O mundo já estava bem complicado para os líderes empresariais até fevereiro deste ano. Em apresentações para conselhos, eu costumava elencar um conjunto de 12 megatendências que já vêm redefinindo a maneira como as empresas atuam e criam valor. Elas incluem questões como a inteligência artificial e a era das máquinas inteligentes, as mudanças climáticas, as expectativas cada vez maiores dos stakeholders em relação ao papel das empresas na sociedade e a chegada ao mercado de trabalho de gerações com novos valores e aspirações.
Com o surgimento da pandemia de covid-19, todas essas transformações — consideradas até então colossais — se tornaram relativamente pequenas.
Apesar de diversos especialistas terem alertado para o risco de uma grande epidemia global, ninguém esperava essa reviravolta sem precedentes e praticamente nenhum modelo de gestão de riscos contemplava esse “cisne negro”.
O mundo simplesmente parou e ainda não está claro como emergirá pós-covid-19. Há muitas especulações — para todos os gostos —, e só o tempo dirá. Mas não parece haver dúvida de que será um período marcante na vida de todos, a partir do qual um novo “normal” se estabelecerá.
Para as empresas, este momento é sobretudo um exercício de perseverança e superação. Como consequência, a questão mais importante para os líderes empresariais, agora e nos próximos anos, é criar organizações resilientes. Isto é, empresas com a capacidade de se antecipar e de reagir rapidamente a grandes mudanças (incluindo crises como esta) e não apenas sobreviver a essas transformações, como também se adaptar e emergir melhor do que antes.
E uma empresa construída para crescer com as adversidades e ter sucesso em um mundo de incertezas está preparada para durar indefinidamente.
Essa característica será absolutamente essencial em um século 21 em que a total imprevisibilidade já é — e será cada vez mais — a marca do tempo. Como dizia Peter Drucker, “o maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência, é agir com a mesma lógica de ontem”.
Uma maneira perfeita de não ter sucesso em um mundo como esse é configurar a empresa como se ainda estivesse no “business as usual” do século 20. Ou seja, rígida, piramidal, hierárquica, linear, processual, muitas vezes vazia, sem sentido e movida nos seus procedimentos por uma crença ilusória de imparcialidade e racionalidade nas decisões.
Logo, a receita para o insucesso é continuar a pensar na empresa como se fosse uma grande máquina na qual se colocam recursos de toda a sorte — inclusive recursos humanos — com o objetivo exclusivo de produzir resultados financeiros com a máxima eficiência possível.
Esse tipo de organização poderia até funcionar bem em um ambiente estático, que premia a repetição, a escala e a eficiência. Mas é a receita para o desastre no mundo extremamente dinâmico e mais humanizado que tenderá a surgir depois da pandemia.
E quais são os atributos de uma empresa resiliente?
Existem naturalmente aspectos financeiros e operacionais. A atual crise mostrou, por exemplo, que é necessário ter uma gestão de caixa mais conservadora do que o preconizado por muitos financistas, que é preciso montar cadeias de suprimento que priorizem a redundância e backups em lugar da obsessão pela eficiência, e que é necessário contar com uma infraestrutura robusta de TI que viabilize a digitalização dos principais processos rapidamente.
Como se trata de organizações humanas, contudo, o elemento incomparavelmente mais importante de uma empresa resiliente é o cultural. Uma empresa precisa estar não apenas financeira e operacionalmente pronta para as adversidades, mas sobretudo culturalmente preparada.
Uma empresa resiliente tem três qualidades fundamentais: ela aprende continuamente, é ética com seus stakeholders e persegue autenticamente um propósito mais amplo além do resultado financeiro.
Para aprender, uma organização precisa de elevada segurança psicológica, experimentação e motivação intrínseca. Para ser ética, deve vivenciar diariamente seus valores, instaurar uma cultura ética e promover um estilo de liderança virtuoso em todos os escalões. Para ter um propósito genuíno, precisa maximizar o propósito em vez dos lucros, sentir e responder ao ambiente externo tendo o propósito como norte e disseminar primordialmente sentido em vez de cascatear números a todos os membros da organização.
Nas próximas colunas, detalharei cada uma dessas qualidades.
*Prof. Dr. Alexandre Di Miceli da Silveira é fundador da Virtuous Company Consultoria e autor de Ética Empresarial na Prática: Soluções para a Gestão e Governança no Século XXI. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.
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