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De olhos bem abertos
Acordos de leniência estimulam contratação de monitores independentes de compliance
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

O escritório do advogado Otavio Yazbek, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da BM&FBovespa (atual B3), fica na Vila Olímpia, na capital paulista. Mas há quatro meses ele bate ponto também em outros bairros e cidades, onde estão localizadas as diversas unidades da Odebrecht, a empreiteira que está no centro do furacão da Operação Lava Jato, conduzida há pouco mais de três anos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Investigada por corrupção, a companhia firmou um acordo de leniência em dezembro. O pacto prevê que a Odebrecht entregue informações sobre pagamento de propina e caixa dois nas eleições dos últimos 16 anos, pague multas milionárias e contrate um monitor independente para fiscalizar o cumprimento de uma série de medidas de compliance. Foi Yazbek quem assumiu esse papel, em fevereiro. “O acordo de leniência é a minha bíblia”, afirma. “Como monitor, verifico se a empresa está cumprindo o que prometeu, periodicamente presto informações a respeito às autoridades e reclamo do que não estiver fazendo”, relata.

Embora pareça algo novo para as empresas no Brasil, o monitoramento externo não é inédito no País. Multinacionais envolvidas em casos de fraude e corrupção, como Siemens e Monsanto, já tiveram suas práticas locais fiscalizadas por profissionais independentes, como resultado de acordos fechados pelas companhias com tribunais de países onde foram investigadas. A diferença é que, em função das apurações recentes de práticas de corrupção, começaram a surgir monitoramentos decorrentes de acordos firmados pelas autoridades brasileiras com empresas nacionais. São os casos da Odebrecht e da petroquímica Braskem, que tem a própria empreiteira e a Petrobras como principais acionistas. “Quando a empresa firma um acordo, ela se compromete a andar na linha. Mas sem tempo e sem recursos, como o governo pode ter certeza de que isso está realmente acontecendo?”, observa a advogada Isabel Franco, do escritório Koury Lopes Advogados. Eis precisamente onde entra o trabalho dos monitores.

Franco é uma veterana da atividade no Brasil. Ela está no seu terceiro monitoramento. Embora discorra longamente sobre o trabalho de maneira geral, a advogada se recusa a comentar especificamente os trabalhos que já fez. E não à toa. O nível de exposição nessa seara é um assunto controverso. Os relatórios periódicos produzidos e entregues pelos monitores às autoridades costumam ser confidenciais — podem ser acessados apenas pela própria empresa, pelo governo e pelo Judiciário. Por isso, nos Estados Unidos, causou furor a decisão de um juiz que determinou, no ano passado, a divulgação dos relatórios do monitor independente do HSBC. Em 2012, o banco admitiu ter violado a lei — sua estrutura foi usada para lavagem de dinheiro de tráfico de drogas. Desde então, cada passo que dá é acompanhado pelo monitor Michel Cherkasky, da consultoria Exiger. Tanto o governo quanto o HSBC recorreram à Justiça para evitar a divulgação, sob o argumento de que é fundamental manter a “confidencialidade das fontes de informação do monitor”. Ainda não houve uma decisão final sobre o caso.

Lupas a postos

Para ter certeza de que as empresas estão cumprindo o que delas foi exigido, os monitores passam o tempo — com o perdão da sinceridade — importunando a diretoria. Seu trabalho vai muito além daquele de um auditor independente, que em geral está concentrado na dimensão contábil. Em tese, os monitores têm acesso a praticamente tudo dentro da empresa. Podem coletar números, examinar contratos, analisar documentos, participar de reuniões e o que mais considerarem necessário para a fiscalização. Outra característica do trabalho é que geralmente eles não atuam sozinhos. Na Odebrecht, por exemplo, um time de cerca de 25 pessoas ajuda Yazbek, entre consultores terceirizados e pessoas dos quadros da própria Odebrecht. Embora tanto ele quanto os outros profissionais sejam remunerados pela empreiteira, a equipe de monitoramento se reporta à força-tarefa da Lava Jato. “Prestamos contas ao poder público”, ressalta o advogado.

