Hoje o Brasil sofre não só com uma crise econômica severa, mas também com a exaltação dos ânimos em várias áreas. São movimentos sociais que preferem acusar levianamente a negociar soluções; indivíduos que optam pela ofensa em vez da proposição de alternativas. O direito societário e o mercado de capitais — apesar de operarem com todo o tecnicismo que lhes é peculiar — não estão isentos desse furor geral. A exaltação é especialmente relevante quando os interesses de acionistas controladores e minoritários estão, aparentemente, em choque, como acontece na análise do impedimento de voto do acionista controlador.
De um lado, alguns defendem que toda e qualquer prática que aumente a transparência e limite o poder de controle deve ser implementada por, supostamente, criar valor para os acionistas. De outro lado, pessoas argumentam que a proteção dos interesses dos minoritários inviabilizaria o desenvolvimento das companhias e criaria uma “ditadura dos minoritários”. Inclusive, já escutei de um profissional experiente do mercado a avaliação de que impedir o acionista de votar em situação de conflito de interesses seria mais um passo do País “para se tornar a Venezuela”.
A respeito do impedimento de voto, previsto pela lei societária, por exemplo, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem decidindo, de forma relativamente pacífica (como nos casos Tractebel – RJ2009/13179 – e Eletrobras – RJ2013/6635), que basta ser comprovado o potencial benefício particular do acionista para se verificar o impedimento ex ante, independentemente da análise dos efeitos da deliberação assemblear sobre a companhia. Como bem esclarece a ex-diretora Luciana Dias no âmbito desse caso envolvendo a Eletrobras, “o impedimento de voto dos acionistas que possam se beneficiar de modo particular com a deliberação […] é uma medida de proteção à legitimidade da assembleia e da decisão nela tomada”. O legislador, claro, não quis vedar deliberações que sejam favoráveis ao interesse social: se a decisão for boa para a companhia, os próprios acionistas não conflitados a aprovarão.
O remédio contra eventual abuso de minoritários no caso de impedimento do acionista controlador, como de maneira arguta indica o ex-diretor Marcos Pinto nesse caso da Tractebel, é a aplicação do dispositivo legal que estabelece o impedimento. Em outras palavras, se o próprio minoritário tem interesses exteriores que afetem sua imparcialidade, deve também ser impedido de votar.
Em qualquer caso, vejo que o mais importante é recuperarmos a capacidade de diálogo e, sem perder a força crítica, acreditarmos mais na importância das instituições. Os desafios do mercado de capitais brasileiro são complexos e, para problemas difíceis, precisamos de equilíbrio e atenção aos dados concretos para encontrarmos soluções satisfatórias.
Mais ainda: para que se tenha uma regulação do mercado de capitais eficiente e se proteja a segurança jurídica, precisamos confiar em instituições já existentes, como o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, e contribuir para o seu desenvolvimento. Se discordamos das suas decisões, há recursos cabíveis, sejam administrativos ou judiciais — e, claro, a possibilidade de criticá-las publicamente. No entanto, a completa desqualificação de um ente competente para solucionar conflitos sobre as regras aplicáveis ao mercado de capitais unicamente gera o caos, sem criar nada melhor em seu lugar.
*Caio Figueiredo C. de Oliveira ([email protected]) é analista da superintendência de relações com empresas da CVM
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