O cenário atual — com crédito imobiliário ainda escasso, inflação controlada e perspectiva de recuperação dos preços dos imóveis — incentiva as incorporadoras a retomar o sistema de incorporação por administração, também conhecido como “preço de custo”.
Nessa modalidade, também regulada pela lei de incorporações imobiliárias, o incorporador promete a venda de frações ideais do terreno e apresenta aos interessados uma perspectiva de custo da construção e uma estimativa de prazo para a conclusão do empreendimento. Custo e prazo, ressalte-se, são meras estimativas nesse modelo. As unidades não compromissadas devem ser custeadas pelo incorporador. Por não dispor da participação de entidade financeira no custeio da construção, a vocação desse sistema está mais afeita aos empreendimentos de alto padrão.
A incorporação por preço de custo “transfere” para o adquirente o ganho decorrente da perspectiva de valorização do metro quadrado da unidade construída. Por isso a lei estabelece que o incorporador apresente detalhes do andamento da obra, preste contas em relação aos custos e siga à risca o memorial descritivo e a especificação prometidos. Restam à incorporadora o recebimento das taxas de gestão (tanto da incorporação como da construção, caso acumule essa incumbência) e o ganho decorrente da venda das frações ideais do terreno.
Interessante notar que nessa modalidade de incorporação a lei é clara e específica ao determinar as consequências do eventual inadimplemento de adquirentes. Nessa situação, a unidade vinculada ao inadimplente deve ser leiloada, e o leilão precisa envolver a venda da fração ideal (estando ou não quitada), a quitação proporcional do valor já investido na construção e a assunção da obrigação de concluir os investimentos necessários à finalização da obra (e a eventual assunção da quitação do saldo do preço da fração ideal). Assim, o valor resultante do leilão será utilizado pelo incorporador para quitação das parcelas inadimplidas (construção e fração ideal) e o saldo, se houver, será de direito do adquirente anterior que estava inadimplente. Eventuais multa e juros incidentes sobre o inadimplemento são revertidos em benefício do empreendimento.
Outro aspecto a ser destacado refere-se à majoritária posição da Justiça, segundo a qual o incorporador não está obrigado a aplicar recursos próprios para suprir a falta que advier do inadimplemento — suas obrigações envolvem apenas a gestão adequada do negócio e a promoção das medidas de cobrança. Assim, caso o ritmo das obras seja desacelerado em razão do inadimplemento de parte dos adquirentes, esse atraso não poderá implicar responsabilidade do incorporador e muito menos dever de indenização.
Nota-se que na estrutura da incorporação por administração o legislador e o Judiciário reconheceram que não seria adequado impor ao empreendedor as consequências pelo inadimplemento de quaisquer dos adquirentes. Há o reconhecimento de que o empreendimento se viabiliza pela efetiva aplicação, pelos adquirentes, dos recursos comprometidos nos respectivos compromissos (que têm caráter irrevogável e irretratável).
Portanto, existe aí um caminho que poderá ser eventualmente adotado para os empreendimentos estruturados no regime da incorporação por empreitada — principalmente aqueles vinculados ao instrumento do patrimônio de afetação, que guarda em seu sistema muitas das regras típicas da construção por administração.
Quem sabe o legislador não autorize os empreendedores a inserir nos respectivos compromissos a possibilidade de leilão da unidade compromissada cujo adquirente venha se tornar inadimplente (com a consequente aplicação das regras de destinação dos recursos obtidos com essa venda). E mais: caso comprovado que o nível de inadimplemento dos adquirentes é elevado a ponto de comprometer a viabilidade do negócio e o ritmo da construção, poderia o incorporador (por justa causa) suspender as obras sem correr o risco de ser responsabilizado perante os demais adquirentes e o agente financiador do empreendimento.
Essa sugestão merece aprofundamento e análise, considerando todas as suas consequências — financeiras e jurídicas. Mas não deixa de ser uma possibilidade cuja estrutura consta da própria lei e que vem sendo aplicada de forma adequada pela jurisprudência há muitos anos para os empreendimentos desenvolvidos pelo regime da administração.
Ademais, nos parece que com a correta disposição acerca do destino do resultado financeiro do leilão, de modo a garantir aos adquirentes inadimplentes o direito de receber o saldo eventualmente apurado (após o desconto da inadimplência e dos juros e da multa), essa regra estaria coadunada com os princípios do código de defesa do consumidor, que impede a perda total dos valores pagos mesmo em caso de inadimplemento do consumidor.
Ricardo Negrão ([email protected]) é sócio de NFA Associados
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