Precisamos de um código único de governança?
Sandra Guerra x Adelmo S. Emerenciano

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Quando 11 entidades do mercado decidiram se unir, no início de 2013, no Grupo de Trabalho Interagentes (GT Interagentes), já pairava a sensação de que a evolução dos regramentos de governança corporativa — que na década passada servira como atrativo adicional para o aporte de capitais externos no País — havia estagnado. Enquanto nosso movimento virtuoso de definição de melhores práticas, que culminou com o lançamento do Novo Mercado da BM&FBovespa, foi se esvaindo, outros emergentes cuidaram de avançar.

A percepção ganhou solidez quando o grupo mapeou 56 mercados que deram vida a códigos “únicos” ou “nacionais”. Do Chile à Tailândia, eles se multiplicaram. Lançado em 1992 no Reino Unido, o Cadbury Report foi o primeiro de uma série de conjuntos de diretrizes que viriam a ser formulados e o pioneiro no uso do sistema “pratique ou explique”, que dispensa o cumprimento de recomendações desde que se expliquem os motivos.

Abordagem “pratique ou explique” proporcionará liberdade de escolha

Assim como o Cadbury Report evoluiu para o atual UK Corporate Governance Code, diretrizes de adoção voluntária foram substituídas por códigos mais abrangentes, quase sempre sob a liderança de representantes do Estado e da iniciativa privada. No Brasil, o GT Interagentes, com participação de CVM e BNDES como observadores, lidera o processo de criação do Código Brasileiro de Governança Corporativa. A CVM viu com bons olhos a iniciativa e entendeu ser preferível adotar um documento originado pelos agentes de mercado a impor um do próprio regulador — o que ocorreria se o GT não o produzisse.

Entre os benefícios de um código nacional, está a comparabilidade, fundamental para a decisão dos investidores globais. Como as práticas de governança das empresas podem ser comparadas sem um conjunto único de critérios observado por todas? Por aqui, há no mínimo quatro referências: o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o código da Abrasca, as diretrizes da Previ e a cartilha da CVM.

Outra pesquisa do GT Interagentes mostrou que, para 69% dos profissionais do mercado de capitais, a harmonização entre as regras de autorregulação é de “alta relevância”; e para 63,3%, há sobreposição de competências e normas. Um código nacional elimina duplicidades, reduz custos de execução e monitoramento e simplifica o aperfeiçoamento da governança, ao apresentar um direcionador único.

Sendo “pratique ou explique”, o código proporcionará liberdade. As empresas poderão respeitar contextos particulares, não tendo de adotar todas as práticas compulsoriamente. Bastará prover justificativas convincentes e demonstrar que os desvios também criarão valor. Não é por acaso que, dos 56 códigos internacionais, 45 seguem o modelo “pratique ou explique”. A responsabilidade das partes interessadas também será ampliada — especialmente a do investidor, a quem caberá analisar as justificativas de não aderência para reavaliar sua alocação de capital.

A criação de um código nacional “pratique ou explique” promoverá um salto de qualidade, sinalizando a preocupação em nos manter atualizados com o que há de mais avançado em governança corporativa. Transformará, ainda, os principais agentes — empresas e investidores — em protagonistas das próprias escolhas.

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Incapaz de produzir as próprias análises e construir soluções adequadas à sua realidade, o Brasil é divulgador e reprodutor de cultura e práticas alheias. No mundo corporativo não é diferente. Como se a máxima “o que é bom para europeus e americanos é bom para o Brasil” fosse um imperativo motivador para se obter reconhecimento e prestígio.

Assim, mal compreendemos uma teoria ou regulação e já produzimos congressos, debates, livros e palestras. As empresas mudam práticas para atender ao último hit de algum guru — em finanças, estratégias, gestão de pessoas, marketing…

Acreditamos que para qualquer situação basta criar uma lei ou regulamento e, por mágica, a realidade se transforma. Esquecem os incautos que para além de regras e punições há a incorporação da prática, que não se dá por decreto. São indispensáveis adensamento, crença e consciência de que a regra é justa e adequada ao fim a que se destina e que esse fim é de interesse dos destinatários. Nem direitos podem ser impostos — assim como os deveres impostos, serão descumpridos ou só formalmente cumpridos.

A governança deve ser produzida conforme características particulares

O cotidiano é a melhor prova: empresas envolvidas em recentes escândalos têm regras de compliance, assinaturas em FCPAs, ouvidorias, códigos de conduta, submissão à SOX, compromissos com o Novo Mercado, conselheiros independentes etc. De que adiantou?

A exagerada proatividade da burocracia do Estado, e de associações e órgãos de proteção, cria uma rede que disputa o protagonismo de pautas fora das prioridades do interessado. O excesso anestesia o protegido, impossibilitando definição sobre se o que se protagoniza é mesmo de seu interesse. Esse modelo de ação nulifica e secunda o próprio protegido, tornando-o um sub-representado em suas verdadeiras prioridades, o que tira da sociedade o direito de vivenciar problemas, resolver questões e formar convicções. Quanto mais leis, mais Estado, menos sociedade civil.

É nesse contexto que, a meu ver, se enquadra a tentativa de imposição de um código de governança único, capitaneado por um órgão do Estado (a CVM) — que declara ter “pressa” em impor o código como modelo de conduta, e, pior, de maneira punitiva (“adote ou explique”) e não recompensatório.

A governança corporativa — nos propósitos de mediar conflito de agência, incrementar transparência e assegurar sustentabilidade aos negócios — deve ser produzida por cada companhia, conforme suas características e mercado, grau de concentração de ações, nível e natureza de dispersão e interesses dos acionistas. Esse tipo de afirmação faz sentido em um mercado como o nosso, em que são poucas as empresas com capital de fato pulverizado e prevalecem investidores qualificados.

Não há modelo de governança que não advenha de prática e pressão dos investidores. Os modelos anglo-saxão e nipo-germânico, referências básicas, são frutos de exigências, escândalos e boas práticas vivenciadas por seus investidores e stakeholders. Copiar ou misturar regras que não defluem da experiência dos partícipes pode ser a reunião de intenções boas, mas incondizentes com a cultura e o desejo dos destinatários. Não se trata de negar legitimidade aos atores, mas tão somente de lembrar que de boas leis o inferno brasileiro está cheio. Basta de fantasias.


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