Em meio a dados de economia forte e uma desancoragem das expectativas de inflação no Brasil, o cenário da política monetária mudou. O ciclo de corte dos juros foi interrompido e agora deve dar lugar a uma alta da Selic, na contramão do afrouxamento esperado nos Estados Unidos. Pelo menos é o que se espera desta Super Quarta. As expectativas para as reuniões de política monetária aqui e nos EUA, que se encerram nesta quarta-feira (18), não podiam ser mais opostas. A se confirmarem as expectativas, o principal efeito será gerar fluxo de capital estrangeiro para o Brasil, devido à diferença de juros.
Para o BTG Pactual, a reunião do Banco Central do Brasil nesta quarta deve trazer uma elevação da taxa de juros para 10,75% ao ano, associada a uma comunicação mais dura por parte do Copom. A visão do aumento inicial de 0,25 p.p é compartilhada por outros grandes bancos como UBS e Itaú. Já sobre os próximos passos da autoridade monetária, tudo depende dos rumos dos indicadores e, em parte, da economia norte-americana. “A magnitude de aumentos adicionais futuros dependerá da previsão de inflação do Copom para seis trimestres à frente”, disse o UBS, em relatório. Para o banco, o cenário-base é de 11,75% ao final do ano. “Entendemos, contudo, que uma taxa de câmbio potencialmente mais apreciada (seja pelo carry da moeda, seja por uma retomada dos preços das commodities) possa reduzir o tamanho do ciclo à frente.”
Para Fernando Gonçalves, superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú, não é algo comum ter alta de juros no Brasil e corte nos EUA. Em geral, os ciclos monetários tendem a andar na mesma direção, mas o que sustenta a decisão de mais um aperto monetário doméstico são os dados de atividade muito fortes, com sinais importantes de pressão inflacionária.
“O primeiro ponto é que o chamado hiato do PIB, que é exatamente a diferença entre o PIB e o seu potencial, está positivo, ou seja, a economia está acima do seu potencial nesse momento com todas as indicações”, comenta o executivo. “Quando a gente tem um crescimento acima do potencial, a inflação fica mais pressionada. Nós temos uma inflação que está próxima do topo da banda de tolerância de 4,5%, com uma composição bastante ruim, com uma inflação de serviços bastante pressionada.”
Gonçalves acrescenta que boa parte das pressões inflacionárias vem do mercado de trabalho. “Tem pressões salariais que estão impactando a inflação e um mercado de trabalho muito aquecido. Um mercado cuja taxa de desemprego está pelo menos uns dois pontos abaixo do equilíbrio”, afirma o economista, citando a performance relativamente ruim do real e a desancoragem das expectativas como fatores que influenciam na alta dos juros.
“A gente está com um call de uma alta de 0,25 pp. Depois vemos uma aceleração para alta de meio, duas vezes. E na sequência, mais uma alta de 25. Já no início do ano que vem, terminaria o ciclo de alta em 12%”, acredita o executivo do Itaú.
O cenário de corte de juros nos EUA, para Gonçalves, é de 0,25 p.p. graças a sinais mais claros de desaceleração do mercado de trabalho e da inflação. “Há uma dúvida importante aqui. Acho que se for corte de meio ponto no juro americano, aumenta a chance de realmente termos alta de 0,25 no Brasil. A gente vai aumentar a diferença dos nossos juros para os juros americanos. Isso é algo que tende a atrair capital para o país. Tende, portanto, a apreciar o nosso câmbio.” Ou seja, o corte de juros mais acentuado nos EUA acaba “nos empurrando” também para um aumento menor no Brasil e a consequência imediata disso é uma tendência de valorização do real.
