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A ordem é simplificar
Em vez de apostar em plataformas tecnológicas para facilitar voto à distância, Instrução 561 da CVM cria boletim eletrônico

142 Voto1Depois de uma longa e intensa discussão com o mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) finalmente colocará em prática, em 2016, uma norma para facilitar a participação à distância de acionistas em assembleias gerais. O santo que promete esse milagre não é tecnológico, como alguns imaginavam. A CVM optou por postergar o voto on-line, em tempo real, por entender que esse tipo de tecnologia ainda não foi suficientemente testado para se tornar mandatório para todas as companhias e assembleias. No lugar, instituiu o boletim de voto a distância, gestado pela Instrução 561, em abril. O documento será a chave para fomentar a democracia nas companhias, tanto por permitir o voto remoto quanto por abrir espaço para acionistas minoritários apresentarem propostas e indicarem conselheiros. Inicialmente, apenas emissoras de ações pertencentes ao IBrX-100 ou ao Ibovespa estarão sujeitas à norma. A partir de 2017, a prática se estenderá a outras empresas.

O boletim de voto foi a solução encontrada pela CVM para diminuir, de forma simples, a burocracia e os custos dos investidores para participar dos encontros de acionistas. Padronizado, abarca as mais diversas situações de voto de uma assembleia ordinária e pode ser enviado pelo investidor diretamente à companhia ou a seu banco custodiante ou escriturador das ações. No segundo caso, fica a cargo do intermediários repassar o voto à empresa. Entre as situações previstas no boletim está, por exemplo, a eleição de conselheiros por meio de voto múltiplo. Assegurado pela legislação societária ao investidor que possua, no mínimo, um décimo do capital social, o mecanismo amplia a possibilidade de minoritários elegerem representantes, por atribuir a cada ação o número de votos equivalente ao total de assentos a serem ocupados. Outra previsão contida no boletim é a eleição em separado por minoritários, isto é, sem a participação do controlador.

O documento para voto à distância também está preparado para que o investidor faça propostas a respeito de matérias adicionais e indique candidatos ao conselho de administração ou ao conselho fiscal. Na primeira situação, o direito é atribuído ao sócio com participação na companhia entre 1% e 5%, conforme o capital social. No segundo, àquele com fatia entre 0,5% e 2,5%. Os boletins deverão ser disponibilizados pelas companhias em seu site e no portal da CVM, um mês antes da data da assembleia.

Nem tão simples
Ao facilitar a vida dos acionistas, a Instrução 561 tirou da zona de conforto companhias e intermediários. Como o novo regulamento prevê a possibilidade de enviar o boletim diretamente às empresas, elas terão que criar mecanismos para comprovar a autenticidade do escrito. Já os escrituradores e custodiantes precisarão adaptar seus sistemas para repassar o documento às companhias. A identificação do acionista, contudo, não será problema para eles, que reúnem informações completas a seu respeito em um cadastro, usado normalmente para pagamento de dividendos ou subscrição de ações. “O funcionamento desse processo dependerá de uma tecnologia que ainda precisa ser desenvolvida pelos intermediários”, admite Luciana Dias, diretora da CVM.

O mais provável é que os bancos custodiantes e escriturários façam modificações nos chamados “sistemas de mensageria” para abarcar a nova função. Hoje, eles são usados para conceder ao investidor direitos como os de subscrição de ações e recebimento de dividendos. “Sabemos de um grande banco que já está construindo uma plataforma para processar os boletins de voto”, conta Luciana. Além de atualizar sua tecnologia, as instituições financeiras terão que se preparar para lidar com a sobrecarga de trabalho num único mês, já que as empresas brasileiras concentram suas assembleias em abril.

É claro que a nova função não é de todo ruim para custodiantes e escrituradores; ela também traz uma oportunidade de negócios. “Essas instituições podem prestar o serviço de verificação de cadastros para as companhias”, diz Byung Soo Hong, sócio do MHM Advogados. No edital de audiência pública, a CVM esclareceu que o envolvimento de custodiantes no exercício de direito de voto de acionistas é comum em outras jurisdições, sobretudo naquelas em que não se pode identificar o beneficiário final das ações. No caso brasileiro, a opção por lhes atribuir esse papel, juntamente com os escrituradores, decorre do fato de já conhecerem os acionistas e, em alguns casos, se relacionarem diretamente com eles. “Será um grande aprendizado para os bancos e as companhias lidar com a quantidade de informações adicionais a ser processada”, afirma a sócia do Souza Cescon Advogados, Gyedre Oliveira.

