Durante esses vários anos de colaboração para a CAPITAL ABERTO, sempre me dediquei a abordar temas históricos e econômicos. Desta vez vou fazer diferente: dado o atual quadro político, decidi comentar um assunto literário, que se encaixa como uma luva em nosso panorama.
Em 7 de julho de 1981, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna publicou, no antigo Caderno B do Jornal do Brasil, um poema denominado “A Implosão da Mentira” (http://bit.ly/2hWV3bH). Era uma ácida crítica aos pronunciamentos públicos dos corifeus do regime militar, que já estertorava. A segunda estrofe era impactante:
“Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.”
Passados praticamente 36 anos, assistimos a uma incômoda proliferação de mentiras, burlas, embustes, falsidades, farsas, imposturas, lorotas, patranhas, petas e demais termos correlatos que podem definir esses engodos. As declarações são de diversos tipos, sempre negaceando, tentando iludir o público.
Vão desde a pura e simples negativa de evidências solares — por exemplo, a propriedade de bens imóveis, como um sítio e um tríplex — até solenes alegações de que a Justiça irá esclarecer os fatos. Exibem-se laranjas e testas de ferro de todos os tipos e tamanhos; bazófias de que as doações foram registradas e aceitas pela Justiça Eleitoral. Há também frases soltas, como “não sabia do caixa dois”, “isso é o que todo mundo sempre fez” ou “só vamos nos manifestar nos autos”.
O poema é extenso, não cabe nestas poucas linhas. Mas cabe pelo menos mais uma citação: adiante, Sant’Anna, com sua lucidez, indicava que aquelas balelas, imposturas e lorotas eram absolutamente inúteis. Não enganavam ninguém. Como na fábula, o rei estava nu.
“Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.”
De fato, neste ano de 2017 a verdade caminha em andrajos pelas ruas das cidades brasileiras — sobretudo em Brasília, capital de onde emana e prolifera a sordidez que nos governa. Impressiona a atualidade do poema de Sant’Anna, que não parece ter sido concebido há tantos anos. Ele emoldura o retrato triste da atualidade brasileira.
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