No mercado imobiliário brasileiro, tornou-se praticamente unânime a realização de negócios entre pessoas jurídicas optantes pelo regime tributário do lucro presumido. Desde a incorporação de empreendimentos por meio de sociedades de propósito específico (SPE) até a administração de bens próprios por holdings patrimoniais, o lucro presumido normalmente oferece otimização tributária se comparado ao regime de lucro real.
Também são muito comuns nesse mercado as operações de permuta. Exemplo clássico é a permuta de terreno: ele é entregue pelo “terrenista” (em alguns casos na figura de uma pessoa jurídica imobiliária tributada no lucro presumido) em troca de unidades a serem futuramente construídas pela SPE incorporadora, que quase sempre está no lucro presumido.
Historicamente, o entendimento predominante era de que as operações de permuta não resultavam em tributação, pelo fato de serem a simples troca de um bem por outro, sem acréscimo patrimonial ou geração de riqueza para os permutantes. Na contabilidade, simplesmente trocava-se um ativo por outro.
Contudo, em 2014 a Receita Federal publicou o Parecer Normativo Cosit nº 9, segundo o qual uma operação de permuta deve ser tratada como duas compras e vendas recíprocas. A interpretação tem algumas consequências: cada um dos permutantes deve reconhecer o bem recebido como uma receita contábil em contrapartida ao custo do bem alienado; se o permutante for uma pessoa jurídica imobiliária no lucro presumido, deve tributar essa receita contábil; e o valor a ser tributado (base de cálculo) deverá ser o valor constante do contrato de permuta.
O Parecer Normativo Cosit nº 9 apoia-se em uma construção jurídica derivada da lógica contábil, amparando-se em uma questionável equiparação da permuta — instituto jurídico tratado de forma autônoma pelo Código Civil — à compra e venda. Juristas renomados, entretanto, criticam essa interpretação, defendendo a existência de efeitos e obrigações distintas.
Adequado planejamento pode reduzir o custo tributário das incorporadoras
Há ainda outro pressuposto questionável no Parecer Normativo Cosit nº 9: a presunção de obrigatoriedade do registro contábil de receita na operação de permuta. O Pronunciamento Técnico CPC nº 30, vigente desde 2012 e aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estabelece que quando a permuta envolve bens de natureza similar a transação não gera receita contábil. Apesar da ausência de definição do termo “natureza similar” no referido pronunciamento, é evidente a similaridade de natureza entre dois bens imóveis (ainda que não idênticos).
A terceira, e mais gritante, fragilidade do Parecer Normativo Cosit nº 9 é o fato de determinar — sem qualquer argumentação jurídica — que a base de cálculo dos tributos na permuta seria o valor do contrato, aplicável a cada um dos dois permutantes. Aqui há manifesta incoerência lógica com o resto do documento da Receita Federal. Isso porque, caso se aceite que deva ser reconhecida uma receita contábil, o valor a ser registrado por cada um dos permutantes deveria ser equivalente ao custo histórico contábil de seu respectivo bem dado em permuta — e, nesse caso, fatalmente ocorreria uma divergência entre as bases de cálculo aplicáveis a cada um dos permutantes, o que ofende a isonomia tributária entre dois contribuintes ligados entre si pelo mesmo fato gerador, decorrente de um único ato jurídico recíproco.
Mais uma incongruência do Parecer Normativo Cosit nº 9 refere-se ao momento da tributação da permuta. Normalmente, contratos desse tipo contemplam diversas condições resolutivas. Assim, não há certeza sobre a efetiva ocorrência da transação imobiliária enquanto não é transferido o domínio do terreno à SPE incorporadora, o que ocorre (ou não) em momento posterior. Portanto, no momento da celebração do contrato, o fato gerador ainda não pode ser tido como ocorrido.
Desde a publicação do Parecer Normativo Cosit nº 9, os players do mercado imobiliário têm buscado estruturas contratuais e societárias alternativas, para fugir do risco tributário — agora escancarado. O problema é que muitas vezes as opções são tributariamente onerosas ou impraticáveis em termos de negociação.
Os efeitos negativos sobre o mercado de incorporações só não foram mais acentuados porque a publicação do parecer da Receita coincidiu com o agravamento da crise econômica, que reduziu drasticamente o ritmo de lançamentos de empreendimentos imobiliários e, por tabela, a quantidade de permutas. De qualquer maneira, as operações que estavam em andamento tornaram-se mais onerosas em 6,73%, percentual da carga efetiva dos tributos atingidos pelo parecer, o que inibiu ainda mais a atividade imobiliária.
Ainda que o tema seja relativamente recente — no habitual contexto de demora no desenvolvimento de discussões tributárias pelas autoridades administrativas e judiciárias brasileiras —, já começam a surgir as primeiras decisões favoráveis aos contribuintes para afastamento do Parecer Normativo Cosit nº 9, especialmente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (que abrange Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).
Com o tão esperado reaquecimento do mercado, os players que se anteciparem nessa discussão tributária poderão obter relevante vantagem no atual cenário de margens operacionais reduzidas.
*Lucas Dollo ([email protected]) é sócio responsável pela área tributária de NFA Advogados
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