Visão de futuro
Guararapes muda modelo de negócio e cai nas graças do investidor
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A aposta era alta: em um cenário de crise e demanda deprimida, investir milhões numa mudança radical dos sistemas de distribuição e de desenvolvimento de coleções. Poderia ter dado tudo errado, mas a Guararapes Confecções, controladora da rede varejista Riachuelo, agora pode comemorar o fato de ter conseguido aproveitar um momento ruim para se preparar para uma retomada — que, para o mercado fast fashion nacional, já começa a se desenhar. A nova lógica de distribuição, que garantiu aumento da margem bruta no último ano, foi o centro da estratégia, mas a companhia também inteligentemente ingressou em segmentos complementares ao mix de vestuário. E deu sorte. Enquanto fazia os ajustes, a confiança do consumidor melhorou e a inflação e os juros caíram, com flagrantes benefícios ao poder de compra e à oferta de crédito para o consumo. Quem consegue antecipar cenários e se preparar adequadamente quase sempre é premiado pelo mercado. Não foi à toa que as ações da Guararapes subiram 160,33% nos 12 meses anteriores ao último dia 7 de dezembro.

“Desde abril, vemos uma trajetória ascendente do varejo”, afirmou o presidente da Guararapes, Flávio Rocha, durante teleconferência com analistas para comentar os resultados do terceiro trimestre, no último dia 7 de novembro. Segundo ele, a empresa passa por uma “gradual e consistente” mudança no modelo de negócio, cujo marco foi a inauguração, em setembro de 2016, de um centro logístico em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Só em equipamentos a Guararapes investiu 200 milhões de reais.

O plano de mudança na distribuição, na verdade, foi iniciado em 2013. A ideia da empresa era alterar o sistema de abastecimento das lojas — no jargão do varejo, do sistema de “grades” para o “puxado”. No primeiro modelo, a empresa apostava que determinadas peças cairiam no gosto dos consumidores e enviava uma grande quantidade delas de uma só vez para os pontos de venda — e com um adicional para certos tamanhos que, se esperava, seriam os mais vendidos. O problema desse sistema é a necessidade de antecipação da vontade dos clientes: se as peças escolhidas realmente fizessem sucesso, ótimo; caso contrário, certamente haveria encalhes e remarcações, com perdas operacionais e financeiras. Com a adoção do sistema “puxado”, a Guararapes não distribui toda a mercadoria de uma vez: mantém as peças num estoque central e só faz envios para as lojas dependendo da demanda. “A empresa produz conforme vai vendendo, em vez de produzir um grande lote e distribuir todas as peças”, comenta Haroldo Monteiro, diretor da Planning & Management e coordenador do MBA Gestão em Varejo do Ibmec. “Isso é fundamental para uma varejista de moda, para reduzir os encalhes e limitar as liquidações, aumentando a margem”, completa.

Força industrial

A Guararapes tem um trunfo que a ajudou a implementar a mudança radical na distribuição. O grupo conta com uma divisão industrial, que produz exclusivamente para as 300 lojas da Riachuelo. Nos nove primeiros meses deste ano foram fabricadas 30,9 milhões de peças, um aumento de 3,1% na comparação com igual período de 2016. Com essa retaguarda, a companhia conseguiu adotar uma dinâmica de reposição diária para a maior parte da rede — ou de três remessas semanais para as lojas com menor fluxo. “A mudança já atende 200 lojas e vem melhorando os resultados trimestre a trimestre”, ressaltou Rocha na conferência. Segundo ele, os lançamentos hoje são praticamente diários, “o que permite a correção do rumo da gestão dos estoques dentro do período de vida de cada produto”. Esse ponto é importante no atual funcionamento do fast fashion: o ciclo da moda é cada vez mais curto, e uma peça que hoje vende bem pode não manter o sucesso por muito tempo. Acertar esse timing, para uma rede de varejo, é essencial para se afastar perdas financeiras relacionadas a remarcações.

