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Vigilância reforçada
Em vigor desde janeiro, Lei Anticorrupção impõe multas pesadas a quem corromper funcionários públicos e estimula companhias a investirem em compliance

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ibgcJaneiro foi um mês atípico para os escritórios de advocacia especializados em consultoria na área de compliance. É grande a movimentação de companhias em busca de orientações sobre como implementar programas para avaliar riscos e combater a corrupção. Não é que o assunto tenha feito a cabeça das empresas de uma hora para outra. A procura é resultado da entrada em vigor, em 29 de janeiro, da lei número 12.846, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção.

Sancionado em 1º de agosto do ano passado, o diploma inova ao cobrar a responsabilidade objetiva das empresas por atos de corrupção praticados contra a administração pública. Na prática, isso significa que, se um funcionário for pego fraudando uma licitação, pagando propina a agente público ou contratando laranja, a punição recairá sobre a companhia. Até então, havia a responsabilização penal exclusivamente do agente que realizou a prática ilegal — ou seja, apenas a pessoa física, mesmo que tenha agido em benefício de uma empresa. Nas esferas administrativa e cível, a responsabilização da pessoa jurídica era possível, contanto que houvesse provas de que a alta direção tinha conhecimento do esquema e foi conivente. Isso dificultava condenações na Justiça. “Agora, a empresa vai ser punida simplesmente por não ter evitado o ato”, explica Igor Gouvêa, diretor do Instituto dos Auditores Internos do Brasil e gerente de auditoria interna e de compliance da Qualicorp.

Não é apenas o aumento da possibilidade de punição que assusta as empresas, mas também as sanções impostas. A nova lei imprime pesadas multas a quem descumprir seus preceitos. Na esfera administrativa, as punições variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da companhia. Na cível, além da perda dos bens e valores objetos da vantagem indevida, a companhia pode ter suas atividades suspensas, sofrer intervenção e até mesmo ser dissolvida compulsoriamente. As punições nas duas esferas podem ser, ainda, cumulativas.

Diante disso, o interesse empresarial em criar procedimentos que minimizem possíveis atos de corrupção ganha força. “A forma de mitigar riscos é a implementação de mecanismos de compliance. Além de reduzir as chances de acontecerem ilegalidades, eles serão levados em consideração na aplicação de multas”, afirmam Esther Flesch e Bruno Maeda, sócios da área de compliance e penal corporativo do escritório Trench, Rossi e Watanabe.

Parâmetros objetivos
A Lei Anticorrupção prevê, claramente, que serão considerados atenuantes das penalidades a cooperação da empresa na apuração dos ilícitos e “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. O que será considerado uma “aplicação efetiva”, no entanto, é algo a ser esclarecido. Esses e outros pontos serão esmiuçados no decreto que regulamentará o instrumento legal. Até o fechamento desta edição, ele não havia sido concluído, à espera de análise da Casa Civil.

Em entrevista à CAPITAL ABERTO, o secretário-executivo da Controladoria-Geral da União (CGU), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, contou que o decreto definirá os critérios para o cálculo das penalidades, entre outras coisas. Atualmente, sabe-se apenas que o valor delas corresponderá a um valor entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da empresa. “A ideia é que a companhia saiba os critérios, para que a regra não seja totalmente discricionária e haja previsibilidade nas sanções”, diz Higino. Além disso, o decreto deve trazer parâmetros objetivos para averiguação da efetividade dos mecanismos de compliance. Para servirem como atenuantes, eles deverão ajudar de fato na detecção de irregularidades. Uma das formas de se avaliar isso, explica o secretário, é verificar se as regras de conformidade são conhecidas por todos os níveis hierárquicos da companhia e aplicadas aos intermediários, como despachantes e consultores.

A redução das sanções para empresas com estrutura de compliance já é prevista em outras legislações antifraude. A americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) prevê redução de 95% da multa no caso de a companhia comprovar que possui um programa de conformidade eficaz e fez de tudo para evitar ilícitos. Aquelas que cooperarem com investigações ou informarem voluntariamente a descoberta de um caso de corrupção envolvendo seus funcionários também estarão sujeitas a sanções menores. A lei permite redução de até dois terços do valor da multa e retirada das demais punições.

