Órfã do amianto
Os efeitos da proibição do uso dessa matéria-prima nos negócios — e nas ações — da Eternit
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Não é sempre que questões de saúde pública influenciam os preços das ações de uma empresa na bolsa de valores. Mas é o que tem acontecido nos últimos anos com a fabricante de materiais para construção civil Eternit. Ficou notória ao longo do tempo no Brasil a pressão para o fim da produção e da venda de produtos que tenham amianto na composição, e no último mês de novembro a proibição foi efetivamente determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Antes estava liberado por lei federal o amianto do tipo crisotila, mas a permissão caiu por terra com a decisão do STF, que considerou não existir nível seguro para o uso do mineral ou de suas variedades. Dezenas de países já baniram qualquer espécie desse material, sob a alegação de que tem potencial cancerígeno. O amianto é matéria-prima principalmente para produção de telhas e de caixas d’água.

Ocorre que parte importante do faturamento da Eternit (22% no balanço do terceiro trimestre de 2017) vem exatamente do mineral crisotila. Some-se a esse problema a crise geral da construção civil no País decorrente da recessão, e o estrago está feito: as ações da Eternit, listadas no Novo Mercado da B3, caíram 30,3% em 2017, de acordo com dados da Economatica. Como resultado dos problemas com o amianto e da retração da construção civil — a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abtramat) estima em 5,3% a queda nas vendas de janeiro a setembro de 2017 em relação a igual período do ano anterior —, a receita líquida da Eternit caiu 17% no terceiro trimestre do ano passado na comparação com o período de julho a setembro de 2016, para 169,8 milhões de reais.

Três produtos basicamente sustentam a operação da Eternit: além do mineral crisotila, coberturas de fibrocimento (que responderam por 69% do faturamento no terceiro trimestre de 2017) e telhas de concreto (6%); louças e metais sanitários têm relevância menor (3% da receita). Entre julho e setembro do ano passado, as vendas de mineral crisotila pela Eternit, nos mercados interno e externo, caíram 32,2% em relação a igual período de 2016, mas o recuo, apenas considerando o Brasil, foi ainda mais expressivo, de 76,1%. Parte dessa perda foi compensada pelo aumento de 17,9% nas exportações do produto, especialmente para países asiáticos em que ele pode ser usado. A empresa também vendeu menos telhas de fibrocimento (redução de 15,4%), mas conseguiu ampliar em 24,6% as receitas advindas das telhas de concreto.

Reparação milionária

A extração e a comercialização do amianto crisotila, de acordo com a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), já são proibidas em pelo menos 75 países. No Brasil, um dos cinco maiores produtores de amianto do mundo, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Pernambuco e Amazonas, mesmo antes da decisão do STF, já haviam aprovado leis de restrição ao uso e à venda do mineral. “O problema da Eternit é que ela sofre pressões de dois lados: do mercado ruim e de um produto discriminado”, observa o analista-chefe da Planner Corretora, Mário Roberto Mariante. Não foi sem motivo, portanto, que as ações da empresa deixaram o patamar de 3 reais de 2014 para um preço em torno de 90 centavos no último mês de 2017, segundo a Planner.

Na visão de Sandra Peres, da Coinvalores Investimentos, o mau desempenho das ações da companhia está ligado mais a eventos relacionados à própria atuação da Eternit do que a circunstâncias negativas de mercado. E ela cita um exemplo. No último mês de agosto, a Justiça Federal na Bahia condenou a Sama Minerações Associadas —mineradora de crisotila controlada pela Eternit — a pagar 500 milhões de reais a título de indenização por danos morais coletivos. A punição é de tal vulto que supera o valor de mercado da companhia em 20 de dezembro de 2017, de 159,3 milhões de reais. “Tamanha multa praticamente elimina a empresa”, destaca Peres. A Justiça entendeu que, depois de explorar amianto entre os anos de 1940 e 1967 na jazida de São Félix (a cerca de 460 quilômetros de Salvador), a Sama teria negligenciado medidas necessárias para um seguro encerramento das atividades extrativistas. Sem uma proteção adequada, diz a Justiça, resíduos teriam contaminado um número indeterminado de pessoas na região — que deveriam ser compensadas por eventuais danos à saúde. A Eternit recorreu da decisão e aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª região.