Também têm papel importante nesse contexto as parcerias com estilistas famosos, o que ajuda a dar um quê de vanguarda de moda às coleções da Riachuelo — cujo público primordial é formado por mulheres das classes C e D, hoje com bastante acesso a informação de moda. O desenvolvimento de coleções é constante: atualmente, 85% das peças são produzidas ao longo da estação, uma agilidade essencial para mitigação do risco de encalhes.

Margem melhor

O balanço do terceiro trimestre comprovou que a avaliação do cenário e a operacionalização das alterações logísticas foram acertadas. A receita líquida por área média de vendas, importante indicador no varejo, teve alta de 14,7% entre julho e setembro deste ano na comparação com igual período de 2016, passando de 1.579 reais para 1.811 reais. Os efeitos positivos do novo sistema de distribuição igualmente aparecem na margem bruta consolidada de mercadorias, que teve crescimento de 3,5 pontos percentuais sobre o terceiro trimestre do ano passado, para 51,3%.

“O aumento da margem bruta indica que houve menos remarcações, um sinal do acerto das coleções”, observa o consultor e professor especializado na área de varejo da FGV-EAESP Juracy Parente. “Vemos sinais de execução consistentes no desenvolvimento das coleções, enquanto a empresa começa a colher os benefícios do novo centro de distribuição”, escreveram em relatório os analistas Guilherme Assis e Andres Estevez, do Brasil Plural. No terceiro trimestre deste ano, a Guararapes lucrou 50,4 milhões de reais, 183,2% mais que no período de julho a setembro de 2016. Considerando a comparação dos nove primeiros meses de 2017 com igual intervalo do ano passado, a alta foi ainda mais expressiva, de 273,5% (lucro líquido de 243,3 milhões de reais).

A Guararapes teve a sorte de terminar a lição de casa num ambiente econômico menos nebuloso. Tudo indica — pelo menos por enquanto — que o pior da crise do varejo já passou. De acordo com o balanço da companhia, as vendas pelo conceito “mesmas lojas”, que contabiliza o movimento nas unidades com no mínimo um ano de operação, subiram 11% no terceiro trimestre e 8,1% nos nove primeiros meses do ano. Para se ter uma ideia, um ano atrás o cenário era bem diferente: as vendas em mesmas lojas recuaram 2,2% no terceiro trimestre e 1,2% de janeiro a setembro. A situação vinha piorando desde meados de 2014, quando foi interrompida uma trajetória de quase seis anos de alta das vendas. De qualquer maneira, o céu ainda não é de brigadeiro. “Neste ano temos visto meses mais fortes e outros mais fracos, sem uma razão que justifique a instabilidade. É difícil identificar tendências”, comentou o diretor financeiro da Guararapes, Tulio Queiroz.

Nesse cenário desafiador, os ganhos gerados pela mudança nos sistemas de distribuição mais uma vez tiveram papel importantíssimo. De acordo com analistas, eles compensaram as pressões iniciais sobre a rentabilidade vindas da entrada da companhia em novos nichos de mercado. Em 2015, a Guararapes ingressou nos ramos de vendas de celulares e de itens de perfumaria. Trata-se de categorias que geram mais caixa por metro quadrado — pelo conceito de Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) — que os produtos tradicionais, de vestuário. E os resultados começam agora a aparecer. “O acelerado crescimento sequencial das vendas nas mesmas lojas mais uma vez foi ajudado pelas vendas de smartphones e fragrâncias”, analisam, em relatório, Thiago Macruz, Ruben Couto e Marco Calvi, do Itaú BBA. Na opinião deles, os impactos positivos das novas áreas de atuação devem ganhar força com a melhora gradual da economia. Em abril passado, a Guararapes também aderiu ao comércio eletrônico. “Ainda estamos numa curva de aprendizado, mas o potencial é gigantesco”, destaca Queiroz. Toda a operação do e-commerce foi planejada em linha com o conceito de “omnicanalidade”, que integra os canais de vendas físicos e virtuais — uma tendência no varejo e que a Guararapes, sempre antenada nas novidades, não poderia deixar de adotar.


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