Nesses novos casos, as alternativas constantes da minuta de instrução, em maior ou menor grau, oferecem soluções para as restrições. O texto diz que será facultado à emissora adquirir a totalidade das debêntures ofertadas, mesmo que acima dos montantes inicialmente previstos, realizar um rateio proporcional entre os debenturistas (que é diferente de um sorteio) ou efetuar coletas de intenção de venda similar ao procedimento de bookbuilding para determinar quais debêntures serão adquiridas de acordo com o volume inicialmente proposto pelas emissoras e com base em que percentual de prêmio.

Será importante, apenas, a CVM assegurar que, com a nova instrução, não sejam impostas novas limitações ou dúvidas quanto ao exercício de direitos pelas emissoras, como, por exemplo: mediante a revisão do prazo para exercício, pelas emissoras, de seu direito de recompra ou aquisição de debêntures, que, de acordo com a minuta de instrução, atualmente é de até 45 dias; mediante a revisão das informações que efetivamente deverão ser prestadas ao mercado pelas emissoras no momento da proposta de recompra, diferenciando as informações e a forma de divulgação de acordo com a natureza dessas empresas (sociedades com ou sem registro de emissor de valores mobiliários perante a CVM); mediante eventual necessidade de estabelecimento de prazo de lock-up às emissoras para evitar distorções indesejadas no mercado secundário e dar maior segurança às emissões; e mediante análise e esclarecimento da aplicabilidade da minuta de instrução às debêntures conversíveis em ações que, no atual regramento (Lei das S.As. e regulamentação da CVM), acabam se assemelhando mais às ações que às debêntures e se seriam impostos limites para essa aplicabilidade.


*Gustavo Secaf Rebello ([email protected]) é sócio do escritório Machado Meyer, especialista em direito dos negócios


Notas

1Nos termos do artigo 55, parágrafos 2° e 3° da Lei 6.404/76, conforme alterada.

2§2º do artigo 55 da Lei 6.404/76

3§3º do artigo 55 da Lei 6.404/76


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