, De olhos bem abertos, Capital Aberto

A possibilidade de o sistema de remuneração gerar conflito de interesses é considerada remota. Usualmente, a empresa monitorada elabora uma lista com três potenciais candidatos a ocupar o cargo, dos quais um é escolhido pelas autoridades com as quais o acordo foi firmado. Na Odebrecht, além de Yazbek, um monitor americano (Charles Duross) foi nomeado, pois o Departamento de Justiça dos Estados Unidos participou do fechamento do acordo. O processo de indicação dos profissionais que podem assumir a função costuma ser conduzido pela própria empresa, que começa procurando profissionais afinados com os temas de compliance e governança corporativa. Fora isso, há uma exigência fundamental: só segue adiante na seleção quem nunca tiver trabalhado com a empresa. “Era meu caso. Fui entrevistado no Brasil e nos Estados Unidos antes de ser escolhido”, destaca Yazbek.

Origem

O monitoramento corporativo é algo tradicional em países como os Estados Unidos, onde, em geral, o expediente é adotado no âmbito dos chamados DPAs (ou “deferred prosecution agreements”) e NPAs (ou “non-prosecution agreements”). A grosso modo, DPAs e NPAs são acordos que suspendem processos judiciais contra empresas. O primeiro que incluiu monitoramento foi firmado em 1995 com a Consolidated Edison, companhia de energia que abastece cidades como Nova York, conforme detalha o livro The Practitioner’s Guide to Global Investigations, produzido pelo serviço de informação especializado Global Investigations Review. A empresa foi punida por não ter informado o governo que a explosão de uma de suas instalações, em 1989, provocara a liberação do tóxico amianto no ar.

Foi a partir dos anos 2000 que a frequência dos acordos envolvendo monitoramento externo cresceu — principalmente depois da megafraude protagonizada pela companhia de energia Enron. O episódio direcionou o foco do governo americano cada vez mais para as investigações de empresas. Dados levantados pelo escritório de advocacia americano Gibson Dunn indicam que o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Comission (SEC) firmaram 35 acordos com empresas em 2016, dos quais 18 previram a contratação de um monitor externo.

Apesar de os monitoramentos serem comuns e acontecerem há décadas fora do Brasil, não há um manual detalhado ou uma metodologia padronizada que sejam empregados largamente para orientar a atividade. Nos Estados Unidos, as primeiras regras sobre o assunto foram publicadas pelo Departamento de Justiça apenas em 2008 — e tratam mais amplamente do processo seletivo e do papel do monitor, sem dar tanta atenção a como ele deve ser desempenhado. Em 2015, a American Bar Association (ABA), que reúne advogados e estudantes de Direito, elaborou um documento contendo padrões e princípios que devem ser seguidos pelos monitores, indicando desde como elaborar um plano de trabalho até como avaliar a efetividade de um processo de monitoramento. “De tempos em tempos, as autoridades divulgam algum novo material ou convocam reuniões com monitores para conversar. Mas não é algo tão formalizado”, conta Franco. O fato é que a especificidade dos casos dificulta a padronização. “Cada monitoramento é diferente. O trabalho do monitor precisa ser adaptado para a empresa, a indústria e o acordo em particular”, observa Daniel Alonso, diretor-executivo da Exiger.

Assim como não há regras sobre como ser um monitor, também não existem diretrizes que estabeleçam como remunerar essa atividade. Um caso que se tornou um clássico — e que desencadeou a formalização das primeiras regras sobre a contratação de monitores — foi o da companhia de equipamentos médicos Zimmer Holdings. Estima-se que a contratação de um monitor após um acordo fechado em 2007, para um período de um ano e meio, tenha lhe custado uma fortuna entre 28 milhões e 52 milhões de dólares. De maneira geral, a referência de preços atual para os salários dos monitores corresponde aos valores pagos a consultores com habilidades e experiências similares. Não é um serviço barato, mas ao aceitar pagar para ser fiscalizada a companhia emite um sinal de que está disposta a mudar. Paul McNulty, antigo procurador-geral dos Estados Unidos, costuma ser lembrado por uma frase a esse respeito: “If you think compliance is expensive, try non-compliance”. Numa tradução livre, “se você acha que compliance é caro, experimente não adotá-lo”. Nas companhias monitoradas, essa não pode ser mais uma opção.


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