Nos últimos anos, o cerco à lavagem de dinheiro no Brasil chegou às instâncias mais altas dos setores público e privado. Mas o pontapé inicial no combate a esse crime é bem mais antigo: foi dado há duas décadas, quando entrou em vigor a Lei 9.613/98. “Pela primeira vez, o Brasil criminalizava a lavagem de dinheiro. E a partir de então o País foi adotando várias medidas, principalmente com relação a controles e auditorias das instituições financeiras”, destaca Camila Borba Lefèvre, do escritório Vieira Rezende Advogados.
Foi com essa mesma lei que se criou o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), órgão administrativo vinculado ao Ministério da Fazenda responsável por receber e identificar ocorrências suspeitas, avisar as autoridades relacionadas e propor mecanismos de troca de informação. “A lei foi disruptiva. O Estado, que detinha o poder de combater crimes, passou a compartilhar essa prerrogativa com o setor privado. Já elaboramos pelo menos 34 mil relatórios de inteligência para as autoridades competentes”, afirma Joaquim de Cunha Neto, coordenador geral de supervisão do Coaf.
A lei, no entanto, não escapa de críticas, em especial desde que seu escopo foi ampliado. “Do ponto de vista penal, vimos condutas que eram a consumação de um mero ilícito sendo interpretadas como crime de lavagem de dinheiro. Muitas vezes estamos diante de um tipo penal que já é combatido em lei própria e não necessariamente precisa ser interpretado como lavagem”, ressalta Maíra Beauchamp Salomi, sócia do Chaves Alves & Salomi Advogados.
Para as empresas, a lei representou um grande aprendizado. “Além de produzir resultados, elas passaram a ter de observar se havia algo suspeito nas operações. Foi bastante desafiador”, diz Cunha Neto. E esse desafio se renova, à medida que tecnologias avançam e geram um fluxo cada vez maior de operações e informações a serem monitoradas. “É preciso saber distinguir o que é uma operação atípica de uma operação típica. Existe a necessidade de sistemas cada vez mais aperfeiçoados para se detectar esse tipo de atipicidade”, afirma Ian Cook, diretor sênior da Kroll. “É um dever de casa complicado ter de capacitar pessoas dentro das instituições para avaliar o risco das operações, que estão cada vez mais complexas e sofisticadas”, pontua Lefèvre, do Vieira Rezende.
No ano passado, com o apoio de agentes dos mercados financeiro, de capitais e segurador, além de membros da administração pública, foi criado o Instituto dos Profissionais em Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo (IPLD), com o intuito de valorizar e certificar os profissionais da área. “O ideal é que cada organização tenha uma área específica de prevenção à lavagem de dinheiro, preferencialmente fora do contexto tradicional de compliance, que é muito abrangente”, observa Robinson Fernandes, presidente da entidade. Para Marcus Vinícius de Carvalho, responsável pelo núcleo de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é preciso saber fazer distinções. “Monitorar anticorrupção é uma coisa, monitorar prevenção de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo é outra. A primeira ocorre de dentro para fora, a outra de fora para dentro.”
A Instrução 301 da CVM, que trata da prevenção à lavagem de dinheiro e da ocultação de bens, está sendo reformada para acompanhar as melhores práticas globais, como as recomendações do Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (Gafi). Uma delas é a abordagem baseada em risco, para que as próprias empresas adotem mecanismos de identificação de ocorrências e possam direcionar recursos para combatê-las de forma mais eficiente. “O desafio é encontrarmos formas de mitigar as irregularidades sem custos elevados e sobreviver”, afirma Camila Araújo, sócia da área de risk advisory da Deloitte.
Para Francisco Barbosa da Silveira, chefe adjunto do Departamento de Supervisão de Conduta (Decon) do Banco Central, o tom do combate à lavagem de dinheiro deve vir do topo. “Estamos evoluindo nessa questão de conscientizar as pessoas, com uma mensagem mais clara da alta administração daquilo que não é tolerável e que deve ser feito pelos funcionários da empresa”, ressalta.
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