Após significativas alterações promovidas pela Lei 13.465/17, o mercado recebeu com certa surpresa mais uma alteração no regime da alienação fiduciária de imóveis: o artigo 9º da Lei 13.476 (publicada no último dia 29 de agosto), que disciplinou a constituição de gravames e ônus, inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, sobre ativos financeiros e valores mobiliários.
De acordo com a nova regra, caso depois da excussão das garantias constituídas no instrumento (de abertura de limite de crédito) o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrente das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança (judicial e extrajudicial), o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, de forma que não se aplicaria o disposto nos parágrafos 5 e 6 do art. 27 da Lei 9.514/97, a Lei da Alienação Fiduciária.
Importante contextualizar: esses dispositivos da Lei da Alienação Fiduciária tratam da muito discutida quitação “automática” da dívida (inclusive na hipótese de o preço obtido no segundo leilão não ser suficiente para quitação integral, considerando as despesas da própria excussão). Assim, ao que parece, a nova regra pretende garantir à instituição financeira o direito de continuar cobrando o devedor (e os garantidores) eventual saldo da dívida (acrescido das despesas).
A regra de quitação sempre constituiu elemento intrincado no âmbito da alienação fiduciária de imóveis. Resultava em “cuidado” extraordinário com a avaliação do bem. Em busca de proteção, os agentes financeiros em geral exigiam que a avaliação do bem fosse superior ao valor nominal da dívida, para que se configurasse garantia suficiente para a real cobertura dos riscos. Em outros casos, como na hipótese de operações financeiras nas quais havia mais de um imóvel em garantia, os contratos procuravam “desdobrar” o crédito ou, ainda, estabelecer a renúncia do fiduciante ao referido “benefício de quitação” conferido ao devedor pelos parágrafos 5 e 6 da Lei da Alienação Fiduciária (renuncia que, em muitas situações, ia parar no Judiciário, em que ainda não há definição de tendência majoritária).
Nesse contexto, teria a nova regra capacidade para conferir segurança jurídica às operações de crédito? A nosso ver, parcialmente.
Isso porque a nova lei é expressa e (talvez excessivamente) específica ao determinar a modalidade de contrato que pretende regular; qual seja, o de abertura de limite de crédito e operações financeiras dele derivadas. Assim, é possível que o Judiciário dê interpretação restritiva e considere que a referida “não quitação” das obrigações fique circunscrita a essa modalidade de negócio financeiro. Até porque não houve revogação da regra anterior, nem mesmo tacitamente, por ter sido adotada a técnica “da exceção” (e nova lei fala claramente que a regra se aplica aos casos “… de contrato de abertura de limite de crédito…”).
Outro ponto de cuidado refere-se à posição do terceiro garantidor. Há que se reconhecer que, na hipótese de ser um terceiro o fiduciante, para que ele permaneça obrigado ao pagamento do saldo da dívida (como denota a nova lei) deveria comparecer no instrumento também como garantidor em caráter fidejussório, já que sua obrigação extrapolará as forças do bem dado em alienação fiduciária (limite evidente no sistema para aqueles que concedem garantia real).
O tema certamente será ainda objeto de novos debates e de necessário aprofundamento jurídico. Esperamos, porém, que essa etapa dos debates seja logo superada e que a nova regra possa contribuir para um maior dinamismo no mercado de crédito.
*Ricardo Negrão ([email protected]) é sócio do NFA Advogados.
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