Duas companhias que poderão emitir a Letra de Risco de Seguro (LRS), criada pelo marco legal da securitização (Lei 14.430/22), estão em fase final de constituição. O sinal verde para poderem operar deverá, enfim, aproximar os universos de seguros e mercado de capitais.
Ambas já obtiveram a aprovação de seus projetos junto à Susep, elegeram os administradores e fizeram aporte de capital. Segundo informou o órgão nesta quinta-feira (12) à Capital Aberto, as portarias que constituirão as duas SSPE (Sociedade Seguradora de Propósito Específica) devem ser publicadas “em breve”.
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As SSPEs são as unidades que receberão as carteiras das seguradoras e emitirão o papel (LRS) para a venda aos investidores. Já no início deste ano, havia expectativa de que ocorresse a primeira emissão de LRS, equivalente aos insurance-linked securities (ILS) comuns em outros mercados – e utilizados para cobrir riscos associados a catástrofes climáticas em outros países, como os furacões nos Estados Unidos.
O segmento de LRS, inclusive, esteve em pauta em evento promovido pela Fitch Ratings na capital paulista. “O potencial para o Brasil é muito bom”, disse Rodrigo Botti, ex-vice-presidente do IRB (Re). Ele avalia que “a beleza para o investidor” é que o retorno desse papel não está atrelado a outros instrumentos financeiros. “Não tem a ver com oscilação de juros, bolsa, eleições nos Estados Unidos. Então, é bem interessante do ponto de vista de diversificação”, continua.
A emissão das LRS seguirá o mesmo modelo das operações securitizadas. As seguradoras ou outras companhias interessadas precisam criar uma SSPE, com capital próprio, que emitirá o papel com lastro na carteira de riscos transferida da seguradora. Assim, não há comunicação entre o patrimônio da seguradora e da SSPE que emitirá os títulos para vendê-los ao investidor.
A sociedade vai ser apartada do capital da seguradora, o que protege a todos, explicam fontes do segmento. Se o investidor tiver algum prejuízo, não poderá acionar a seguradora. Por sua vez, se a seguradora quebrar, o investidor daquela carteira não sofrerá as consequências, explicou anteriormente Alexandre Chang, diretor da Fitch Ratings e head de seguros da agência de classificação de risco, que no exterior avalia o rating dos ILS oferecidos ao investidor.
Lá fora esse segmento roda a cerca de 25% do mercado de resseguros, acrescenta o executivo da agência de risco. Levará um tempo até que o mercado investidor faça a “digestão” do assunto e de sua regulamentação, mas há três fatores a considerar para o sucesso ao ativo: a busca das seguradoras e resseguradoras por capital alternativo para compensar o risco no qual estão inseridas, uma eventual restrição do mercado de resseguros e o próprio apetite ao risco e as taxas de retorno para o investidor.
Na prática, a seguradora quer comprar proteção e com a SSPE vai ganhar uma opção além da resseguradora. “A seguradora paga 5 pela proteção, o investidor põe 95 na LRS (é o máximo de sinistro que pode ter) e os 100 serão investidos em LFT, por exemplo”, citou Botti, em um dos painéis do evento. “Ao final do período, caso tenha ocorrido sinistro, os recursos vão para a seguradora. Se não, vão para o investidor, que receberá 100 + CDI sobre o total”.
No final do ano passado, havia no mundo em ILSs algo perto de US$ 42 bilhões (R$ 200 bilhões), segundo dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). O setor no Brasil representa entre 1,5% e 2% do seguro no mundo – indicando um potencial de R$ 4 bilhões.
Oportunidade em eventos climáticos
O instrumento deverá ser útil principalmente na cobertura de eventos com baixa probabilidade de ocorrência, mas com elevado risco, como catástrofes naturais. O Brasil não vive em uma “rota” de furacões, mas o impacto climático tem penalizado cada vez mais cidades e atividades econômicas, como a agrícola, com mais frequência. Isso tem mudado um pouco a percepção da necessidade de proteção da atividade das próprias seguradoras, acrescentam as fontes.
Contudo, os seguros agrícolas, por exemplo, que vêm crescendo desde eventos recentes como a geada que afetou os cafezais em 2021 (e não se via desde a década de 1990) bem como as queimadas que agora afetam os canaviais paulistas, ainda têm penetração muito baixa no guarda-chuva dos seguros contra danos, disse Chang.
“A gente vê um mercado que ainda pode estar subestimando o impacto do clima”, segue o diretor da Fitch Ratings. Para o executivo, a baixa penetração tem deixado o impacto ainda limitado para as seguradoras. Mas como gestoras de riscos, elas ainda têm conseguido habilidade para contornar essa situação. Há, ainda, regulação forte e contratos de resseguros estratégicos para mitigar os impactos para elas.
Desse modo, a Fitch manteve as seguradoras dentro dos níveis atuais de rating, apesar do impacto econômico desses eventos.
Botti, ex-IRB (Re), acrescentou que as diferença entre a perda econômica e a perda segurada podem ser grandes. Ele comparou o Brasil e países que sofrem com catástrofes naturais mais constantemente. No Rio Grande do Sul, a perda econômica estimada por órgãos locais ficou em um gap entre R$ 100 bilhões e R$ 170 bilhões, enquanto a perda das seguradoras somou perto dos R$ 4 bilhões no primeiro semestre. Se houver algum acréscimo a ser somado à conta, acrescentará pouco a essa soma, segue Chang.
“A perda segurada é baixa se comparada aos Estados Unidos, onde chega a 70% da total quando há um furacão”, diz Botti.
A Fitch Ratings possui metodologia para avaliar eventuais LRS. São considerados o risco de performance do seguro, crédito da resseguradora e o de crédito dos investimentos qualificados (como a LFT). A análise é bem “caso a caso”, disse André Nogueira, analista sênior da agência de classificação de risco. É levada em conta para estabelecer o perfil de risco de uma ILS, por exemplo, a quantidade de vezes que um fenômeno pode ocorrer durante um ano, considerada uma janela de tempo (ou seja, quantas vezes aquele evento ocorreu mais de uma vez ao ano em um espaço de uma década ou 15 anos).
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