A solução desagradou quem investiu em plataformas de voto por procuração eletrônica. De acordo com Arleu Anhalt, presidente da consultoria de relações com investidores da Firb, a CVM deveria ter inserido as plataformas na cadeia de agentes responsáveis por viabilizar o voto à distância. A Firb, que gerencia o portal Assembleia na Web, conversa atualmente com bancos custodiantes sobre como poderiam, juntos, atender os acionistas, integrando seus sistemas. Além de prover o voto por procuração eletrônica — que as companhias podem continuar oferecendo ao investidor, se quiserem —, essas plataformas têm outros serviços, como relatório de votação, consulta aos documentos da reunião, plataforma de webcast para acompanhamento do evento ao vivo e fórum de discussão entre acionistas e administradores.
Na opinião de Denys Roman, sócio da MZ Group, responsável pelo Assembleias Online, o mercado vive um excesso de conservadorismo, que justifica a escolha das empresas e investidores pelas ferramentas tradicionais.

142 VotoMapa de votação
Outra novidade criada pela Instrução 561 é o mapa de votação à distância. O documento nada mais é do que a consolidação das escolhas remotas dos acionistas. Ele deve identificar quantas aprovações, rejeições ou abstenções cada matéria deliberada recebeu e quantos votos cada candidato ou chapa ganhou, conforme o caso. De acordo com a norma, a companhia deve receber o mapa com, no máximo, sete dias de antecedência da reunião e ser divulgado pela empresa dois dias antes da assembleia, em seu site e no portal da CVM. Na opinião da gerente de governança corporativa da CPFL Energia, Gisélia da Silva, o tempo é muito curto. “Como a norma não fala em dias úteis, podemos considerar apenas cinco dias para que a empresa se organize.”

A publicação do mapa foi um dos pontos polêmicos da norma. Para a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), ela traz “excesso de transparência”. No relatório de audiência pública, a entidade sugeriu que o mapa de votação à distância fosse fornecido aos acionistas mediante solicitação justificada direcionada à companhia ou banco escriturador ou custodiante. Embora a Abrasca não dê detalhes do por que a divulgação do documento seja um problema, sabe-se que o mapa de votação pode favorecer uma mobilização de minoritários — algo nem sempre desejável para as companhias. A CVM, no entanto, manteve sua posição. Na visão da autarquia, o mapa de votação à distância contribui para a melhor organização da assembleia e para o exercício informado do direito de voto, além de minimizar a assimetria informacional entre, de um lado, o controlador e a companhia, e, do outro, os acionistas não controladores. A instrução de voto dada no boletim não é irrevogável. Se comparecer fisicamente à assembleia, o acionista pode solicitar a desconsideração de seu voto no documento, a fim de fazer valer a decisão tomada presencialmente.

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) também fez sugestões em relação ao mapa. Solicitou, na audiência pública, que os acionistas presentes à assembleia, assim como os que votaram via boletim, recebessem um mapa nominal de votação, mediante solicitação junto à companhia. Segundo Mauro Cunha, presidente da Amec, um dos benefícios da medida seria a possibilidade de o acionista confirmar que o seu voto foi recebido e devidamente processado. Além disso, permitiria que todo o processo de votação, se necessário, fosse auditado, e reforçaria a importância e a responsabilidade do voto proferido pelo acionista, sempre visando o melhor interesse da companhia. A CVM, no entanto, preferiu não abrir a possibilidade. “Ainda não está na hora de lidarmos com essa questão”, pondera Luciana.

Um passo de cada vez
A autarquia também preferiu deixar para uma discussão futura a proposta, feita por alguns participantes da audiência, de boletim bilíngue, em que a diretoria da empresa seria responsável por garantir a veracidade e a fidedignidade da versão em inglês. A CVM ponderou que, embora possa ser uma boa prática para as companhias com participação expressiva de estrangeiros via voto a distância, a sugestão merece ser discutida de forma ampla e cuidadosa, ponderando-se seus custos e benefícios.

Essa questão, no entanto, é pequena perto das facilidades que a norma trouxe para os estrangeiros. De um modo geral, esses acionistas tinham três obstáculos: o curto prazo entre a convocação e a realização das assembleias (no mínimo 15 dias, de acordo com a Lei das S.As.); a necessidade de outorga de procuração anual para representação nos conclaves; e as diversas ações burocráticas levadas a cabo pelas companhias no processo de representação, como reconhecimento de firma, tradução, registro e validação da procuração por autoridade diplomática brasileira. Esses problemas foram superados com o boletim. De acordo com a Instrução 561, o documento deve ser apresentado um mês antes da assembleia e não é necessário um procurador no encontro para exercer a instrução de voto.

A próxima temporada de assembleias, em 2016, será a melhor demonstração das regras em funcionamento. Se bem-sucedida, a Instrução 561 terá o mérito de, sem grandes malabarismos, fomentar a participação dos acionistas nesses encontros — um objetivo há muito perseguido, mas nunca visto na prática.

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com


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