Os mercados de ativos digitais são hoje globais e bastante desenvolvidos, mas foram projetados para atender clientes de varejo — e não investidores institucionais. Dentre as reclamações dos que têm maior capacidade para fazer aportes financeiros em criptoativos estão falta de liquidez, regulamentação insuficiente e questões relacionadas a confiabilidade, taxas e riscos operacionais.
No final do último mês de setembro, passou a funcionar o ambiente de negociação da Bakkt, em que estão disponíveis contratos futuros com entregas físicas de bitcoins. Controlada pela Intercontinental Exchange (ICE), dona da New York Stock Exchange (NYSE), a Bakkt pretende fornecer um ecossistema confiável para os participantes do mercado, estabelecendo padrões e procedimentos de nível internacional e já adotados em outros mercados financeiros regulados tradicionais.
Após uma grande expectativa e um atraso em relação à previsão de inicial de funcionamento (o final do ano passado), a Bakkt fechou sua primeira execução de ordem na bolsa de futuros da ICE a um preço de 10,115 dólares, conforme informou a empresa em um post no Twitter. Diferentemente da concorrente CME Group, que lançou contratos futuros em dezembro de 2017 com liquidação financeira das posições, a Bakkt faz o pagamento em bitcoins. Ocorre que o início das operações deixou a desejar. Na primeira semana, o volume acabou ficando bem abaixo do imaginado, não ultrapassando 1 milhão de dólares por dia. Como comparação, a BitMex, a maior exchange de futuros de criptoativos do mundo, transaciona um volume diário superior a 1 bilhão de dólares.
Evidentemente, é preciso aguardar os primeiros meses de funcionamento da Bakkt para se observar se o mercado vai gerar a liquidez necessária para o sucesso da iniciativa. Mas não se pode esquecer de que a primeira bolsa de contratos futuros de bitcoins, criada pela Chicago Board Options Exchange (CBOE) em 2017, foi encerrada em junho deste ano, exatamente por falta de movimentação. A liquidez é o que leva os investidores institucionais a procurar por exchanges menos reguladas, reduzindo seus custos operacionais, mesmo que isso gere potenciais riscos.
Para a iniciativa não padecer de falta de liquidez e crescer entre os investidores institucionais, os desenvolvedores da Bakkt apostam num diferencial em relação aos concorrentes, oferecendo uma série de estruturas e garantias que as demais exchanges não têm. Entre elas há uma clearinghouse entre o comprador e o vendedor, com um colateral sendo coletado para cobrir riscos de contraparte. O bitcoin entregue na liquidação do contrato é armazenado pela própria Bakkt, que recebeu uma licença do Departamento de Serviços Financeiros de Nova York para operar como custodiante qualificada para ativos digitais.
Adicionalmente, a ICE contribuiu com 35 milhões de dólares para um fundo de garantia, especialmente destinado à cobertura de eventuais perdas com contratos com bitcoins. É importante ressaltar que certas garantias de liquidação de contratos podem não ser honradas em momentos de grande volatilidade no preço do bitcoin, o que ocorre de tempos em tempos. Há, ainda, uma espécie de seguro contra prejuízos relacionados à ação de hackers, de até 100 milhões de dólares. Atualmente, em caso de roubo de bitcoins, a perda acaba sempre sendo socializada no conjunto de participantes do mercado. O pagamento dos sinistros está assegurado por um sindicato de seguradoras baseado em Londres.
Essa estrutura fornecerá o primeiro ambiente regulamentado de ponta a ponta: o bitcoin será armazenado em um custodiante regulamentado e seus derivativos negociados e ajustados em uma câmara de compensação regulamentada. Isso significa que os investidores terão a
cesso à mesma infraestrutura de alto desempenho, troca de baixa latência e compensação que alimenta muitos dos mercados futuros mais líquidos do mundo.
*Carlos Russo ([email protected]) é head de investimentos da Transfero Swiss AG
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