A eloquente Empiricus anda avessa à imprensa. Em relatórios e vídeos recentemente divulgados, a casa de research se diz alvo de uma campanha de revistas e jornais para difamá-la. No texto intitulado “O império contra-ataca”, Felipe Miranda, sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus, elenca uma série de reportagens críticas à atuação da empresa — numa delas, afirma, apareceria como alguém que, “em vez de fazer análises de investimento, promove campanhas de marketing para enganar as pessoas”. Mas o que justificaria a implicância? A imprensa, insinua Miranda, estaria atuando em favor de importantes anunciantes: as instituições financeiras — que, por sua vez, estariam aborrecidas com a Empiricus por causa de suas sistemáticas denúncias ao que ele chama de “investimentos caros e ruins” oferecidos pelos bancos. Teorias da conspiração à parte, o fato é que não é só a imprensa que está de olho na Empiricus. Seu marketing agressivo também não passou despercebido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Registrada como consultora de valores mobiliários na autarquia, a Empiricus teve sua estratégia de comunicação analisada recentemente pelo regulador em um processo administrativo aberto em 2014 por investidores. Eles questionavam a forma de comunicação da casa de análise, baseada em mensagens com títulos como “Lucre 41% em apenas 40 dias” ou “Como transformar R$ 1.000 em mais de R$ 150.000 em 32 dias”. Na sua análise, a CVM identificou alguns problemas, como inadequada postura da empresa de reiteradamente publicar informativos com potencial para induzir o investidor a erro, exagero na linguagem de esforço de venda, omissão e descrição genérica dos riscos envolvidos e ampla divulgação dos maiores retornos obtidos com as estratégias no passado, sem o devido destaque ao alerta de que esses resultados podem não se repetir no futuro.
Apesar da lista de inadequações observadas, a CVM ficou de mãos atadas: não pôde instaurar um processo sancionador contra a Empiricus. A explicação está na monossilábica Instrução 43/85, que regula a atividade de consultoria de investimentos. A norma é uma das mais antigas ainda em vigor e também está entre as mais sucintas — diz apenas que a atividade pode ser desempenhada por pessoas físicas e jurídicas e determina que os pretendentes à habilitação comprovem experiência. Não há, portanto, qualquer menção às responsabilidades do consultor, a normas de conduta da profissão e a eventuais sanções. Assim, o processo foi encerrado em fevereiro, apenas com a emissão de um ofício de alerta à Empiricus. Nele a CVM solicitava que, em futuras divulgações, a casa de análise não reincidisse nas inadequações observadas e usasse linguagem serena e moderada.
Fechando o cerco
A ausência de regras mais robustas para a atividade de consultor de investimentos, na visão de muitos profissionais do mercado, permitiu à Empiricus se transformar na potência que é hoje. Sem regras capazes de frear seu ímpeto vendedor, a Empiricus abusou de estratégias de marketing direto — importadas do seu sócio americano, a Agora Group — para conquistar clientes e crescer. Numa postagem intitulada “Precisamos falar de marketing”, Caio Mesquita, um dos fundadores da casa de análise, afirma que, desde a adoção do modelo de marketing direto, a Empiricus experimentou um crescimento exponencial — o faturamento anual, de 2 milhões de reais em 2013, cresceu para o ritmo atual de 200 milhões de reais.
A situação agora é outra. Reformas propostas pela CVM prometem impor cercas à Empiricus com mudanças que envolvem duas normas — a de consultor de valores mobiliários e a de analista de investimento. Ao colocar a primeira em audiência pública no fim de 2016, o regulador determinou o escopo da atividade, estabeleceu requisitos para seu exercício, além de regras de conduta e prestação de informações. A delimitação da função se fazia necessária, explica a CVM, para a criação de uma linha divisória entre a atuação do consultor — que deve conhecer e observar o perfil de seu cliente e as regras de suitability quando da recomendação de produtos — e a do analista, que avalia ativos e faz recomendações de compra, venda ou manutenção de maneira indiscriminada, sem o compromisso de verificar o perfil dos leitores de suas análises.