Pouco depois do anúncio dessa condenação em primeira instância, a Sama — localizada no município goiano de Minaçu — foi fechada, em novembro de 2017, por determinação do STF. A Eternit também suspendeu as operações da Precon Goiás, fabricante de telhas de fibrocimento (produto que tem crisotila na composição). As operações de ambas foram retomadas em 21 de dezembro, graças à possibilidade de interposição de embargos de declaração no processo julgado pelo STF. Assim, até que se se esgote o prazo para esses embargos, a Eternit pode comercializar amianto em estados e municípios cujas leis não proíbam o uso do mineral; também pode retomar as exportações para mercados em que não haja restrições ao produto. Mas tantas e intrincadas questões judiciais, observa Peres, acabam desgastando a empresa aos olhos dos investidores. O problema, acrescenta, é a Eternit, mesmo diante de cenário tão adverso, ter continuado ancorada no amianto.

Substituição tardia

Em 27 de novembro, dois dias antes da decisão do STF sobre a Sama, a Eternit comunicou ao mercado que não usaria mais amianto na fabricação de telhas. A companhia diz estar substituindo o mineral por fibras sintéticas — mais precisamente por fios de polipropileno, fabricados numa unidade da companhia em Manaus, no Amazonas. Uma mudança como essa não se faz sem grandes investimentos — e eles também têm afetado os resultados, destaca a analista da Coinvalores Investimentos. A própria companhia admite isso. Em nota, afirmou que “o desempenho de suas ações em bolsa nos últimos meses pode ter sido influenciado pelas questões relacionadas ao amianto e pelo custo das reestruturações”.

Na avaliação de Peres, a Eternit cometeu um grande erro ao insistir no amianto em vez de antecipadamente se preparar para operar com outro tipo de matéria-prima. “Os concorrentes se anteciparam nessa substituição, enquanto a Eternit preferiu continuar usando o caminho dos recursos na Justiça para tentar provar que o amianto não é cancerígeno”, critica. Mariante, da Planner, tem opinião semelhante. “A empresa sempre dava um jeito de reverter a situação e manter as fábricas utilizando o produto”, afirma.

O lado positivo é que, em meio a essas turbulências, a Eternit ao menos buscou diversificar os negócios. Em 2010 adquiriu a Tégula, fabricante de telhas de concreto, unidade que integrou uma reestruturação em 2017 envolvendo o encerramento das atividades de quatro fábricas (no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, em Goiás e na Bahia). Hoje as operações estão concentradas na planta de Atibaia, no interior de São Paulo. Segundo a companhia, o plano teve o objetivo de adequar a empresa para operar em mercados com maior rentabilidade. Em 2011, a Eternit ingressou no mercado de louças adquirindo 60% da Companhia Sulamericana de Cerâmica (CSC), cuja fábrica está localizada em Caucaia, no Ceará. Três anos depois, essa unidade passou a produzir louças e metais sanitários — segmento ainda pouco representativo para o faturamento, mas com potencial de expansão.

Com a retomada da economia e, consequentemente, do setor de construção civil, Mariante acredita que o cenário pode mudar para a companhia. Ana Castelo, coordenadora de Estudos da Construção Civil do Ibre-FGV, já vê sinais claros de melhora, com a retomada dos lançamentos de imóveis e perspectivas de investimentos no setor. Mas a construção civil, ressalta, é feita de ciclos muito longos. “A recuperação leva tempo.” Até lá a Eternit vai precisar mostrar aos investidores que pode sobreviver sem o amianto.


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