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Atenta a isso, a concessionária Arteris, antiga OHL, está empenhada em aperfeiçoar seu compliance. Desde 2005, quando abriu o capital, a empresa conta com um código de ética. No ano passado, ele foi reformulado para abrigar os conceitos de legislações internacionais, como o FCPA, e da lei anticorrupção brasileira, à época em vias de ser aprovada. O aval ao documento ocorreu em julho, durante uma reunião de acionistas, quando também foi formado o comitê de compliance, com a eleição de seus três membros, todos funcionários. Maria de Castro Michielin, diretora jurídica da Arteris, explica que o comitê é permanente e tem o propósito de fazer o código de ética ser cumprido. Quem detectar desvios de conduta poderá relatá-los a um canal de queixas terceirizado. “O órgão vai apurar denúncias e aplicar sanções por irregularidades”, descreve Maria, ressaltando que a diretoria terá de acatar as decisões do comitê, pois ele é subordinado ao conselho de administração.

A opção da Arteris de criar um comitê com integrantes da casa é uma saída para companhias com orçamento apertado. Segundo Renata Muzzi de Almeida, sócia do Tozzini Freire Advogados, um programa básico de compliance pode custar de R$ 150 mil a R$ 500 mil — valores que envolvem análises de risco, elaboração de normas de conduta, treinamento de funcionários e implementação de órgãos de compliance e de canais de denúncia. O montante explica por que muitas empresas nunca investiram em mecanismos para evitar, detectar e tratar possíveis desvios ou inconformidades em seus negócios. A entrada em vigor da Lei Anticorrupção foi, nesse sentido, o pontapé para elas abrirem os bolsos. De acordo com Renata, a demanda pelos serviços de consultoria em compliance dobrou nos últimos meses; somente em janeiro, o escritório atendeu seis novos clientes. Entre eles está uma rede de varejo com atuação em vários estados do País. “Estamos fazendo tudo do zero”, comenta a advogada. Quando o processo for concluído, a companhia, que possuía apenas um código de conduta, terá um canal de denúncias, um comitê de compliance e o material completo para o treinamento de seus funcionários.

Especialista em compliance e sócia do Koury Lopes Advogados, a advogada Isabel Franco alerta que o primeiro passo, antes de instalar um programa de conformidade, é fazer uma avaliação de riscos. “Há empresas que têm relações com terceiros sem contrato nenhum”, observa. É comum isso acontecer, segundo ela, na contratação de despachantes, que, por atuarem em contato com órgãos públicos, se tornam um risco significativo. “A partir disso, orientamos a empresa a respeito dos perigos a que está exposta e isso já se torna o embrião para elaborar num código de boas práticas”, conta.

Compliance
Enquanto algumas companhias engatinham, outras já navegam com naturalidade pelos programas de compliance. É o caso da AES Brasil, controlada pela americana AES Corp. A brasileira gasta anualmente R$ 400 mil, excluídos os salários dos funcionários, para manter sua estrutura de compliance, composta de duas gerências em que trabalham, ao todo, 12 pessoas. A organização possui ainda um canal de denúncias (o AES Helpline), que funciona em tempo integral, e um código de ética, no qual há um capítulo dedicado ao tema corrupção. Nele, a AES informa que “não tolera suborno, comissões ilícitas ou qualquer outro pagamento inadequado, em qualquer lugar do mundo, mesmo que, ao se recusar a realizar tais práticas, esteja perdendo uma oportunidade de negócios”.

A preocupação da empresa em prevenir atos ilegais se estende aos prestadores de serviço. Com o objetivo de reduzir riscos, realiza análises da reputação de seus parceiros e fornecedores. Nos contratos, inclui um termo pelo qual os prestadores de serviço se comprometem a não se envolver em fraude e declaram estar cientes das regras da companhia. Tratativas com valor superior a US$ 100 mil dependem da aprovação da diretoria de compliance, “que tem interferência direta no negócio”, garante a diretora da área, Ana Carolina de Salles Freire. Ela considera a norma brasileira anticorrupção mais rígida do que a americana. De fato, seu escopo é maior que o da FCPA, que não trata, por exemplo, de fraudes em licitações (veja outras comparações entre a legislação brasileira e a americana no quadro abaixo).