Embora os profissionais que escrevem os polêmicos relatórios da Empiricus sejam, em geral, analistas devidamente certificados, há um motivo para a casa de análise estar registrada como consultora de investimento. Concebida em 2010, a Instrução 483, que normatiza hoje a atividade de analista, se aplica apenas aos profissionais pessoa física, o que restringe a atividade sancionadora aos relatórios assinados por eles e impede que a empresa que os abriga seja eventualmente responsabilizada. Com a reforma da Instrução 483, a CVM pretende mudar isso. Na minuta, incluiu a pessoa jurídica sob o guarda-chuva da norma — o que significa que, quando a instrução for promulgada, a Empiricus terá que se credenciar como casa de análise junto ao regulador. Assim, deixará de ser apenas a instituição que abriga analistas para ser aquela que, de fato, exerce a atividade — o mesmo já ocorre com outras funções regulamentadas pela CVM, como a de administrador de carteira.
A mudança implicará que a Empiricus cumpra outras novidades previstas pelo arcabouço (a minuta está disponível para comentários até 28 de julho) — e é aí que ela pode se complicar. A norma prevê que o material divulgado pelas casas de análise adote linguagem que não induza o investidor a erro — clareza, objetividade, concisão, veracidade e consistência são algumas das exigências, em moldes semelhantes ao já requerido na Instrução 400 da CVM, que regula as ofertas públicas. A dúvida é como a consultoria vai conciliar seu marketing agressivo com essas exigências. Procurada pela reportagem para comentar os impactos da regra, a Empiricus não concedeu entrevista.
O descumprimento da norma, vale ressaltar, poderá acarretar problemas tanto para os analistas — que têm responsabilidade sobre o que escrevem — como para os diretores das casas de research. De acordo com a minuta, eles devem definir e supervisionar as diretrizes e metodologias adotadas nas análises, verificar sua consistência e assegurar o cumprimento de regras de conduta.
Know-how gringo
Fundada em 2009 por Rodolfo Amstalden, Caio Mesquita, Felipe Miranda e Marcos Elias (que deixou a sociedade no fim de 2012), a Empiricus nem sempre teve esse DNA espalhafatoso. A empresa nasceu oferecendo relatórios de investimentos para pessoas física e jurídica, além de uma área de gestão de recursos. Com o tempo o foco foi ajustado, e os serviços de análise voltados para pequenos investidores ganharam força total. O empurrão foi dado pelo grupo americano Agora Inc., que chegou à Empiricus há cerca de quatro anos.
Objetividade e veracidade serão algumas das exigências da nova norma, a exemplo do que é requerido pela Instrução 400
O valor desembolsado pela Agora Inc. e a fatia comprada nunca foram revelados, mas, em entrevistas, a Empiricus se gabava dos 2 milhões de dólares que receberia do novo sócio para investir em marketing. A verba publicitária não era enfatizada à toa. Nos EUA, a Agora Inc. usa intensivamente essa ferramenta para captar clientes — e não tem do que reclamar. Reportagens veiculadas na época da associação relatavam que a americana tinha 1,4 milhão de assinantes em dez países e faturava 300 milhões de dólares por ano. A Empiricus, por sua vez, vendia relatórios para cerca de 200 clientes (entre pessoas físicas, investidores institucionais e corretoras). Um ano depois da chegada da Agora Inc., a Empiricus já colhia os frutos de uma estratégia de comunicação potente. Conquistou seguidores através do “Mercado em 5 minutos”, um relatório gratuito, diário, com comentários objetivos e escritos numa linguagem informal, incomum entre as casas de análise no Brasil. O produto-degustação, atualmente lido por 1,5 milhão de investidores, foi a porta de entrada para a Empiricus conquistar clientes para seus relatórios pagos.
