A exigência de free float mínimo para as companhias listadas nos segmentos especiais da BM&FBovespa representou importantíssimo avanço para o mercado de capitais brasileiro. Ela oxigenou a base acionária de muitas de nossas companhias abertas e criou proteção adicional contra as hipóteses de “fechamento branco” de capital.
Contudo, diante da experiência acumulada de mais de 15 anos, parece evidente que a disciplina atual do tema deve ser ajustada — até para que possa efetivamente atingir os objetivos expressamente fixados pelo autorregulador (ofício BM&FBovespa 059/2012-DP): criar condições para o exercício, por acionistas não controladores, de direitos e prerrogativas previstos em lei e assegurar nível mínimo de liquidez, para favorecer a precificação dos ativos listados e mitigar riscos de saída dos investidores.
Em matéria de prerrogativas políticas dos minoritários, uma falha do regulamento em vigor — agravada pela interpretação literal que aparentemente prevalece na BM&FBovespa — diz respeito à própria definição de “ações em circulação”. Como se sabe, o free float é delimitado por exclusão, compreendendo todas as ações exceto as golden shares (classe especial resultante de desestatização) e aquelas que pertencem ao controlador e pessoas vinculadas, à própria sociedade (tesouraria) ou a “administradores da companhia”.
A norma, entretanto, não cria nenhuma ressalva para os administradores nomeados pela minoria social, notadamente membros do conselho de administração eleitos por voto múltiplo ou votação em separado, nos termos do artigo 141 da Lei das S.As. Desse modo, se um minoritário é eleito conselheiro de administração, sua participação no capital deixa de ser considerada parte das ações em circulação da companhia.
Paradoxos justificam uma revisão da disciplina atual
Não faz nenhum sentido, porém, tratar como redução do free float (com toda a sorte de dificuldades práticas para a companhia e seus acionistas controladores) um cenário que, justamente, confirma e atesta a suficiência das ações em circulação como base para o bem-sucedido exercício de um dos mais importantes direitos de minoria.
Vale recordar que, na realidade brasileira, pela alta concentração do capital e por questões tributárias (tratamento do ganho de capital), é muito comum que pessoas naturais detenham, diretamente, participações minoritárias extremamente significativas.
Em relação ao tema da liquidez, as regras existentes estão focadas apenas na quantidade de ações em circulação, sem qualquer ponderação quanto à qualidade e à estrutura concreta do free float.
Por exemplo: se três fundos de pensão não vinculados ao controlador detêm 25% do capital de uma companhia de modo totalmente estático, com horizonte de investimento de décadas e sem qualquer perspectiva de negociação em curto prazo, haverá obviamente menores possibilidades de monetização do investimento de pequenos acionistas do que na hipótese em que apenas 10% das ações estão pulverizadas entre milhares de pessoas, com grande volume médio de negociação. O primeiro cenário está de acordo com a atual disciplina e o segundo não.
Esses são apenas dois exemplos de paradoxos que justificam uma revisão da disciplina atual do free float para os segmentos especiais de listagem da BM&FBovespa.
O regulamento de listagem do Novo Mercado da BM&FBovespa estabelece que as companhias listadas nesse segmento especial de negociação devem manter um percentual mínimo de ações em circulação (free float) correspondente a 25% do capital social.
A regra em questão tem duas finalidades: estimular a liquidez das ações negociadas naquele segmento de listagem e possibilitar que acionistas minoritários exerçam direitos e prerrogativas para os quais a Lei das S.As. exige a titularidade de determinada participação acionária.
De maneira geral, a exigência de manutenção de free float mínimo, tal como atualmente formulada, parece ser adequada aos fins a que se propõe.
Em primeiro lugar, a manutenção de free float mínimo é ao menos um incentivo relevante para a existência de um número expressivo de compradores e vendedores — e, consequentemente, para a formação de um ambiente em que os negócios de compra e venda possam ser celebrados com agilidade e adequada precificação dos ativos.
Em segundo lugar, a regra atual assegura a configuração do pressuposto lógico — ou seja, a titularidade de percentuais acionários mínimos — para o exercício de direitos de minoria previstos na Lei das S.As. (e.g. nos artigos 4o-A, 141 e 159). Isso não se confunde, naturalmente, com o efetivo exercício desses direitos; assim, não faz sentido que se critique a regra por sua eventual falta de efetividade em determinadas companhias.
Regra é suficiente para atingir o objetivo de sua criação
Por outro lado, é verdade que a manutenção do percentual mínimo de ações em circulação previsto no regulamento de listagem nem sempre levará à consecução dos objetivos buscados pela regra. Nesse sentido, a exigência de free float mínimo não necessariamente assegurará que as ações de uma companhia tenham liquidez. Não obstante, ainda não se concebeu, no Brasil, um modelo regulatório que vise a assegurar a liquidez de um papel — aspiração talvez inalcançável, na medida em que a existência de liquidez depende do comportamento de diversos agentes de mercado, e não apenas da quantidade de ações em circulação. Caso a regra fosse diferente — exigindo, por exemplo, parâmetros mínimos de negociação diária, com a aplicação de sanção ao acionista controlador e à companhia em virtude da eventual “perda de liquidez” —, ela possivelmente representaria grave desincentivo para que as companhias aderissem ao Novo Mercado.
Além disso, a definição de “ações em circulação” prevista no regulamento de listagem (retirada, quase integralmente, da Lei das S.As. e da Instrução CVM 361/02) poderia criar dificuldades práticas para a manutenção de free float mínimo em casos específicos, como o de acionista minoritário que se elege administrador e, automaticamente, reduz o percentual de ações em circulação. Contudo, é justamente para essas situações excepcionais que o regulamento, no item 3.2., prevê a possibilidade de adoção de soluções excepcionais.
Por esses motivos, o regulamento de listagem parece ter feito o que estava ao alcance do autorregulador: criar condições estruturais mínimas para o aprimoramento do mercado de capitais. Não se poderia esperar mais do que isso de uma norma dessa natureza, tampouco se atribuir a ela os eventuais insucessos decorrentes de circunstâncias e fatores mais amplos.
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