Publicada no último dia 7 de janeiro, a Lei 13.800/19 dispõe sobre a constituição de fundos patrimoniais que tenham o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e outras finalidades de interesse público. Trata-se da conversão em lei da Medida Provisória 851/18, que ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional teve diversas alterações.
A nova lei representa um importante reconhecimento da relevância dos fundos patrimoniais para a sustentabilidade financeira das entidades que compõem o terceiro setor no Brasil. A norma oferece maior segurança jurídica para os doadores, ao estabelecer separação patrimonial entre os fundos e as entidades apoiadas e regras para utilização dos recursos, além de aspectos de governança e transparência.
Entretanto, os vetos presidenciais aos incentivos fiscais previstos no texto anterior põem em risco a sua consolidação.
Foram vetados, dentre outros, os artigos que permitiam às pessoas físicas e às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real deduzir do imposto de renda os valores das doações feitas a gestoras de fundo patrimonial que apoie instituições públicas atuantes nas áreas de educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social, desporto, segurança pública e direitos humanos.
Atualmente, e em linhas gerais, as pessoas físicas podem deduzir da base de cálculo do imposto de renda as contribuições feitas aos projetos culturais aprovados nos termos da Lei 8.313/91 (conhecida como Lei Rouanet) e aos fundos do idoso e da criança e do adolescente, dentre outros casos — observado o limite de 6% do valor do imposto devido. Para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime do lucro real, os incentivos fiscais referentes às doações para entidades civis sem fins lucrativos — de maneira desatrelada da aprovação de projetos específicos — têm o limite de 2% do lucro operacional.
Importante ressaltar que as novas hipóteses de incentivo fiscal vetadas seriam incluídas nesses mesmos limites globais. Não haveria, portanto, majoração do teto das renúncias de receita que existem hoje, o que enfraquece as razões dos vetos presidenciais.
Além disso, embora os incentivos fiscais a doações sejam pequenos no Brasil — em especial se comparados a países em que há forte investimento social privado, como os Estados Unidos —, eles ainda são subutilizados. No caso de pessoas físicas, por exemplo: pesquisa da FGV1 mostra que, apesar de estimar-se que no exercício de 2015 um montante de cerca de 7,16 bilhões de reais poderia ser destinado as entidades do terceiro setor por meio de doações incentivadas, elas totalizaram apenas 78,6 milhões de reais — o que corresponde a 1% do potencial. Assim, é muito provável que mesmo com a criação de incentivos fiscais para as contribuições aos fundos patrimoniais as deduções efetivamente usufruídas ainda ficariam muito aquém do valor total autorizado para renúncia.
Fechar essa possibilidade de doação aos brasileiros é realmente lamentável e, por certo, vai prejudicar o potencial sucesso dos fundos patrimoniais. Veja-se o exemplo hipotético dos fundos em prol das universidades: pode-se facilmente visualizar o grau de prejuízo a esses endowments, cujos principais doadores são seus alunos e ex-alunos. De fato, não há razão para posicionar o Brasil na contramão das melhores práticas mundiais.
Os vetos presidenciais ainda deverão ser avaliados pelos deputados e senadores num prazo de 30 dias, contados após o final do recesso parlamentar (2 de fevereiro de 2019). A votação é feita em sessão conjunta, sendo necessário o voto da maioria absoluta de deputados e senadores, computados separadamente (ou seja, ao menos 257 votos de deputados e 41 votos de senadores). O Congresso terá a oportunidade, assim, de retomar disposições relevantes para o desenvolvimento dos fundos patrimoniais no Brasil.
*Erika Spalding ([email protected]) é sócia do escritório Barbosa e Spalding Advogados e coordenadora da área de assessoria jurídica a entidades do terceiro setor.
1Sustentabilidade econômica das Organizações da Sociedade Civil: desafios do ambiente jurídico brasileiro atual, de autoria de Eduardo Pannunzio e Aline Gonçalves de Souza
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