Não foi um relatório, entretanto, o principal responsável por alçar a Empiricus à fama, mas, sim, um vídeo sobre política. Em meados de 2014, a casa de análise veiculou “O fim do Brasil”, no qual Miranda fazia previsões para lá de pessimistas sobre a economia brasileira. A catástrofe que se formava, alertava, seria a mais importante crise do País desde 1994. O vídeo se espalhou (atualmente, soma cerca de 227 mil visualizações) e se tornou viral ao ser usado pela Empiricus numa ampla campanha publicitária em que alardeava um cenário bem mais pessimista para o Brasil se Dilma Rousseff (PT) se reelegesse. Inserções publicitárias em sites de grande circulação diziam: “Saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma”. Outra ação era voltada ao candidato tucano, à época segundo colocado nas pesquisas: “Que ações devem subir se Aécio Neves ganhar? Descubra aqui”. Sob o argumento de que a campanha da Empiricus caracterizava propaganda eleitoral indevida, a coligação encabeçada pelo PT recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que emitiu uma liminar ordenando a suspensão da divulgação. Dias depois, o próprio tribunal voltou atrás. O burburinho em torno da possível censura aos relatórios, somado ao calor da campanha eleitoral (a decisão do TSE foi tomada logo após a morte de Eduardo Campos, do PSB, terceiro colocado na disputa, em um acidente aéreo) atiçou a curiosidade de muitos internautas brasileiros sobre a Empiricus — o que, claro, foi excelente para os negócios da empresa.
Acostumado a vídeos curtos, o investidor que clicava nas sedutoras chamadas de “O fim do Brasil” desembarcava em uma explanação de uma hora e 20 minutos. Antes de apresentar o assustador cenário pós-eleição, Miranda aproveitava para destacar os acertos da Empiricus (contava que seus leitores haviam sido alertados a evitar as ações da Petrobras e que tinha recomendado a venda de papéis de construtoras). Ao fim, os que resistiam eram convidados a assinar os relatórios e, assim, conhecer estratégias de investimento para lucrar em tempos de crise. Muitos investidores reclamaram da tática. “O cara te coloca num cenário apocalíptico e depois te oferece (vende) um pedaço do céu”, comentou um deles. Mas houve quem elogiasse o material. “Informações embasadas em estatísticas, dados históricos e informações imparciais. Eu realmente acreditava que teríamos uma crise severa nos próximos anos, mas agora tenho ainda mais convicção”, observou outro.
Cabe notar que o vídeo da Empiricus é irmão gêmeo de “The End of America”. Em 2010, Porter Stansberry, fundador da Stansberry Research, que por sua vez é subsidiária da Agora Inc., usou a mesma estrutura para advertir os investidores em relação a um iminente colapso financeiro: começou pelas previsões acertadas (como a crise de 2008), passou pelo futuro cenário desastroso e, ao fim, se propôs a ensinar como investir de forma segura. No YouTube, o vídeo acumula quase 1 milhão de visualizações. A versão argentina (“El fin de la Argentina”) foi vista 64 mil vezes desde 2011.
Ainda que renda comentários negativos, a estratégia é perfeita para a captura de leads — jargão do meio digital que designa a coleta de e-mails. Uma vez ingressa na base de contatos da Empiricus, a pessoa passa a receber mensagens eletrônicas com títulos que atiçam a curiosidade: “Como ficar rico com dividendos”, “As 7 palavras para se aposentar com R$ 5 milhões” ou “Fique milionário pagando aluguel” são alguns exemplos. O chamariz parece funcionar: de acordo com seu site, a Empiricus acumula hoje 150 mil assinantes únicos.
Charlatanismo?
Embora bem-sucedida, a estratégia da Empiricus para captar clientes é vista com ressalvas por diversos participantes do mercado. Um total de 15 fontes foram ouvidas pela reportagem, entre as quais a maioria acredita que a Empiricus ludibria incautos com seu marketing heterodoxo. Em março, o analista Alexandre Póvoa, em sua coluna na capital aberto, explorou a questão, sem citar diretamente o nome da Empiricus, em texto intitulado “Recomendação de investimento: “compre pesquisa e venda charlatanismo”. “Temos presenciado recentemente um debate sobre o padrão ético de certos relatórios emitidos por casas independentes — não se questiona o conteúdo das análises, mas sim as chamadas apelativas de propaganda”, escreveu. “A primeira definição que aparece no Google para charlatanismo é ‘exploração da credulidade pública, anunciando e prometendo insistentemente cura por meio secreto ou infalível’”, observou.
