No regime conhecido como lucro presumido, tributa-se a receita operacional de uma empresa — aquela auferida no desenvolvimento de suas atividades-fim. Especificamente no mercado imobiliário, há duas situações distintas nesse universo do lucro presumido: empresas que trabalham com venda de imóveis em geral recolhem ao fisco entre 5,93% e 6,73% da receita bruta obtida, percentuais que já consideram IR, CSLL (contribuição social), o PIS e a Cofins. No caso das que locam imóveis próprios, a carga tributária varia de 11,33% a 14,53% das receitas dos aluguéis. Em ambas os resultados não operacionais (vindos de atividades não usuais) são tributados à alíquota de 34% sobre o ganho de capital. É assim que o sistema normalmente funciona, mas recentes posicionamentos da Receita Federal causam incertezas entre os participantes do mercado imobiliário, em especial das empresas patrimoniais.
A adoção do lucro presumido é habitual entre as empresas de desenvolvimento imobiliário — como as sociedades de propósito específico (SPEs) de incorporação e loteamento — e entre as comercializadoras, que têm por atividade a revenda de imóveis. Também adotam esse regime muitas empresas patrimoniais, que mantêm imóveis para a geração de renda, por meio de aluguéis e arrendamentos.
No caso específico da empresa patrimonial, é bastante comum a seguinte situação: um imóvel mantido por longo período no patrimônio da empresa em dado momento apresenta valor de mercado muito superior ao seu custo de aquisição (inclusive em decorrência da depreciação da moeda no tempo) e ela cogita a possibilidade de vendê-lo. Em casos como esse, que envolvem elevada margem de lucro nominal, é vantajosa a tributação da receita operacional pelo lucro presumido — alíquota de 6,73%.
Ocorre que, de maneira muito firme, a Receita Federal recentemente tem desenquadrado esse tipo de mecanismo de tributação em muitas dessas operações. O fisco argumenta que a tributação pela “alíquota efetiva” de até 6,73% alcança apenas as receitas operacionais — ou seja, aquelas decorrentes da alienação de imóveis destinados à venda. Já as alienações de imóveis que não eram originalmente destinados à venda — caso comum entre as empresas patrimoniais — seriam classificadas como “não operacionais” e, portanto, estariam sujeitas à tributação do ganho de capital, à alíquota total de até 34%.
A partir dessa interpretação surgem controvérsias quanto aos elementos necessários — e seus respectivos critérios objetivos e subjetivos, formais e materiais — para o enquadramento de uma venda no conceito de “atividade operacional”. Há muita divergência doutrinária e jurisprudencial, inclusive dentro da própria Receita Federal.
Dois importantes elementos formais a serem observados pela empresa vendedora, ainda que não expressamente obrigatórios pela lei, são a previsão expressa da atividade de venda de imóveis no objeto social e a classificação contábil do imóvel no estoque. Não há polêmica quanto à importância do primeiro elemento, visto que sua inobservância fatalmente resulta em elevado risco fiscal. Mas a classificação contábil é objeto de discussão quanto ao aspecto temporal e finalístico: desde quando tal imóvel deve estar contabilizado no estoque?
No passado, pela Solução de Consulta COSIT nº 254/14, a Receita aceitou a reclassificação contábil de imóveis do imobilizado ao estoque, considerando legítimo o redirecionamento de bens do ativo imobilizado para a comercialização, admitindo expressamente que a legislação tributária não previa qualquer restrição temporal. E foi além: considerou aceitável que uma empresa altere suas atividades e seu objeto social no decorrer do tempo, afirmando que “o que importa é que a pessoa jurídica exerça, de fato e direito, a atividade imobiliária quando auferir tal receita decorrente da alienação do imóvel destinado a esse fim”.
Contudo, o fisco tem aplicado uma interpretação restritiva nos últimos anos, por meio de decisões administrativas, de soluções de consulta e da Instrução Normativa 1.700/17 (artigos 215, §4º e 279, parágrafo único), praticamente criando um pré-requisito formal: a obrigatoriedade de registro contábil no estoque desde o momento da aquisição do imóvel pela empresa.
É curioso notar que a nova posição da Receita Federal apoia-se em aspectos formais, em detrimento da essência do negócio. Assim, nesse tema o fisco adota posição contrária à postura moderna que assume ao dar primazia à essência em detrimento da forma.
Já a 2ª turma da 3ª câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) recentemente considerou o aspecto finalístico quando decidiu que o enquadramento no conceito de “receita operacional” depende da intenção da empresa em destinar o imóvel à venda. Essa decisão do Carf, no entanto, também se baseou num pré-requisito temporal bastante rigoroso — e inexistente na lei —, ao estabelecer que essa intenção “deve estar demonstrada desde o momento da aquisição do imóvel”.
Ademais, aquele órgão julgador criou outra restrição carente de embasamento legal ao determinar que imóveis geradores de renda (aluguéis) nunca possam ser considerados como ativo circulante. Ora, não é razoável se estabelecer, arbitrariamente, que um imóvel à venda não possa ser alugado enquanto não concretizada a sua comercialização, inclusive para cobrir seus custos de manutenção. Ao sustentar esse argumento, o Carf ignorou uma prática bastante comum de empresas do mercado imobiliário, especialmente no segmento de propriedades comerciais, nas quais a própria existência de um contrato de locação acresce valor de mercado ao imóvel a ser comercializado.
Assim como uma empresa que tem por objeto exclusivo a compra e venda de ações em bolsa de valores pode receber eventualmente dividendos daquelas ações sem que isso altere, retroativamente, a natureza de sua atividade, o recebimento de aluguéis enquanto se espera uma boa oportunidade de venda do imóvel não tem o condão de mudar retroativamente a intenção original da empresa imobiliária.
É imprescindível, nesse contexto, a análise cuidadosa de cada situação concreta, a fim de se mitigar riscos fiscais relevantes em operações imobiliárias aparentemente vantajosas sob a ótica tributária, observando-se as diretrizes formais e essenciais gradativamente estabelecidas na doutrina e na jurisprudência.
Lucas Dollo ([email protected]) é sócio responsável pela área tributária do NFA Advogados
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