Por mais que se queira limitar aos últimos 15 anos a ruína da integridade e da ética como referências fundamentais nas relações políticas e em parte do mundo dos negócios no Brasil, tomo a liberdade de convidar — a todos — a uma reflexão mais retrospectiva e realista. Creio que esse período marcou um agravamento gigantesco do ambiente nesse aspecto. Entretanto, é óbvio que a corrupção é parte integrante da vida política nacional pelo menos desde a proclamação da República, em 1889. Alguns autores relatam até que essa realidade já se fazia presente ao longo do Império.
A Lava Jato, ao lado de outras operações deflagradas nos últimos tempos, atingiu em cheio aqueles que insistiam em um projeto de poder político de mais longo alcance, convencidos estavam de que a sociedade continuaria a aceitar, passivamente, a deterioração nas dimensões da ética e da integridade moral em tão avassaladora velocidade.
Mas sinais que vêm de variadas partes me atormentam. Decisões judiciais que pasmam. Atos do Poder Executivo que nos põem em alerta. E deliberações legislativas na Câmara dos Deputados que, decididamente, causam enorme choque.
Um exemplo da ação estarrecedora do Legislativo apresento a seguir. A Lei 13.303/16, conhecida como Lei das Estatais, chegou com novidades que tinham a cor da reação legítima da sociedade aos desmandos de natureza política que a práxis tradicional nos fez acostumados, e até mesmo reféns. Com essa lei, a sociedade lograva dizer “não” às nomeações de caráter político, assegurando os objetivos da qualificação e da independência. Mesmo que eu não a considere plenamente capaz de produzir eficácia e blindagem absolutas, é fato que a Lei das Estatais coíbe a “feira” de trocas de favores políticos e auto benesses por via de nomeações para cargos executivos e de conselhos de administração em empresas controladas pela União. E, aqui, cabe destacar o progresso que já se nota na escolha dos ocupantes de assentos em conselhos de administração de grandes empresas estatais, inclusive a Petrobras.
Pois bem. Recentemente, a comissão especial da Câmara dos Deputados que se dedica ao Projeto da Lei Geral de Agências Reguladoras (PL 6.621/16) propôs a revogação das disposições da Lei das Estatais que tratam justamente das vedações por ela mesma instituídas. Em outras palavras: o Legislativo postula a transfiguração, negando àquela lei seus próprios objetivos originais. Convenhamos que isso soa como uma reação cuidadosamente arquitetada para destruir a blindagem — que era uma vitória da sociedade.
O episódio denota a existência de um abismo gigantesco entre o que os brasileiros demandam e o que, parece, a classe política lê. É como se o Waze indicasse a um motorista a Via Dutra para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro e o usuário optasse pela Rodovia Régis Bittencourt. Pior: com o motorista sabendo que a rota escolhida não o levará ao destino desejado.
Por outro lado, acostumado às intempéries da vida, resiliente, vejo o “copo meio cheio”. Desde que, como sociedade, desejemos transformar — e com vigor — a pobre realidade brasileira e ambicionar uma evolução nas dimensões social, política e econômica.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) foi criado por uma plêiade de idealistas em 1995. O progresso logrado desde então é formidável. As empresas privadas — inclusive as que não são abertas — têm feito seus esforços para abraçar as melhores práticas de governança corporativa. Pelo menos no que depende dos conselheiros e dos executivos das maiores empresas estatais, nos últimos tempos o movimento também é nítido. O que não se pode é abrir mão da blindagem já conquistada. Melhor ainda, é preciso garantir sua evolução. Mas que o brasileiro não se iluda. Surgirão ainda outras reações do “establishment” político tentando conter a reação da sociedade em defesa da ética. Que todos estejamos atentos.
*Henrique Luz é conselheiro certificado e vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
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