A estratégia da Empiricus de causar polêmica é perfeita para a captura de leads — jargão que no meio digital designa a coleta de e-mails
Em janeiro, o blog da Vérios, fintech especializada em automatização de investimentos (robo-advisors), abriu espaço para que um leitor relatasse uma experiência com um dos relatórios da Empiricus. Guilherme Silva (nome fictício) assinou o “Estratégias com opções” em setembro de 2016 após abrir em sua caixa de e-mail uma mensagem com título atrativo: “Mais de R$ 227 mil em 30 dias”. O conteúdo da peça inicial de propaganda era igualmente arrebatador — mostrava uma sequência de operações que culminaram na exuberante cifra.
Silva investiu os 1,5 mil reais sugeridos. Dia a dia, seguiu as ordens enviadas por mensagens de texto. Ao fim do primeiro mês não atingiu a bolada prometida, mas insistiu. Operou com as dicas do relatório por 96 dias — perdeu, além dos 1,5 mil reais iniciais, os cerca de 3,5 mil reais pagos para recebê-lo. Em seu depoimento, o investidor listou os problemas enfrentados. Entre eles, a dificuldade de executar as ordens de compra e venda dentro das faixas de preço indicadas pela Empiricus — a demanda criada pelos próprios assinantes do relatório (todos recebem as orientações ao mesmo tempo) distorcia os preços das opções.
A Vérios faz parte do time dos que criticam a abordagem da Empiricus. Num texto publicado em seu blog com o título “Empiricus e o fim do Brasil”, a fintech lança a sua flecha: “Não escute quem fala mais alto. Antes de prestar atenção na mensagem, verifique quem é o emissor. Nós analisamos o mercado com foco em dados e acreditamos em separar claramente duas coisas que são bem distintas: informação e opinião. Não deixamos nosso otimismo ou pessimismo enviesar nossas avaliações. E jamais usaremos o alarde como estratégia para chamar sua atenção.”
O outro lado
Mas se as promessas da Empiricus são tão descabidas — e, pior, não se cumprem — por que mais assinantes de relatórios não colocam a boca no trombone? Parte da resposta está no modelo de negócios da empresa. Ao mesmo tempo em que produz relatórios que “vendem” a multiplicação de patrimônio, a Empiricus produz outros, mais comedidos, voltados, por exemplo, à indicação dos melhores fundos imobiliários e títulos do Tesouro Nacional. Esses relatórios têm clientes fiéis — e muitos deles saem em defesa da Empiricus quando reclamações pipocam na internet. Dos 70 comentários ao post de Silva publicados no blog da Vérios, muitos são apaziguadores. “Sou assinante de vários relatórios da Empiricus há quase três anos e estou muito satisfeito com o serviço. Não há como negar que o marketing deles é para lá de agressivo (eles mesmos já admitiram isso), mas no fim das contas quem toma a decisão de assinar ou não é o futuro cliente”, ponderou Henrique Costa. Eric de Oliveira Freitas foi na mesma direção. “Sou assinante (…) e recomendo muito. Me custam R$ 20 por mês e gosto das análises que fazem, mas já caí nesse marketing e também assinei um de opções”.
Há também quem prefira se aproveitar das ondas geradas pela Empiricus a criticá-la. “Aproveito o efeito manada criado pelas dicas dos relatórios e vendo, com lucro, papéis que ficaram encalhados na carteira”, conta um investidor. “A Empiricus chacoalha a árvore [ao atrair pessoas interessadas em comprar relatórios]; basta ficar por perto para alguma fruta sobrar para você, sem esforço”, diz um profissional de investimentos que concorre com a casa de análise. A questão agora é saber se a Empiricus continuará em evidência quando não puder mais se comunicar sem papas na língua.
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