Saiba identificar, avaliar e investir em startups com potencial disruptivo no curso Corporate Venture Capital
Nos EUA, ainda há um impasse em relação às apostas de corte. Boa parte do mercado estima que uma redução de 50 pontos-base (0,50 p.p.) seria uma medida prudente para mitigar os riscos de uma possível recessão, decisão que vai impactar o fluxo de capital para outros locais. “Neste momento, a probabilidade de um corte de 50 pontos-base é estimada em 69%, comparado a 30% na semana anterior. Deve-se considerar que a forte valorização recente do dólar americano, que chegou a ser cotado próximo a R$ 5,80, foi influenciada principalmente por fatores internos. Ao analisar o índice do dólar, observamos que ele se encontra próximo da mínima dos últimos 12 meses”, lembra Bruno Nascimento, analista de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio.
Para o especialista, esses cenários são relativamente favoráveis à valorização do real, uma vez que uma maior previsibilidade no ambiente doméstico, aliada a um diferencial de juros entre as moedas que favorece o Brasil, tende a atrair mais capital estrangeiro. “Isso pode resultar em um fluxo maior de dólares para o país, contribuindo para conter a valorização da moeda norte-americana.”
Entrada de capital
Para as gestoras, a visão também é positiva. Na renda fixa, que costuma ser a mais beneficiada em ciclos de alta de juros, a perspectiva é de novos entrantes, especialmente estrangeiros.
Mauricio Lima, superintendente de produtos da Western Asset, que acredita em um aumento inicial de 0,25 p.p nos juros do Brasil, com Selic a 11,75% ou 12% no final do ano, crê que o Banco Central vai acabar, de certa forma, reagindo ao Banco Central americano para as suas decisões, mas independentemente do tamanho das decisões de aumento aqui e de corte por lá, o país vai ter um fluxo de investimentos para a Renda Fixa.
“O spread vai aumentar. Independentemente da magnitude dos passos, o spread em si, de curtíssimo prazo, aumenta, mas os prefixados já refletem isso”, diz Maurício Lima, superintendente de produtos da Western Asset. Segundo ele, os títulos prefixados espelham esse cenário de alta, reduzindo o impacto que, eventualmente, poderia ter em termos de marcação a mercado. “Normalmente, o investidor tende a acabar seguindo esse newsflow. Nesse contexto, as estratégias com crédito privado já vieram captando ao longo desse ano, de forma importante, porque a Selic já vinha se mantendo em um patamar elevado. A consequência disso é que os prêmios de crédito já vieram recuando das suas máximas”, comenta.
Quando olhamos para as NTNs-B, por exemplo, vemos as de prazo médio, intermediário, subindo mais de 100 pontos base, mais de 1%, as mais longas subindo um pouco menos, 0,80. “Ainda assim, é bastante coisa, e os prefixados subindo na casa de 2% neste ano. Me parece que muito do que você tinha para sofrer, o mercado já refletiu na conta. Quem migrar para a renda fixa hoje, em tese, já está comprando ativos que estão precificando um cenário de alta importante da Selic, não deveriam sofrer mais.”
À medida que a taxa de juros vai subindo, o investidor se pergunta se deveria migrar para a renda fixa, olha para a performance de curto prazo e entra. “Devemos ver alguma migração de recursos, deve haver uma atração maior para a renda fixa, nesse contexto, especialmente para estratégias que tenham uma exposição a crédito privado”, diz o superintendente da Western.
Para o executivo, além do diferencial de juros brasileiros e americanos, o que deve acontecer, de certa forma, é uma diminuição da incerteza, já que o ciclo vai finalmente iniciar. “Tende a ter um pouco mais de previsibilidade de mercado, e esta previsibilidade tende a diminuir a percepção de risco. Aí sim, você pode ver a atração de recursos para mercados emergentes, e talvez o Brasil se beneficie.”
Embora possa trazer recursos, o diferencial de juros, por si só, pode não ser suficiente. Para Lima, alguns “fatores de risco” podem diminuir a significância do movimento. “O nível de retorno aumentou, o diferencial de retorno aumentou, mas não é de graça. Só está aumentando porque a percepção de risco local também está aumentando, ao mesmo tempo que lá fora o ritmo de atividade também está diminuindo.”
Além disso, se por um lado os juros altos favorecem a renda fixa, por outro, também podem complicar o endividamento das empresas. Além de encarecer o crédito, a alta dos juros e a maior percepção de risco associada a FIDCs, por exemplo, podem dificultar a captação de novos recursos por parte dos fundos.