Na esteira do Hemisfério Norte e do Reino UnidoA aprovação da Lei Anticorrupção não foi exatamente uma surpresa. Ela tem origem no projeto elaborado pelo Poder Executivo em 2010 para garantir que o Brasil cumpra dispositivos previstos em acordos internacionais dos quais é signatário, como a convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ratificada em 2000. A proposta também foi uma resposta do governo à Operação Castelo de Areia. A ação, deflagrada pela Polícia Federal em 2009, investigou indícios de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de campanhas eleitorais supostamente cometidos pelo comando da construtora Camargo Corrêa.Companhias brasileiras com ações negociadas nos Estados Unidos e no Reino Unido já conviviam há algum tempo com regras semelhantes à da Lei Anticorrupção, como a americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) ou o britânico Bribery Act. A primeira existe desde 1977. Surgiu na esteira do escândalo de Watergate, um gigantesco esquema de corrupção em que 400 companhias americanas pagaram subornos no total de US$ 300 milhões a funcionários públicos. A lei foi pouco aplicada até a década de 2000, diante da imensa oposição das empresas. Como os Estados Unidos eram o único país a punir atos de corrupção que alcançassem funcionários públicos de outras localidades, elas alegavam perder negócios para suas concorrentes europeias. Essa realidade começou a mudar quando o DOJ e a SEC passaram a atuar em conjunto e a por em prática os preceitos da FCPA.Em 2011 foi a vez de o Reino Unido colocar em vigor o UK Bribery Act, transformando em crime o pagamento de propinas, independentemente das partes envolvidas. Quem for condenado pode pegar dez anos de prisão, além de arcar com uma multa sem limite de valor. Nos Estados Unidos, a FCPA prevê sanções de até 200% do montante transacionado ilegalmente.

 

Referências
Além de incentivar a criação de mecanismos de controle, a Lei Anticorrupção pode trazer uma mudança cultural.
A advogada Isabel Franco relata ter ouvido executivos confessarem um alívio ao saber que suas condutas serão ditadas por normas internas de compliance. Embora pagar propina sempre tenha sido algo errado, muitos funcionários afirmam temer não fazê-lo e perder o negócio, ficando mal com o chefe.

Na Qualicorp, administradora de planos de saúde coletivos e empresariais, a implementação de um programa de conformidade ocorreu em 2011 e, segundo a empresa, já rende frutos. Uma prova são as consultas de funcionários sobre o recebimento e a entrega de brindes e presentes no fim do ano. “São evidências de que já está sendo formada uma cultura de compliance”, destaca Igor Gouvêa, da Qualicorp.

Em 2012, a companhia implantou um escritório de compliance que descreve como “parcialmente descentralizado”. O setor conta apenas com três pessoas: um gerente e dois supervisores.
No entanto, outras 16 pessoas espalhadas pelas mais diversas áreas de negócios dedicam parte de sua jornada de trabalho a atividades de compliance. Embora não divulgue os valores despendidos no programa, a administração diz que o “custo é bastante razoável frente aos benefícios”.

Para os que ainda estão em dúvida se vale a pena investir em mecanismos de compliance, cabe lembrar dois casos famosos. O primeiro envolve o Morgan Stanley. Em 2008, o banco descobriu que um diretor havia pagado propina a funcionários públicos da China, desrespeitando as normas internas, e comunicou o fato às autoridades. O executivo foi condenado e preso, porém o Morgan Stanley não recebeu qualquer sanção do Departamento de Justiça Americano (DOJ) ou da Securities and Exchange Commission (SEC), por ter mecanismos de compliance eficazes, como lembra a advogada Adriana Dantas, sócia responsável pela área de ética corporativa do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.

O segundo caso, um dos mais lembrados quando o assunto é corrupção, é o da Siemens. Diferentemente do Morgan Stanley, a multinacional alemã não teve um final feliz. Foi multada, em 2008, em mais de US$ 1,6 bilhão devido a atos de corrupção que envolviam agentes públicos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Depois do escândalo, investiu fortemente na criação de uma estrutura para melhorar seus controles internos. A moral da história pode ser resumida na frase de Mark Gough, executivo da Siemens na Alemanha: “Um programa de compliance é muito caro, mas é muito mais caro não tê-lo.”

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Ilustrações: Beto Nejme /Grau 180.com


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