Para João Baptista Peixoto Neto, CEO da Ouro Preto Investimentos, no entanto, a alta esperada, de 0,25 p.p, deve ter pouco impacto sobre os veículos de investimento. “Eles já têm uma rentabilidade-alvo muito boa, pagando CDI + 2%, até CDI + 5%. Se a taxa baixar, é que vai ter um impacto mais positivo. Mas subir um pouquinho, não incomoda”, diz.
Para Peixoto, os juros no Brasil não devem subir tanto. “Essa possibilidade de um aumento pequeno da taxa de juros não vai ter um impacto tão forte. Agora as empresas já estão muito endividadas, as famílias já estão muito endividadas, isso é ruim. A gente torce para que no futuro a taxa de juros baixe. Acreditamos que quando houver a troca de comando no BC, com certeza eles vão baixar de qualquer maneira.”
Renda variável
Embora durante o ciclo de alta de juros a renda variável fique de escanteio, este ano essa premissa parece não ter sido válida, diante das expectativas em relação aos cortes. Nos EUA, ainda que os juros estivessem em patamar elevado, as bolsas decolaram, puxadas pelas big techs, movimento que está sendo aos poucos corrigido com os investidores indo para ações de setores mais cíclicos. Já no Brasil, a Bolsa andou de lado boa parte do ano, mas voltou a subir em julho e agosto, e agora sofre com desvalorização novamente.
“O que aconteceu aqui foi que, mesmo com esse ciclo de juros que vivemos aqui, que poderíamos ter surfado positivamente com a Bolsa, a gente não surfou muito causado por conta do investidor estrangeiro que estava preocupado com o Fed. O mundo inteiro está olhando para a taxa de juros elevada nos EUA, e é difícil competir com o Fed”, conta Matheus Amaral, analista chefe de bolsa do Inter. “Quando se começou a falar de corte de juros do Fed, isso já vem no movimento. Desde junho, julho, a gente começou a ver a nossa Bolsa aqui despontar. E ela despontou por conta do investidor estrangeiro. A nossa Bolsa aqui é muito suscetível a ele.”
Ainda que boa parte dos investidores possa preferir os prêmios da renda fixa, deve haver algum movimento para a renda variável, especialmente de estrangeiros, no Brasil. Agora, que não se fala mais se o Fed vai cortar juros ou não e sim sobre o tamanho da possível recessão, a narrativa é outra e favorece esse movimento. “O investidor estrangeiro, à medida que vê esse prêmio dos juros começar a reduzir um pouco, ele começa a ver mercados emergentes e o Brasil é um mercado barato, tem muita coisa barata”, aponta Amaral. “Mas é óbvio que hoje o stock pick é importante. Não é só fechar o olho e comprar qualquer coisa, até porque tem setores, por exemplo, quando falamos de siderurgia e mineração, a Vale ainda está bem dependente da China, e a China passa por uma desaceleração.”
Para o analista, o investidor ainda deve ficar reticente com as commodities, mas setores como financeiro devem se sobressair aos olhos do mercado. “Setor financeiro, que foi responsável pelo ganho nos últimos meses, o investidor estrangeiro vê em peso. E é um setor que eu gosto em relação a oportunidades aqui no Brasil, traz resiliência diante dos ciclos. E as seguradoras também, por conta até dessa questão dos juros, acabam se beneficiando quando você tem uma alta.”
Amaral se diz otimista em relação a esse mini ciclo de alta, porque desde a mudança dos juros de 3,75% para 10,50%, as empresas fazerem o dever de casa de reperfilamento da dívida, o custo da dívida reduziu e os reflexos foram vistos nos últimos resultados, seja no primeiro trimestre ou no segundo para as varejistas, citando Magalu.
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Liberar conteúdoJa é assinante? Clique aqui
Outubro Liberado
Experimente o conteúdo da Capital Aberto grátis durante todo o mês de outubro.
Ja é assinante? Clique aqui